*** START OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK 41293 *** *Preço--700 réis* PRINCIPIOS E QUESTÕES DE PHILOSOPHIA POLITICA POR ANTONIO CANDIDO RIBEIRO DA COSTA II LISTA MULTIPLA E VOTO UNINOMINAL COIMBRA LIVRARIA CENTRAL DE JOSÉ DIOGO PIRES 9--Largo da Sé Velha--10 1881 PRINCIPIOS E QUESTÕES DE PHILOSOPHIA POLITICA PRINCIPIOS E QUESTÕES DE PHILOSOPHIA POLITICA POR ANTONIO CANDIDO RIBEIRO DA COSTA II LISTA MULTIPLA E VOTO UNINOMINAL COIMBRA IMPRENSA DA UNIVERSIDADE 1881 AO DR. JOSÉ CABRAL TEIXEIRA COELHO EM HOMENAGEM Á LEALDADE DO SEU CORAÇÃO E Á EXEMPLAR PROBIDADE DO SEU TALENTO Off. _O auctor._ SUMMARIO I Comprehensão actual do suffragio politico. Opiniões de Dupont White, Bluntschli, Wirouboff, Oliveira Martins. Antinomias d'aquelle facto social; diversas soluções para as reduzir; a que deve ser preferida.--II Estado da questão tratada n'este folheto: a votação deve ser uninominal, ou de muitos nomes? É, fundamentalmente, uma questão de anthropologia. A philosophia naturalista do seculo XVIII em contradicção com a moderna anthropologia.--III Historia da lista multipla (_scrutin de liste_) na França e entre nós. Tem por si as melhores tradições democraticas. Juizo de Gambetta sobre a revolução de 1848. Como a questão eleitoral foi considerada no nosso parlamento em 1859.--IV A lista multipla é preferivel ao voto uninominal. Tem, principalmente, a vantágem de inverter o suffragio, tornando-o indirecto. Porque foi inefficaz na constituição da assembléa franceza de 1871. Objecções contra a lista multipla.--V Analyse da primeira objecção. O suffragio directo é uma illusão; se tem de ser dirigido, antes o seja pelas grandes commissões dos partidos do que pelas influencias locaes. Este regimen produz, quasi sempre, as melhores assembléas legislativas. Importancia da imprensa n'este modo de eleger; sua justificação.--IV Analyse da segunda objecção. A lista multipla rompe a intimidade do eleitor com o seu representante. O sentimento pessoal não é da essencia do voto. Aquella intimidade produz as seguintes consequencias: rebaixa a lucta eleitoral, permitte a seducção pelo dinheiro, obriga os eleitos a um servilismo indecoroso. Demonstração.--VII É o regimen mais proprio para a formação de parlamentos fortes e de governos viaveis. É esta a sua maior excellencia n'este momento da civilisação occidental. Apreciação rapida do estado da França, da Italia, da Hespanha e de Portugal. A representação das minorias é compativel com a fortaleza dos governos. A lista multipla, só por si, permitte, até certo ponto, aquella representação. Demonstra-se isto.--VIII Commentario a uma phrase de Lord Derby. Considerações sobre o presente estado da civilisação politica. Perigos das agitações muito repetidas. Incerteza do futuro. Gravidade d'esta incerteza. I O suffragio politico, que é, desde muito, um facto consummado na vida dos povos mais cultos, está ainda longe de ser um raciocinio triumphante uma verdade positivamente liquidada nas especulações da sciencia. Em quanto dominou o mundo a philosophia absoluta, que tinha a intuição por methodo principal, a discussão d'aquelle facto foi apaixonada, levou alguns interessados n'ella á prova extrema do martyrio, chegou a determinar uma formidavel revolução, que é um dos acontecimentos culminantes d'este seculo; mas a ponderação das suas difficuldades praticas e o verdadeiro conhecimento da sua indole, antinomica com irrecusaveis condições sociaes, são obra de outra escola, que antepõe a analyse ao enthusiasmo inconsciente e a realidade das cousas ao optimismo dos espiritos. E não são já sómente os discipulos d'essa escola, os puritanos seguidores da philosophia experimental, que vêem no suffragio politico as difficuldades, que elle importa, e as contradicções, que elle encerra. Graças á influencia dos novos methodos, sentida ainda por aquelles que fazem gala de os combater, essa instituição do Direito Publico perdeu o falso prestigio sentimental que a aureolava, e é geralmente tida hoje pela mais perigosa de todas as funcções sociaes. Ao invez de tantos que saudaram o suffragio generalisado como aurora d'uma liberdade viavel e fecunda, insignes publicistas de todos os matizes são attestes em consideral-o um _mal_ gravissimo, a que urge applicar remedio. Dupont White qualifica a democracia de contra-senso, de pura chimera, porque entrega e confia o que _a sociedade tem de mais difficil nas suas obras a quem é mais incapaz entre os seus membros, e para a mais alta das funcções, que é o governo, destina o mais grosseiro de todos os orgãos, o suffragio do povo_![1]. Bluntschli friza muitas vezes a mesma idéa, e, na violenta apprehensão que lhe causam os perigosos abusos do voto universal, propõe, como forçoso antecedente ao exercicio dos direitos politicos, o que elle chama _consagração civica_, uma especie de chrisma administrado pelo Estado, n'uma festa solemne, aos que a edade vai collocando na categoria de cidadãos[2]. Wirouboff, o energico continuador de Littré, teve ainda ha pouco a coragem de dizer em plena França, no paiz classico do suffragio universal, que este, quando não era uma flagrante contradicção, não passava d'uma inanidade, a que a rhetorica constitucional revestia, a seu talante, toda a sorte de roupagens[3]. E, para produzirmos uma auctoridade nossa, transcrevemos as seguintes palavras de Oliveira Martins, o poderoso e brilhante escriptor, que dia a dia se habilita para exercitar gloriosamente o primado das letras portuguezas: _«O descredito chegou a um ponto que os maiores amigos do systema são hoje os inimigos da liberdade. Os cesaristas são os primeiros defensores do suffragio universal, que a democracia, como partido, não teve ainda a coragem de confessar que é uma burla»_[4]. Por outro lado, a legislação eleitoral muda, transforma-se sempre dentro de curtos periodos, revelando-se assim frequentemente a desillusão padecida pelos povos, que teem de repellir, por inefficazes, as suas creações no dia seguinte ao da producção d'ellas. A propria Inglaterra, tão adherente ás suas tradições de toda a ordem, excepciona, a este respeito, o temperamento da sua raça. Que explicação tem este grave conflicto, em que estão empenhados os mais distinctos entendimentos e os mais importantes interesses do nosso tempo? Tem a seguinte: a imprudentissima antecipação de reformas, que o povo, _a ultima e mais numerosa classe da sociedade_, está longe de comprehender e executar, e a manifesta impossibilidade de restringir faculdades, que a lei e o costume consagraram como direitos. É certo que na Suissa e nos Estados-Unidos o suffragio universal funcciona menos imperfeitamente; mas o povo d'essas duas florescentes republicas tem uma longa educação democratica, e, sobre tudo, uma larga descentralisação administrativa e politica, e por isso o voto individual dos seus cidadãos satisfaz, pelo menos, a estes requisitos de todo o legitimo suffragio: _interesse immediato e especialisação do saber_. Nos outros paizes o regimen unitario annulla estas duas condições, e causa lastima, profunda lastima, ver como a humanidade culta relucta ahi infructuosamente com a fatalidade d'um legado historico, que não sabe aproveitar e não póde repellir! Partindo da mesma comprehensão d'este phenomeno social, são diversissimas as direcções seguidas pelos pensadores que consideram e sentem as difficuldades do problema. Uns limitam-se, no maior desalento, á negação pessimista de todo o progresso. Outros, tão insensatos e estereis como aquelles, esperam que o suffragio universal se curará a si mesmo todos os males, como se fosse alguma cousa mais do que um instrumento material, manejavel a quaesquer impulsos! Não falta quem se contente com ostentosos programmas das reformas a operar para que o voto politico seja uma realidade efficaz, esquecendo-se de que taes reformas só em muito distante futuro são realisaveis, e de que, no entretanto, a suspensão do suffragio universal é absolutamente impossivel. Ha, emfim, alguns espiritos melhormente avisados, que, vendo as cousas como ellas são, curam de applicar _desde já_ ao suffragio universal um systema de modificações que o torne mais racionavel na sua organisação e menos damnoso nos seus effeitos. Para estes toda a discussão dos fundamentos do suffragio é abandonada por ociosa e inutil. Elles sabem que são totalmente indifferentes ao interesse real dos povos as controversias apparatosas, que podem entreter os ocios d'uma sabia academia, mas não accrescentam um ceitil á economia das sociedades, nem despontam a rudeza das infimas classes, que, sem saberem para quê, nem porquê, estão hoje investidas dos supremos poderes. Acceito o pensamento d'este grupo de pensadores, e já procurei servil-o formulando e desenvolvendo a grande verdade da _representação proporcional_[5]; e hoje continúo o primeiro trabalho, examinando uma questão, tambem eleitoral, que a França retomou ainda ha pouco, e exhibiu ao mundo n'aquella magnifica fórma com que esta gloriosa nação avulta e sobredoira sempre todos os assumptos que a impressionam sériamente. Esta questão versa sobre a _unidade_ ou _multiplicidade de nomes na lista de cada eleitor_. II O suffragio politico é concedido para a formação de assembléas legislativas, ou de corporações incumbidas da administração local. Para que elle produza, pelo melhor modo, o seu resultado, qual d'estas duas cousas será mais conveniente: a votação de cada eleitor n'um só nome, destinado a representar um determinado circulo, ou a votação de lista com muitos nomes, que ficam constituindo a representação collectiva d'uma area mais larga? Do simples enunciado da questão resalta já que ella é de pura _fórma_, extranha ao que poderia chamar-se, em linguagem antiga, a _essencia_ do suffragio. O que se debate é o valor relativo de dois processos empregados para a consecução da mesma cousa, de dois modos de aproveitar praticamente uma força, que, em qualquer d'elles, subsiste como era. Não partem da mesma ordem de idéas os que defendem o voto uninominal e os que rompem lanças em defesa da lista multipla. Aquelles preoccupam-se mais do interesse e da competencia do eleitor; estes visam principalmente á melhor constituição das assembléas politicas. Os primeiros representam, n'esta questão, a escola que considera o suffragio como um direito; os segundos pertencem á que considera o voto politico, não como um direito do _homem_, mas como o privilegio do _cidadão_, subordinado aos interesses geraes do Estado. Diga-se de passagem que esta distincção tem um grande sabor metaphysico. Contra a comprehensão do suffragio como um direito insurge-se a anthropologia, estudada pelos modernos processos; contra a definição d'elle como privilegio levanta-se a historia da sua generalisação, póde dizer-se que até ao limite extremo, nos mais adeantados povos da Europa e da America. É á philosophia naturalista do seculo XVIII que se deve a idéa de que todos os homens, pelo só facto de serem homens, devem ter egual participação no governo das sociedades. A _declaração dos direitos do homem e do cidadão_, com que abre a constituição franceza de 1793, consagra, no art. 6.^o, este principio: _a liberdade tem por fundamento a natureza_. Esta phrase vem da Encyclopedia. Mas a natureza, como a entendia aquelle seculo, não é qual a descrevem as sciencias de hoje. Era então um mixto de factos positivos e de abstracções idealistas, um conceito absoluto de que era facil deduzir as mais ousadas consequencias. E passava-se da natureza para a sociedade, importando ao regimen d'esta as mesmas illusões _egualitarias_ que a sciencia consagrava n'aquella. Se a natureza é a mesma em todos os homens, todos os homens devem ter os mesmos direitos politicos. Era este o raciocinio, sympathico ás inferioridades sociaes, fulminante para as tradições estabelecidas, excellente como instrumento de negação, mas falso, falsissimo, como base da nova ordem de instituições, que era necessario edificar sobre os escombros do passado. O naturalismo de hoje formúla conclusões oppostas áquella doutrina. Buffon e Diderot são triumphantemente combatidos por Darwin e Haekel. É já verdade incontestada que os progressos da civilisação, differentes de povo para povo, e, dentro do mesmo povo, de classe para classe, produzem novas faculdades naturaes, e que a obra do esforço humano se perpetúa conjunctamente nas paginas da historia e na anatomia do cerebro. A este modo de explicar as desegualdades sociaes corresponde a doutrina que considera o voto como um _encargo_, na phrase de Stuart Mill[6], ou como um direito _publico_, por opposição a direito _natural_, na linguagem de Bluntschli[7]. _O direito de suffragio_, diz este illustre professor, _não é um direito natural do individuo, como pretende o Contracto Social, mas um direito publico derivado do Estado, existindo só no Estado, não podendo servir contra elle. É como cidadão, não como homem, que o eleitor vota; elle não deduz o seu direito de si mesmo, das necessidades da sua existencia, ou do seu desenvolvimento pessoal, mas da constituição do Estado, e para bem d'este_. Infelizmente as lições da moderna biologia e as profundas theorias dos mais eminentes publicistas vieram tarde, demasiadamente tarde. A revolução politica, que estendeu a todas as classes a faculdade de intervirem na gerencia social, sem consideração pelo seu estado mental e pela sua situação economica, estava já consummada quando vieram a lume aquellas verdades. E uma revolução feita é uma fatalidade indestructivel; deixa sempre na organisação dos povos um elemento novo, bom ou máo, mas tão firme, tão persistente como as camadas geologicas que se sobrepõem na constituição do nosso planeta. III Quando, no verão passado, a questão da lista multipla (_scrutin de liste_) appareceu no parlamento francez por uma proposta do deputado Bardoux, defensores e adversarios d'ella invocaram a historia dos dois regimes eleitoraes, querendo os primeiros mostrar que estavam com as mais genuinas tradições republicanas, e sustentando os segundos, com inflammado interesse, a these opposta. Sem embargo de ser pouco edificante vêr uma das mais brilhantes assembléas do mundo dividir-se assim na interpretação de factos tam proximos e tam geraes, é certo que a intenção de todos elles era perfeitamente legitima, porque a melhor prova d'uma instituição pratica é a experiencia que d'ella se faz. Houve exaggero de um e outro lado, mas da parte dos que pugnavam pela lista multipla estava maior porção de verdade historica. A lei de 22 de dezembro de 1789, a primeira que a França teve sobre liberdade politica, mandava fazer as eleições pelo voto plurinominal, e do mesmo modo dispunham a Constituição de 1791, o decreto de 12 de agosto de 1792, a Constituição de 1793 e a do anno III. Este systema, hybridamente combinado com o do suffragio uninominal, atravessou todo o periodo da Restauração, e só em 1831, no estabelecimento da monarchia de julho, foi que elle teve de ceder, ficando em vigor, até 1848, o suffragio por circulo, que a revolução d'esta data aboliu logo por um acto do governo provisorio, sendo a lista multipla adoptada para a formação das duas assembléas republicanas. O principe L. Bonaparte, ainda presidente, substituiu-lhe o voto uninominal, que serviu admiravelmente, em todo o tempo do imperio, aos nefastos intuitos d'este famoso aventureiro. A terceira republica reviveu o regimen eleitoral de 1849, e foi por elle formada a assembléa de 1871. Substituido pelo outro systema em 1875, voltou, no anno corrente, a ser proposto, questionado apaixonadamente e por fim votado na camara franceza, depois d'um dos mais notaveis discursos com que a poderosa eloquencia de Gambetta tem illuminado a tribuna de Mirabeau; e se a fortuna lhe foi adversa no senado, talvez isso se deva antes a rivalidades pessoaes do que a divergencias de doutrina. D'este summario historico vê-se que a democracia franceza tem decidida predilecção pela _lista multipla_, que ainda póde invocar em seu favor as malquerenças dos ministros de Luiz Philippe e dos cortesãos de Napoleão III. Menos avisado andava, pois, o deputado Charles Boysset, relator da commissão que deu parecer contrario á proposta de Bardoux, quando escrevia que aquelle systema eleitoral não tinha honrosos precedentes; e ainda menos feliz quando a paixão e o interesse partidario o levavam á injustiça de dizer que a assembléa de 1848 era _mediocre de espirito e de coração_! A grande voz de Gambetta vingou nobremente a memoria da revolução de 1848 n'estas eloquentes palavras: _A assembléa constituinte d'esta epocha está acima de todas as aggressões e de todas as criticas, quer se falle do seu coração, quer do seu espirito. Todos podem julgar, á sua vontade, o coração das assembléas, mas o brilho do talento, o prestigio dos caracteres... Qual é o talento, o genio, o illustre homem politico que não tinha logar na assembléa de 1848, com excepção do sr. Guizot? Eu vejo-os ahi todos. A sua politica pertence ás disputas dos homens, mas não o ascendente do seu espirito, da sua auctoridade. Eu creio que, depois da Convenção, a assembléa de 1848 é a maior que a França tem na ma historia._ A camara de Versailles não merecia ao eminente orador uma phrase de rehabilitação; mas, n'um dos mais distinctos movimentos da sua eloquencia, o suffragio universal e a _lista multipla_ ficaram salvos d'essa prova, _pela reacção que logo operaram contra as suas proprias fraquezas_. Os adversarios da proposta de Bardoux não podiam sustentar-se dignamente n'este campo. O voto plurinominal, segundo o espirito d'aquella proposta, é vulneravel em alguns pontos, mas, como logo veremos, não se lhe póde negar a qualidade de ser, mais que outro qualquer systema, favoravel á formação de assembléas fortes pelo seu pensamento politico e luzidas pela distincção intellectual dos seus membros. E esta qualidade, sempre consideravel, é hoje preciosissima, porque os deveres da civilisação, instantemente reclamados em toda a parte, só podem ser satisfeitos por situações politicas muito definidas e muito vigorosas. Na nossa prática constitucional foram já adoptados os dois regimens. Estabelecida a eleição directa, começou-se pela lista multipla. Consagra este systema eleitoral o decreto de 30 de setembro de 1852[8]. Durou sete annos este regimen, que não pôde resistir á valente opposição que lhe fez José Estevão. A lei de 23 de novembro de 1859 foi inspirada por este glorioso orador, que, d'essa vez, desserviu um pouco a liberdade que elle tantas vezes honrara com o seu talento e com o seu caracter, porque não pôde prever que o systema de 1859 ainda havia de produzir peores resultados, muito peores, do que o de 1852. No relatorio do projecto, que se converteu n'aquella lei, diz-se: «_A commissão adopta o principio dos circulos pequenos, propondo um só deputado por cada circulo. Buscando assim a unidade e a verdade da representação, e procurando obter a expressão genuina de todas as opiniões e conveniencias das povoações, considerou a commissão que os interesses locaes são distinctos, mas não contrarios ao interesse geral, e que este não póde compôr-se senão da somma de todos aquelles_.» E com estas poucas idéas, variadamente paraphraseadas nas duas camaras, correu toda a discussão d'um projecto importantissimo, que interessava á propria existencia da liberdade, porque esta tem, com o suffragio politico, a mesma estreita relação que as funcções vitaes têem com os seus respectivos orgãos! Estudada nas sessões das camaras, aquella discussão é d'uma esterilidade absoluta. Não ha alli um argumento estatistico, uma consideração pratica, uma alta theoria, a comprehensão, por qualquer modo manifestada, de que se questionava o mais momentoso assumpto que póde ser sujeito a assembléas politicas. Passou-se d'um para outro regimen eleitoral, sem que o systema revogado fosse convencido da sua iniquidade, e o que vinha substituil-o recebesse a calorosa consagração que os amigos da liberdade offerecem sempre ás novas fórmas d'este augusto principio. Pois na camara, que votou a lei de 23 de novembro, estavam os eloquentissimos oradores José Estevão e Rebello da Silva, e batia o coração do sincero democrata F. Coelho do Amaral! IV Prefiro a lista multipla á votação uninominal. Aquella tem para mim a preciosa vantagem de restringir a extensão do suffragio e de realisar, pela melhor fórma, a votação em dous gráus, não como ella é proposta em theoria e tem sido praticada em todos os paizes, mas de modo inverso: collocando n'uma especie de assembléa primaria os eleitores influentes, os que constituem a parte pensante da sociedade, e deixando aos outros a mera confirmação da escolha feita. Sei que esta opinião irrita as coleras de todos os visionarios do suffragio directo, os quaes acham delicioso zelar e defender, no conforto do gabinete, os direitos da multidão, salva sempre a disposição de sacrificar esses direitos na primeira opportunidade que appareça; mas eu procuro uma solução pratica, e o que menos contribue para isso é o platonismo de publicistas que, a despeito das mais rudes lições da experiencia, continuam a considerar o povo uma abstracção, e a recortar n'esta abstracção os caprichosos arabescos da sua phantasia. Se admitisse a realidade d'uma ligação moral entre os eleitores e os seus representantes; se não soubesse que entre uns e outros só raramente se produz uma relação politica, no mais nobre significado d'esta phrase; se a observação quotidiana não estivesse ahi a mostrar aos mais refractarios que a grande maioria dos cidadãos ignora sempre as qualidades, os precedentes e os intuitos dos candidatos que elege; se fosse possivel alterar, dentro de curto praso, as condições mentaes da turba, que não sabe, nem quer saber, os rudimentos da boa educação civica; se não fosse vão e esteril todo o proposito de levar, pelos processos usados, á consciencia do povo a luz dos seus deveres e a dignidade dos seus direitos--ainda poderia hesitar entre os dois systemas. Mas como voaram, ha muito, as douradas illusões com que o meu espirito se creou, e me parece que é perfeitamente legitimo tirar de situações defeituosas o maior partido possivel, entendo que, vista a impossibilidade de realisar no maior numero de individuos a intenção do voto, deve este servir a mais alguma cousa do que ao triumpho inglorio das insignificancias locaes, ou ás predilecções dos governos, as quaes recáem quasi sempre em amigos pessoaes e partidarios accommodaticios, e lançar-se mão da lista multipla, que não póde, é certo, photographar as feições miudas da sociedade, mas desenha as linhas principaes da sua physionomia politica. Não é infallivel este meio. Em determinadas circumstancias póde ser inefficaz para a formação de uma boa assembléa politica; e um exemplo recente, a camara franceza de 1871, é prova d'isso. Caíu o imperio nas ignominias de Sédan; os deputados de Paris, tendo á sua frente o general Trochu, assumiram o governo provisorio e deram brilhantes manifestações do seu patriotismo e da sua coragem; fieis ás suas tradições, despertadas em 1869 por uma celebre proposta de Ferry, Gambetta e Arago, os homens que tinham a responsabilidade da situação reviveram logo a lista multipla, suspensa desde 1852; não havia razão para invocar as obliteradas tradições do velho regimen; a despeito da violenta compressão exercida sobre o movimento democratico nos vinte annos precedentes, a corrente das idéas modernas tinha engrossado de dia para dia; tudo parecia indicar que a urna, abandonada á sua espontaneidade por expressas recommendações de F. Herold, o honrado ministro que presidiu ao acto eleitoral, consagraria definitivamente a republica como fórmula comprehensiva de todas as aspirações politicas... Pois o que aconteceu foi exactamente o contrario de quanto se esperava: os elementos reaccionarios apparecerem em grande maioria; o partido republicano, com que a França se encontrava na hora da desgraça, foi o menos considerado pelo suffragio universal! As angustiosas circumstancias em que estava, aquelle paiz explicam sufficientemente este phenomeno sociologico. O desejo da paz era o mais forte sentimento que dominava os espiritos; os republicanos, talvez pela vehemencia com que tinham dirigido a sua recente opposição ao imperio, passavam na opinião geral por demasiadamente insoffridos, e, por tanto, perigosos n'aquella difficillima conjuncção. Por outro lado, os exercitos allemães pesavam ainda, como um castigo e uma ameaça de ferro, no solo da França, e o delirio communalista, que era o exaggero d'uma idéa, levava naturalmente aos extremos da reacção contra tudo o que de algum modo se assimilhasse a essa idéa, na essencia ou na fórma, de longe ou de perto, na realidade ou no nome. A lista multipla serviu á situação moral d'aquelle momento. Traduziu com fidelidade um estado máu, que ella não podia alterar nem substituir por outro. E, vistas as cousas d'este modo, a assembléa de 1871, _condemnada ao infortunio de se reunir por graça e sob a inspecção do vencedor_, na phrase de L. Blanc, não é razão plausivel contra o systema eleitoral que a formou. Diz-se contra este systema que elle é a negação do suffragio universal directo, porque a incidencia do voto tem de ser regulada, forçosamente, por grandes commissões centraes do governo e da opposição; que rompe a intimidade do eleitor com o seu representante; que favorece os abusos do poder, e permitte, sob apparencias parlamentares, os maiores excessos da dictadura. Vejâmos o que estes argumentos valem. Contra elles opponho desde já a affirmação de que, com a representação das minorias[9], a lista multipla é o menos inconveniente de todos os regimens applicaveis a um Estado unitario,--e de que, ainda sem aquella representação, é preferivel a outro qualquer systema. V O que fica dito nos numeros precedentes é bastante para annullar a preoccupação do suffragio directo, que avulta em todos os defensores do voto uninominal. O suffragio não é, em caso algum, verdadeiramente directo, se esta phrase significa a acção immediata e a intenção conscienciosa do eleitor no exercicio da sua liberdade politica. Em circulos de um só deputado, ou em districtos de muitos, a maioria dos cidadãos determina-se por motivos completamente extranhos á inspiração do seu direito, porque esta inspiração não é possivel na cerrada ignorancia e na invencivel dependencia das classes inferiores. Isto é evidente a todas as luzes; é uma verdade de applicação geral a todos os povos, não lhe escapando a propria França, que tem por si a vantagem d'uma mais adeantada cultura, e o effeito inapagavel da sua educação revolucionaria. Lá, como em toda a parte, o povo é esta grande classe operaria, numerosissima, que trabalha para viver, sem se importar muito com quem governa, confundindo as côres das bandeiras politicas, e fazendo do seu voto um presente de favor ou um objecto de mercancia. Não podia ser d'outro modo. Que interesse póde ter o eleitor em decidir com um acto da sua vontade questões que não conhece, e julgar homens que é incompetente para apreciar? O suffragio directo é, pois, uma illusão, uma mentira, a hypocrisia da lei, que se contenta com a apresentação da sua letra, e não se importa para nada com a sophismação do seu espirito. Considerados, sob este aspecto positivo, os factos eleitoraes de todos os paizes, qual d'estas duas soluções é melhor: deixar á mercê de pequenos interesses pessoaes e locaes a faculdade de que a lei investe o povo, ou organisar o suffragio de maneira que essa faculdade tenha de ser movida por mais elevadas causas, quaes são o prestigio d'um partido e a influencia d'uma doutrina? É esta a melhor solução. Os principios tomam o logar aos individuos; o espirito do eleitor sobe da confiança absoluta n'um homem á comprehensão de que alguma cousa mais importante depende do seu voto; os cidadãos intelligentes, verdadeiramente interessados nos negocios publicos, têm uma area mais larga para o exercicio dos seus direitos; estabelecem-se correntes de idéas e de factos em que podem colher ensinamento e lição os que são capazes d'isso; e n'estas condições sempre o voto dos eleitores, consciencioso ou não, serve á elevação de homens distinctos, collocados á maior luz pela fama do seu merecimento e pelo respeito do seu partido. Com a lista multipla vem a necessidade de commissões politicas, que discutam e escolham os nomes mais prestigiosos, combinem as influencias locaes, aconselhem e dirijam todo o movimento. É isto uma objecção válida contra a lista multipla, como pretendem os defensores do outro systema? Pelo contrario. Fica o suffragio popular com o que elle mais precisa: uma grande escola; advem aos partidos uma nova força, que elles, em geral, só teem no nome: a força da disciplina. Não se comprehende o horror que muita gente professa pelas grandes commissões directoras dos partidos, quando essa mesma gente vê, sem magua, as que disputam o ascendente eleitoral no espaço breve e fechado d'uma pequena localidade; e não se comprehende porque, em primeiro logar, o systema da lista multipla não inutilisa as influencias que são legitimas, mas aproveita-as n'um sentido impessoal e mais nobre,--e depois é claro que aquellas commissões, no seu proprio interesse, hão de mostrar-se determinadas por motivos dignos da ampla discussão a que estão sujeitas, e da grave responsabilidade que assumem. Não ha vida publica, elevada e digna, sem partidos fortemente organisados. Quando a opinião é anarchica, sem principios certos e indicações positivas, o governo é fatalmente pessoal, sem culpa sua, por necessidade das cousas. Tudo o que possa dar cohesão e nervo á disciplina dos partidos é por tanto de aproveitar a bem da liberdade e da ordem, principalmente da ordem, porque, segundo um profundo conceito de Augusto Comte, é por esta que mais hoje se deve receiar, sendo, como é, a liberdade um facto radicado nos costumes e, de todo o ponto, superior a quaesquer tentativas para o annullar. Não é indifferente á organisação dos partidos o modo de fazer as eleições. Tal systema póde inutilisar todos os esforços politicos, por melhor commando que tenham; outro, pelo contrario, liquída e apura com verdade, pelo menos aproximada, as forças compromettidas n'uma lucta eleitoral. Na vigencia do primeiro, produzem-se a inacção e a indifferença; sob garantia do segundo, a actividade politica multiplica os seus meios de propaganda e de combate. Parece-me que, dos regimens usados e conhecidos, é a lista multipla o mais adequado a fomentar e entreter nos partidos o seu espirito de disciplina. Este regimen importa uma certa centralisação eleitoral, e sem esta não ha, como não ha no governo sem centralisação politica, a energia que convem á pratica de principios que hão de soffrer opposição, e á realisação de actos que teem de ser contestados. Com o voto uninominal é frequente a imposição feita aos chefes dos partidos, supremos representantes da sua dignidade e da sua força, pelas influencias locaes, que fazem questão d'uma pessoa, recusam toda a transacção proposta, e reclamam ainda o que julgam preço devido pela sua dedicação, que não passa de miseravelmente egoista. No outro systema taes intransigencias seriam quasi sempre impossiveis por virtude d'este dilemma: sujeição ao pensamento geral do partido, ou perda dos votos dissidentes. Como esta solução difficilmente encontraria seguidores, aquella viria a vingar, e, com ella, o maior lustre da vida publica, que está, evidentemente, em substituir as mediocridades, que o favor ou a dependencia dos vizinhos eleva ás assembléas legislativas, pelos talentos mais prestimosos e pelos mais veneraveis caracteres que sustentam e brazonam as aggremiações partidarias. Não falta quem, por uma notavel inversão das observações mais repetidas, desconheça aquella vantagem da lista multipla, e até lhe faça cargo de favorecer a elevação de insignificancias politicas, que só valem porque a opinião, n'um dos seus movimentos mais imprevistos e menos reflectidos, lhes põe os nomes no primeiro plano. N'esta falsa preoccupação escreveu o duque de Broglie[10]: _É um meio_ (a lista multipla) _de dar ingresso no parlamento aos corypheus do jornalismo, ás reputações de coterie, a estes idolos de uma popularidade facticia e ephemera, que um dia levanta e o dia seguinte abate e prostra no chão inconsistente da capital_. Não é assim. Se a illusão é possivel, e é algumas vezes, mais facilmente irá por deante nos pequenos circulos, onde os echos dos grandes centros teem sempre uma repercussão amplificada, do que no juizo de homens illustrados e experientes, que se não deixam vencer pela fascinação de effeitos postiços, quasi sempre preparados com uma arte de que só os ingenuos desconhecem o segredo. Não haja receio de que a lista multipla sacrifique as influencias particulares, que têm por objectivo o real, o verdadeiro merecimento. Essas subsistem, essas fazem-se valer, seja qual fôr o systema adoptado, porque os homens dignos e valorosos encontram sempre uma acceitação sympathica, e se trazem, de virtude propria, a consagração eleitoral das suas qualidades, tanto melhor para elles e para as causas que veem servir. Os que padecem, mas justamente, são os que, tendo alcançado por meios, bons ou máus, um certo ascendente nas povoações em que vivem, jogam depois com elle a sabor dos seus interesses, explorando conjunctamente a affeição dos seus constituintes e a necessidade e dependencia do seu partido. É indispensavel vêr as cousas como ellas são na realidade, e não sómente como as descreve a sciencia de gabinete. Não se fórma juizo seguro a respeito dos factos sociaes sem praticar os homens, surprehender as suas paixões, apreciar, pessoalmente, a intelligencia e a moralidade d'elles, diversas em cada classe, e acompanhal-os, de perto, nos actos mais importantes da sua vida publica. Não se estuda a geographia botanica dentro d'uma estufa; não se apprende a biologia pela só analyse d'um exemplar vivo; bem clara, bem simples, bem regular é a existencia das estrellas, e não ha uma, entre as que a astronomia conta, que não haja sido observada mil vezes. Como se ha de dizer, com acerto, das complicações do suffragio universal, se apenas se conhecem theoricamente de auctores, que persistem em metter a humanidade nos moldes brincados da sua artificiosa phantasia?! Raro adversario da lista multipla deixa de se mostrar apprehensivo pela grande parte que ella confere á imprensa nas evoluções eleitoraes. Mas é sem razão. O elogio da imprensa é um logar commum a que, applicando uma phrase celebre, já não vale a pena pôr gravatas brancas. A luz, que ella diffunde, allumia toda a vida moderna. Se fosse possivel extinguil-a, far-se-ia noite no espirito humano. Quantas faculdades se lhe concedam, quantas influencias se lhe facilitem, não serão de mais, não serão nunca excessivas, porque ella retribue, centuplicadas, as vantagens que se lhe fazem. Por isso é uma excellencia da lista multipla o que passa, entre muitos, pelo seu mais grave defeito. Estabelecida a lucta eleitoral, a imprensa assume as proporções d'uma aula solemne, em que os partidos discutem os seus programmas, relembram a sua historia, traçam o seu itinerario, explicam todo o seu modo de vêr e sentir as necessidades do seu tempo e do seu paiz. Quem é capaz de apprender, apprende; quem procura os elementos precisos a uma orientação segura, colhe-os facilmente. As questões pessoaes, em que tantas vezes a injuria substitue a critica, cedem o logar ás correntes de idéas, que circulam copiosamente, inundando todas as consciencias que a educação predispoz ás fecundações do ensino; e, d'este modo, as questões politicas, que o suffragio popular é chamado a decidir, transfiguram-se na sua verdadeira luz: em vez de apparecerem na fórma de um homem, apresentam-se e elevam-se na grandeza de uma doutrina. Em face de tudo isto não será conveniente que a direcção do suffragio popular, o qual é e será ainda por muito tempo um facto subalterno, suba da intriga local, pequena nos intuitos e indigna nos processos, para os conselhos centraes dos partidos, que obedecem a mais altas inspirações? Penso que é, e sem hesitação, sem uma sombra de duvida. VI A lista multipla tira ao suffragio politico o sentimento pessoal, que deve revestil-o, e rompe toda a intimidade necessaria entre o eleitor e o seu representante. Eis outro argumento vibrado contra aquelle regimen, e, de certo, o mais perigoso pelas falsas apparencias que o esmaltam. Aquelle sentimento é uma circumstancia sem valor; o rompimento d'aquella intimidade é inevitavel n'este modo de eleger, mas é excellente. O voto eleitoral não é occasião para gosos sentimentaes, as nupcias mysticas do cidadão com o seu representante, o vinculo sympathico de pessoas intimamente conhecidas, mas, simplesmente, a funcção material que serve a liberdade de opinião sobre os variadissimos negocios do Estado. Ora esta opinião exerce-se sobre idéas, e só secundariamente sobre pessoas; e quando se refere a pessoas, é mais ás que commandam um partido do que ás que formam o seu cortejo parlamentar. De maneira que a votação por listas, que significam programmas, traduz mais propriamente as legitimas intenções da liberdade politica do que o suffragio praticado d'outro modo. Se coincide a confiança pessoal com a convicção politica, o acto do eleitor é mais intenso e mais agradavel, mas o essencial é que elle diga como entende os negocios publicos, e não que nos desvele a sua particular sympathia em algum dos seus amigos. Mas, concedida a legitimidade d'aquelle sentimento pessoal, a sua consagração legal não dará azo aos mil inconvenientes que embaraçam e deshonram o suffragio universal? Dá. Em primeiro logar a lucta politica, reduzida á mera concorrencia de pessoas, é quasi sempre infamada por injurias, arremessadas de lado a lado, por doestos verbaes e impressos, por calumnias de todo o genero. No periodo eleitoral suspendem-se as garantias da moralidade publica, e todos os ruins instinctos, todos os baixos sentimentos irrompem e circulam desenfreiados e soltos, n'uma verdadeira profanação da liberdade que os tolera. E este consectario do systema uninominal é tão geralmente sentido, que raro publicista deixa de o ponderar com a devida gravidade, e de lhe procurar um remedio qualquer, que seja ou pareça efficaz. A representação das minorias, dando ás aspirações de todos os partidos uma satisfação proporcional ás suas forças, debellaria inteiramente aquelles desastrados effeitos; a votação por lista multipla não os acaba de todo, mas attenua-os muito, attenua-os consideravelmente, porque dá logar a combinações em que podem ser attendidas varias exigencias pessoaes ou politicas. Descrevendo aquelle feio aspecto do regimen eleitoral vigente, e fazendo-o servir á impreterivel necessidade da representação das minorias, disse eu na minha _dissertação inaugural_[11]: «Tem ainda contra si o actual systema o imprimir nos actos eleitoraes o caracter d'uma pugna violenta, intransigente, farta de odios e de paixões. Só quem não tem assistido a eleições é que ignora as pequenas miserias que se exhibem n'ellas. Todas as dependencias são invocadas e não ha pressão que se não exerça. A lucta é a todo o transe. Porque não ha espaço para todos nos ambitos da lei, o dilemma de viver ou morrer apresenta-se fatalmente a todos os espiritos. Os nomes dos candidatos apparecem aos eleitores sob esta dupla fórma: vestidos de luz e cheios de lama. Recontam-se anecdotas, forjam-se calumnias, o libello diffamatorio dos pretendentes avoluma progressivamente á medida que se approxima o dia fatal. A divergencia de idéas importa rompimento de relações, e o sentimento do odio estende-se a familias inteiras. Não raras vezes a violencia material, o pugilato, o assassinio até, põem nodoas de sangue n'aquelle acto, que devia ser incruento e pacifico. Não ha cidadão que sáia incolume d'um prelio d'esta ordem: um perdeu o amparo e a protecção que tinha; outro é logo executado pelas suas dividas; a vingança toma conta de todos e sacrifica-os cedo ou tarde. A imprensa, essa augusta tribuna da verdade, demuda-se em pelourinho de infamias. Finda a lucta, o espaço em que ella foi ferida fica mais repugnante do que um campo de batalha em que se dilaceraram dois exercitos: n'este alastram-se corpos mutilados, horrivelmente desformados, com as visagens medonhas em que a morte os surprehendeu; mas n'aquelle, no espaço em que se digladiaram dois partidos, ha mil reputações feridas de morte, ha muita dignidade trucidada; e, ao invez do que acontece depois d'um combate ordinario,--depois da guerra eleitoral continuam os odios, referve ainda a vindicta, e as paixões imperam com toda a força, peiores no momento da reflexão do que eram no momento primitivo!» O desenho afigura-se-me verdadeiro. As sombras que o escurentam são copiadas d'uma realidade vulgar e frequente. Verifique, quem duvidar; julgue, quem tiver consciencia. Mas ha peior. Aquelle systema importa o emprego de dinheiro como meio de seducção eleitoral, e o nosso paiz está, desgraçadamente, exemplificando isso com uma largueza e uma desvergonha terrivelmente assustadoras! A simonia politica é já, entre nós, um facto corrente. Esta infamia estadêa por toda a parte os attributos do seu impudor. O leilão é publico, á clara luz do sol, ás vistas de toda a gente! É um commercio de escravos, vestidos pela lei á feição de homens livres. Uma miseria e uma irrisão! Vendem-se individuos, freguezias, concelhos, circulos. Já é possivel escrever, no mappa eleitoral, á margem de muitos circulos o seu preço ordinario! As cousas têm progredido em tão devastadora proporção que, apenas aberto o periodo eleitoral, pensa-se mais, muito mais, nos homens de dinheiro do que nos que sabem e querem prestar serviços ao seu paiz e ao seu partido; e cidadãos distinctos, dignissimos do parlamento, vêem-se inhibidos de ir lá, ao passo que triumpha facilmente o argentario boçal, que considera lustre e grandeza para o seu nome o que é um ridiculo e uma deshonra para o seu caracter. E ha corretores encartados n'aquelle mercado, que surdem da sua obscuridade no momento opportuno, apparecem nos gremios politicos, combinam e discutem o pagamento dos seus serviços, e dão, com as suas physionomias caracteristicas, um aspecto repugnante e sordido ás reuniões e conferencias eleitoraes... Na Inglaterra, antes da reforma de 1832, era frequente a exhibição d'estes espectaculos. A expressão _burgos-podres_ vem de lá. Na França começa a manifestar-se esta vergonhosa enfermidade, e é Gambetta[12] quem a denuncía. _São costumes que principiam_ (disse o grande tribuno), _mas se vós sustentaes o regimen parcellar applicado ao suffragio universal, elles propagar-se-hão rapidamente, e vós ficareis, deante da historia, com esta tremenda responsabilidade: a de ter inoculado a gangrena do dinheiro na democracia franceza_. É certo que, estabelecido o voto plurinominal, ainda póde continuar esta miseravel industria, mas não é menos certo que ella ficará reduzida a mais restrictas proporções, e é digno de benção tudo o que contribua para apagar esta mancha nos costumes da liberdade. Outro inconveniente do actual modo de fazer eleições é a dependencia pessoal, quasi servil, do deputado para os seus constituintes. Isto é sabido. Ou o deputado satisfaz todas as exigencias, ainda as mais irracionaes, dos seus eleitores, e n'este caso a sua popularidade alarga-se e consolida-se, mas á custa da dignidade propria e de graves sacrificios da administração publica,--ou não faz isso, considera por outra fórma os deveres do seu mandato, e então os arcos de flores, que lhe festejaram a eleição, volvem-se-lhe em forcas caudinas, e o cantico que serviu á celebração do seu triumpho demuda-se n'um brado geral de indignação e de censura. Libertar o deputado d'estas relações humilhantes; collocal-o a salvo de tão indignas dependencias; varrer as secretarias de Estado das importunas pretensões, que, por necessidade, os representantes da nação levam lá a toda a hora; desaffrontar as camaras, vexadas por aquelle dilemma, e deixar o poder executivo na maior liberdade da sua acção,--seriam effeitos seguros, certissimos, do systema da lista multipla, que, só por isto, merece preferido ao que ahi vigora actualmente. VII Com o regimen, que defendemos, formam-se parlamentos fortes, de côr politica muito definida; os governos, que esses parlamentos sustentarem, poderão ser energicos, firmes, resolutos no desenvolvimento dos seus programmas. Está n'isto a sua maior vantagem, ao menos n'este momento da civilisação occidental. Mas nem todos veem as cousas d'este modo, e foi precisamente por aquelle lado que a proposta de Bardoux soffreu mais rijas aggressões. É facil de comprehender o motivo por que este regimen eleitoral produz assembléas vigorosas, muito accentuadas, e, por tanto, situações politicas longamente viaveis. Os homens de maior valor de cada partido são necessariamente os indicados para os districtos em que a victoria é mais provavel, e é evidente que as assembléas se caracterisam mais pela qualidade do que pelo numero das pessoas que as constituem. Por outro lado, a lista multipla retrata a opinião dominante no seu conjuncto, toma-a pelo seu relevo, surprehende-a e colhe-a na sua maior intensidade, e d'esta fórma as maiorias parlamentares representam o pensamento e a vontade da nação, no que esse pensamento e essa vontade teem de real e verdadeiro. A maior contrariedade de que padece a moderna politica é a fraqueza dos governos na maior parte das nações. Duram pouco, e, geralmente, vivem mal. Antithese completa do antigo regimen, em que a auctoridade era resistente e inabalavel, e o conceito da ordem, um conceito majestoso e terrivel, era, ao mesmo tempo, a maior preoccupação dos estadistas e o principal objectivo das revoluções. Hoje tudo se divide e subdivide; a unidade é mais um esforço do espirito do que uma propriedade das cousas; cada fracção social, por minima que seja, procura tornar-se independente; os elementos de sua natureza mais affins, em vez de se unirem pelas suas similhanças, que são essenciaes, separam-se e distinguem-se pelas suas differenças, que são apenas secundarias. Parece que um poderoso dissolvente foi lançado á consciencia humana, e que, sob a sua irresistivel acção, tudo se desorganisa, tudo se desfibra, tudo se decompõe! É uma verdadeira necessidade a reacção immediata contra este estado de cousas. Até agora a liberdade não tem dado senão o que póde o seu caracter negativo; é urgente que ella nos edifique com as fecundas germinações d'uma justiça positiva, reconstituinte, omnimodamente organisadora. N'um laboratorio chimico a analyse, levada ás extremas moleculas da materia, póde desfazer, pulverisar os objectos, e deixar disgregadas e soltas as particulas que os formavam. A natureza é um reservatorio infinito, inexhaurivel; a cohesão e a affinidade são leis muito superiores ás precisões do estudo e ás contingencias do acaso. Mas na sociologia pratica a analyse excessiva póde importar uma dissolução perigosa. As leis que presidem á evolução historica não podem ser quebradas pelo arbitrio humano, mas podem ser distrahidas da sua legitima direcção, e modificadas, para mais ou para menos, na sua progressiva intensidade. As experiencias naturaes realisam-se n'um determinado ponto, e o universo subsiste extranho a ellas, na grandiosa majestade da sua immensa força; as que se operam na consciencia dominam-na, affectam-na toda, reproduzem-se logo n'um milhão de individuos, com rapidez e facilidade inapreciaveis... Um simples relanço de olhos sobre as nações latinas, e ficará evidente a necessidade de fortalecer em todas ellas as instituições e os poderes publicos. A França ainda apenas esboçou as reformas organicas da democracia. Tem de revolver, e animar d'um novo espirito, todos os grandes serviços do Estado: exercito, escola, justiça, fazenda. O programma de Belleville indica summariamente o que ha a fazer desde já; da sua leitura vê-se que só um parlamento seguro e um ministerio largamente apoiado poderão levar a cabo as idéas formuladas por Gambetta e, ao que parece, sympathicamente recebidas por todo o paiz. Foi na conscienciosa comprehensão d'esta verdade que o chefe do opportunismo protegeu e sustentou a lista multipla; a hostilidade do Senado a esta proposta obstou a que a maioria da camara franceza tivesse a direcção e disciplina que aquelle systema eleitoral lhe havia de imprimir, e com as quaes o annunciado ministerio de Gambetta assentaria definitivamente, n'uma base indestructivel, as fórmas e os costumes da republica conservadora. Na Italia a onda revolucionaria, conductora do novo ideal politico, recresce incessantemente e sobe já, de quando em quando, os proprios degraus do throno. Exhibe-se n'esta nação o espectaculo unico de transigirem, e se accordarem na politica interna, o representante da fórma monarchica e os chefes do partido republicano; por isso alli a republica, ao estabelecer-se, deve ter uma saudação e uma benção para a dynastia vencida! Mas apesar da boa vontade de todos, a existencia dos ultimos governos italianos tem sido angustiosa e difficil. Ha muito que os ministerios representam, não uma opinião triumphante, mas transacções que uma conformidade de momento celebra, e logo qualquer divergencia desfaz e inutilisa. É recente a famosa crise, que se prolongou por algumas semanas, sem que o rei Humberto podesse escolher, á mingua de indicações parlamentares, um chefe de gabinete entre os tantos que se habilitavam para isso: Depretis, Zanardelli, Sella, Crispi, Nicotera... N'estas condições, o que a Italia necessita é uma reforma eleitoral, que lhe dê camaras disciplinadas, inspiradas n'um pensamento commum, com energia necessaria á resolução dos grandes problemas interiores e diplomaticos, que as circumstancias lhe formulam e impõem no actual momento. Um projecto de reforma n'este sentido foi já apresentado; é crivel que seja brevemente convertido em lei do paiz. A Hespanha é outro claro argumento da these sujeita. Ella não deve o seu relativo bem-estar senão á dominação conservadora de Canovas del Castillo, que realisou o extranho milagre de se equilibrar n'aquelle meio inconsistente, onde cada idéa que nasce traz implicita a febre d'uma revolução, onde os partidos são aguerridos como exercitos e fanatisados como seitas, onde a concepção theocratica, combatida ha cinco seculos, é ainda uma escola militante, e o federalismo communalista uma doutrina publica, com historia, com hierarchia e com programma! O actual ministerio, de côr liberal, está, a estas horas, na prova mais solemne da sua competencia e da sua lealdade; é de receiar que não sáia d'esta prova tam galhardamente como deseja, porque, apesar da excellente lei eleitoral de 1878[13], não tem ainda todas as condições precisas para caminhar sem estorvos, e ir adeante, e depressa, ao seu fim. Entre nós existe, na maior parte das consciencias, uma aspiração vehemente para progredir, mas falta vontade, decisão pratica, determinação decidida para requerer, de modo efficaz, as reformas necessarias. A esta indolencia da nação corresponde a esterilidade dos governos. O systema eleitoral vigente, longe de a combater, favorece a inercia nacional, porque toca apenas na superficie do espirito publico, em vez de o interessar intimamente, revocando-o á vida, obrigando-o a luctar. Sob este aspecto, Portugal diverge profundamente de outros povos da mesma communidade historica. Ao passo que n'esses é flagrante a disparidade entre a força da opinião e a energia dos governos,--no nosso paiz é tão fraca a opinião como os governos são debeis, timidos, incoherentes. Se um logra conservar-se por mais tempo, é á indifferença publica que deve a sua duração. Mas dura, não vive. Se, de quando em quando, desperta uma agitação qualquer, não se ennobrece com ella a liberdade. Em geral, não é o sentimento da justiça que a determina; é a sensação da fome que lhe dá origem. E, satisfeita a fome, recomeça o entorpecimento... É por tanto evidente que se necessita em todos estes Estados politica activa, com pensamento certo e facilidade de acção, e que isso não poderá conseguir-se senão fabricando novos moldes em que o suffragio universal assuma proporções largas, completas, em substituição das pequenas fórmas em que elle ahi se retalha e desfigura. A fortaleza do poder é a primeira garantia da verdadeira liberdade; quem se arreceia de governos vigorosos não tem, de certo, a melhor comprehensão do fim do Estado, ou assiste de olhos cerrados á assombrosa multiplicação de encargos e deveres, que a civilisação vai creando de dia para dia, de hora para hora, no commercio, na industria, em todas as applicações do direito, em todas as repartições do trabalho humano. Disse, n'um dos numeros precedentes, que a votação por lista multipla, com representação das minorias, seria um regimen eleitoral perfeito; depois tentei demonstrar que a mais instante necessidade de hoje é a formação de parlamentos que representem a opinião publica, não nos seus infinitos desvios, mas nas linhas principaes, mais salientes e mais caracteristicas. Parecem contradictorias estas duas affirmações, porque a representação proporcional de todos os partidos accidenta, n'uma grande variedade, as assembléas legislativas, e tira-lhes a força que resulta da unanimidade ou, quando esta não é possivel, do accordo do maior numero. Mas a antinomia é só apparente. Se todos os partidos forem representados na proporção das suas influencias, a opinião mais seguida no momento eleitoral vingará uma justa maioria que a exprima e faça valer. Estando n'essa maioria e nas restantes fracções os homens de mais extremado valor, a camara terá a elevação d'uma escola onde as doutrinas sociaes serão discutidas com seriedade e applicadas com prudencia. Por outro lado, as divisões parlamentares, que correspondem realmente a aspectos diversos da consciencia publica, não são as que enfraquecem mais o poder legislativo; as que o debilitam e embaraçam a olhos vistos são as que se improvisam no seio de assembléas artificiaes, arranjadas pela habilidade dos politicos, de todo o ponto alheias ao pensamento da sociedade, que ellas teem a pretensão, ingenua ou cynica, de comprehender e significar. N'este caso a ambição pessoal organisa grupos, inventa programmas, colore bandeiras, consagra distincções, estabelece categorias, finge que serve doutrinas, e, com grande dispendio de phantasia e de arte, logra dar a um parlamento, que a urna não produziu de sua virtude propria, as postiças apparencias d'uma differenciação real e positiva! E, ainda n'esta vulgarissima hypothese, vê-se frequentemente surdir no primeiro plano um homem sem cortejo partidario, sem imprensa sua, erguendo a propria vaidade á altura d'uma indicação politica, reclamando o direito de governar, atirando com a sua personalidade ao meio da lucta, como se o certamen fôsse de pessoas apenas, e não tambem de doutrinas! São estas divisões que esterilisam e deturpam o systema representativo, não as que resultam de partidos realmente existentes; e tanto mais que, em geral, sómente dois d'estes disputam com interessado empenho a posse immediata do poder, limitando-se um dos extremos a formular os protestos do passado, com uma logica vencida e uma sentimentalidade facil, e satisfazendo-se o outro em desenhar, com mão mais corajosa do que acertada, as nebulosas prespectivas d'um futuro muito distante... A lista multipla, ainda que não tenha a intenção de representar as minorias, póde conseguir approximadamente este effeito. Quando a votação é só d'um nome, é impossivel a união das minorias; quando é d'uma lista de nomes, nada mais facil do que combinarem-se em alguns d'elles. Para isto requer-se apenas uma condição: a de que estejam organisados os partidos, obedecendo todas as suas influencias a uma impulsão central. Desde que se constituam assim, na verdadeira realidade e na precisa ostentação da sua força, serão frequentes as concessões reciprocas, e as maiorias serão predominantes, mas não esmagadoras. E quebrar-se-hão nas mãos dos empregados administrativos algumas armas das que elles mais certeiramente apontam á liberdade dos eleitores, porque é muito mais facil assediar e vencer o corpo eleitoral no espaço cerrado d'um pequeno circulo, do que n'um amplo districto onde as resistencias se multiplicam sempre, e a estrategia da defesa tem de ser, por necessidade, mais complicada e mais segura[14]. Em resumo: não é facil incluir n'uma fórmula todas as exigencias da politica de hoje. São complexas como a sociologia, a que pertencem, cambiantes de momento para momento, como tudo o que se refere á fórma dos agrupamentos humanos. Mas parece-me que a mais clara de todas as indicações é a que visa a reestabelecer em novos fundamentos a missão dos governos, que deve ser mais comprehensiva do que a fazem os melindres d'uma mal entendida liberdade, e superior em força ao que ella é actualmente nos povos de mais graduada civilisação. Tambem é certo que não ha governos fortes sem uma solida opinião que os sustente, e que esta, para que seja válida, tem de ser colhida, não por meios que a fraccionem, mas com emprego de processos, que a recebam inteira e viva. Para este effeito a lista multipla é mil vezes mais apta do que a votação d'um só nome. Aquella dá-lhe o retrato em tamanho natural; esta, funccionando a pouca luz e com machinas de pequeno alcance, apenas tira essas miniaturas imperfeitissimas, em que se convencionou que o povo reconhecesse a sua imagem. VIII Li, não sei onde, que Lord Derby chamára á revolução franceza de 1848 um _salto nas trevas_. É felicissima a phrase. O suffragio universal, que tem a sua mais solemne consagração n'aquella data, lançou a politica n'um caminho de aventuras, escabroso, cortado de incertezas, não deixando vêr dois passos seguros para deante do logar occupado. Até hoje o excesso da lei tem sido annullado pela habilidade, mais ou menos digna, dos estadistas. Alguns, sinceramente convictos de que a liberdade é como a formularam os clubs revolucionarios de 1848, fazem a sua côrte permanente ao suffragio universal, tem com elle toda a sorte de attenções, simulam que o consultam ainda quando procuram impressional-o ou esclarecel-o, e, se alguma vez o attraiçoam, não ha véo que não lancem sobre a sua infidelidade. Outros, descrentes d'aquella instituição por effeito de reflexão ou por commodidade da propria indolencia, corrompem-n'a, viciam-n'a, desvirtuam-n'a, violentam-n'a se é preciso, acariciam-n'a ou insultam-n'a consoante a opportunidade, e sempre conseguem vencer, com armas boas ou más, as resistencias que ella lhes oppõe. O passado é isto. O presente assimilha-se-lhe. Como será o futuro? A interrogação é difficil, e não é indifferente á sensibilidade de quem a formúla que a resposta seja de um ou de outro modo. Presente-se que terá um termo a meia somnolencia em que vivem alguns povos, talvez por effeito d'esta dupla causa: a fadiga do trabalho consummado, um immenso trabalho de negação e de critica, e o desalento produzido pelas mil difficuldades a vencer ainda na reconstituição de tudo o que foi abatido e desmantelado. D'aquelle torpor desperta-se por uma agitação forte. Mas de que origem ha de vir? Mas em que sentido deve ser? Mas que tempo póde durar?... A agitação vale, serve, é excellente para sacudir uma geração adormecida pelo habito ou prostrada pelo cansasso; como regimen permanente, e ainda como expediente muito repetido, é a negação de tudo o que a natureza diz e a historia repete. Por meios compassados e gradações evolutivas é que a nossa especie se desenvolve, desde o estado rudimentar, em que ella é um mysterio cheio de sombras, até á perfeição de hoje, em que ella é já um enigma cheio de luzes. Os movimentos bruscos, os impulsos violentos são, na sociedade, como os remedios heroicos na therapeutica: necessarios, mas raros e perigosos. Collocar um individuo, constantemente, sob a acção convulsionada d'uma pilha electrica sería desconcertar o seu systema nervoso, e abreviar-lhe a existencia atormentada e esteril; ter a humanidade no sobresalto contínuo de crises successivas e de revoluções interminaveis é deslocal-a dos seus fundamentos, impellil-a e desvial-a do seu equilibrio, desligal-a dos seus mais caros interesses, e tirar-lhe, a final, o proprio gosto da vida! O pessimismo, como escola moral, não é um facto alheio a estas situações anomalas. Luctar é viver, diz-se. É uma phrase das muitas que se constellam na memoria dos povos, mais para seu damno do que para sua utilidade. A que lamentaveis erros conduzem! A que desvairamentos levam! Desde crimes individuaes até grandes perturbações collectivas, a phraseologia de effeito, repartida em fracções accommodadas a todos os momentos, tem operado um mal enorme, complexo, irreparavel! Está por escrever a sua historia, que demanda uma sondagem profunda e uma observação delicadissima. Luctar é viver, mas descansar é tambem viver. A verdade é isto. A propria natureza a exemplifica. Os vulcões não irrompem todos os dias do seio abrazeado da terra; na machina complicada do corpo humano revesam-se os orgãos no trabalho mais intenso da vida; a morte é o somno, é o socego preciso á grande força mysteriosa que sustenta e anima tudo. Se a humanidade tivesse sómente necessidades politicas a satisfazer, se mais nenhum grande interesse a preoccupasse, ainda a civilisação da _cidade_ teria de effectuar-se n'um progresso contínuo, mas lento. Exemplo: a de Athenas no periodo de sua gloriosa hegemonia. Em combinação com aquellas necessidades existem, porém, outras que se compadecem menos com surprezas e instabilidades, e hão de formular-se e cumprir-se a salvo das intermittencias radicaes, que ameaçam d'uma excessiva prodigalidade o presente e o futuro. A industria, o entranhado amor ao que se cria ou se possue, a vantagem, tão legitima, de se contar com o dia seguinte, o direito de cada cousa a desenvolver-se antes de transformar-se, são outros tantos obstaculos irremoviveis ao proposito, aliás generoso e sympathico, de accelerar o movimento da historia na ousada proporção da logica das doutrinas. A liberdade politica é uma creação enorme, uma _génese_ complicada, a ascenção gradual, successiva, das consciencias todas á posse absoluta de si mesmas. Mas entre o nada e a ordem ha o chaos, e é este o periodo que atravessamos, e o espirito de Deus mal começa a deslisar pela superficie irrequieta das cousas, na sua missão de as definir, nivelando as que são eguaes, differenciando as que são diversas. Ponderando as antinomias do suffragio universal, escrevia, ha pouco, Alberto Wolf, o jornalista francez que possue a mais completa fórmula da politica conservadora: _Tout pour le peuple, rien par le peuple._ Sim, mas ha duas pequenas dificuldades: a de convencer o povo de que se deixe governar, e a de apparecer quem lhe inspire confiança. A abdicação obrigada é impossivel, porque elle tem a força; a abdicação voluntaria é improvavel, porque elle conhece a historia... Não é sem dôr que o meu espirito comprehende assim os factos d'este tempo. Se a verdade não fosse infinitamente amavel, invejaria o romanesco optimismo dos que, sobreviventes d'um systema condemnado, ahi se desatam ainda em festivas saudações ao que julgam felicissimo reinado da liberdade e do direito. Desservem a humanidade, mas gosam os prazeres egoistas d'uma illusão, que deve ser deliciosa. Quero dizer que a sciencia exclue o sentimento? De modo algum. Toda a philosophia tem uma sensibilidade propria. Na fórmula actual dos destinos da nossa especie está implicita a maior acção que os grandes corações podem produzir e empregar. Quando o pantheismo dominava as consciencias, a natureza e a sociedade estavam na perennal divinisação d'uma arte formosissima; compunham-se na mais esplendida luz os quadros do presente; as prespectivas do futuro, ridentes de abundosas esperanças, eram o encanto e o enlevo de quem as contemplava. A phantasia humana revia-se, contentissima, na sua propria obra! Mas este systema passou, acabou. Ninguem o reviverá. A prosa eloquente de Renan, o ultimo pantheista, não é a revelação d'uma escola viva, actual; é apenas o vestigio luminoso e perfumado d'uma grande illusão que se extinguiu... É outra hoje, e muito diversa, a inspiração sentimental das cousas. É melhor? É peior? É, simplesmente, mais verdadeira. Menos vaga, mas mais determinada, mais precisa, mais util. Não abarca tanto espaço, mas envolve-o, circumda-o, aperta-o mais estreitamente. Não tenta romper, aguia valentissima, as bramas cerradas do futuro, nem desfere vôo na direcção do sol; mas as suas azas desdobram-se como anteparo e abrigo, e a sua vista, que os grandes deslumbramentos não ferem, conserva-se limpida e penetrante sobre a terra de que não foge! É d'esta sentimentalidade que se impressionam quantos veem claramente as contradicções que a liberdade inclue, as incertezas gravissimas de que está cheio o mais proximo futuro. Ha sómente duas soluções: o povo reclama a direcção de si mesmo, ou continúa sob tutella. No primeiro caso, será tumulto, anarchia, conflicto permanente o que devera ser progresso e paz, liberdade e ordem. No outro, quem sabe como elle será dirigido, se o explorará a ambição, se a lisonja o adormecerá nos seus braços insidiosos, se o despotismo o vencerá por muito tempo, se, por tudo isto, elle terá de recomeçar infinitas vezes a ascenção da suspirada montanha, onde o espirito é livre, amplo o horisonte e o ar purissimo! Tudo é possivel. O salto foi grande, mas... _foi nas trevas_, como disse Lord Derby. *Notas:* [1] _Politique Actuelle_, pag. 249. [2] _La Politique_, pag. 277 e 278. [3] _Les elections nouvelles et la vieille politique_--_Revue de la Phil. Posit._, septembre-octobre, 1881. [4] _As Eleições_, pag. 24. N'este opusculo, fortemente pensado e escripto com grande eloquencia, procura o sr. Oliveira Martins resolver o problema eleitoral pela representação organica das categorias sociaes. Apreciando a obra do radicalismo individualista, que só foi excellente na sua parte critica, attribue-lhe com evidentissima razão a geral desordem de interesses e de idéas que caracterisa a evolução politica do nosso tempo. «Por ter cahido a crença no principio esoterico, onde se estribava a hierarchia das classes, cahiu tambem a organisação inteira. Ao apagar-se a luz dentro do sanctuario desabaram as paredes por terra. Em nome da liberdade prégou-se a destruição de tudo. Do principio de que em todos os homens havia capacidade juridica egual, deduziu-se o de que, entre os homens, eram todos aptos para tudo, e assentou-se em que á lei não cumpria especialisar funcções, nem dividir o trabalho, nem tornar independentes os orgãos sociaes. Opinou-se e fez-se. A sociedade passou, em nome da liberdade, a ser uma massa inorganica de homens, um cahos, onde os individuos, como os elementos nas edades geologicas, deixam debater e debatem os seus interesses e paixões, agitando-se á tôa, inteiramente entregues a si, e abrindo por tal fórma a era das revoluções e das crises permanentes ou successivas» (pag. 35). A observação é profunda e exacta. O gravissimo defeito da nossa civilisação está aqui apontado com coragem e verdade. Cahiu em descredito o optimismo dos que pensavam que as consciencias individuaes, libertas das pressões antigas, tinham, de propria iniciativa, o poder de se organisar, e que a solidariedade humana era um sentimento universal, independente de qualquer consagração politica. A reacção contra a concepção _atomistica_ do Estado é um facto geral na mais moderna sciencia; mas, como é natural, não falta quem a exaggere fóra de termo e medida. O ultimo numero da _Philosophia Positiva_ dá conta de um livro em que Armand Hayem intenta provar que as _classes sociaes constituem fórmas tão irreductivas como as de especie e de raça_! A verdade é muito menos do que isto. As classes têm um estreito laço de união, que é a communidade do mesmo interesse profissional, mas isso não é bastante para alterar as linhas predominantes na physionomia moral dos povos. A preoccupação profissional não é tão intensa que importe modificações organicas; por outro lado a successão dos officios ou misteres sociaes dentro das familias é excepcionada a cada momento. O sr. Oliveira Martins intenta remediar os inconvenientes do actual estado de cousas reestabelecendo a Ordem, não com o velho conteúdo d'este termo, mas com a realidade de todas as forças, de todos os elementos activos, que são o nervo e a substancia das nações. «Desde que a origem do Poder é immanente e social, o modo de tornar concreta ou positiva essa auctoridade é constituil-a por meio da reunião de todos os orgãos da sociedade n'um corpo uno. Esses orgãos são de varias naturezas: são as classes ou profissões, base economica da sociedade; são as escolas e as instituições, base intellectual e administrativa; são as regiões, base natural e geographica. A reunião d'esses orgãos constitue a sociedade, e o Estado, que a exprime syntheticamente, têm de formar-se por emanações ou delegações de cada um d'elles.» Os periodos transcriptos resumem o pensamento todo do eminente publicista, que, com Hartmann, considera a Vontade como synthese do Estado, e, com Krause, comprehende o direito como um principio de coordenação, só com a differença de que o philosopho allemão deduzia-o da propria essencia do Bem, manifesta na consciencia, ao passo que o sr. Oliveira Martins infere-o da observação objectiva de factos biologicos e sociaes. A indole d'este trabalho, e a forçada rapidez com que escrevo, inhibem-me de consagrar á apreciação do systema exposto o espaço que seria preciso. Por isso resumo em poucas palavras a impressão que me deixou a recente leitura do sr. Oliveira Martins. Muito antes d'este illustre escriptor, em 1830, o eminente Silvestre Pinheiro Ferreira combatia a representação dos individuos, consagrada nas instituições da Inglaterra e dos Estados Unidos, e d'ahi trasladada para todos os paizes liberaes. Queria a representação dos tres estados: _propriedade_, _industria_, _serviços publicos_, subdivididos esses estados nas suas classes naturaes. «É falso, dizia elle, que n'um determinado assumpto em que divergem especialistas, possam ter opinião segura individuos dotados apenas de conhecimentos geraes; é absurdo que uma opinião de especialistas possa ser annullada por uma maioria de homens que não têem, para julgar o objecto em discussão, senão aquelles conhecimentos geraes.» (_Cours de Droit Public interne e externe_, pag. 373 e seg.). Seja dicto de passagem que este absurdo, se o é, seria sempre inevitavel desde que não houvesse para cada classe um parlamento soberano. Não me parece que a representação dos _estados_ ou das categorias resolvesse as difficuldades sentidas por aquelles illustres pensadores; e ainda que tal se conseguisse, não seria isso de realisação facil e immediata. Em primeiro logar, essa representação não faria variar o suffragio pelo que respeita á sua extensão. Deixava-o como está, como a historia o produziu. E o grande inconveniente de attribuir o direito de voto a individuos analphabetos subsiste n'esta theoria, como necessariamente tem de subsistir em todas, porque a razão dos homens cultos é e será sempre impotente contra a corrente dos factos consummados. Além d'isto, o suffragio universal não ficaria efficazmente descentralisado, visto que todos os cidadãos da mesma categoria teriam egual ingerencia politica; e é certo que de individuo para individuo da mesma classe ha muitas vezes maior differença de nivel intellectual do que de classe para classe ou de categoria para categoria. Isto pelo que respeita á eleição da maior parte dos representantes; para a de alguns, propõe o sr. Oliveira Martins o suffragio universal em unidade de collegio, o que não diminue, antes aggrava os actuaes inconvenientes. A organisação dos grupos naturaes e convencionaes da sociedade é necessaria, será utilissima, mas isso resolverá, quando muito, metade das difficuldades; ainda fica tudo o que se refere á adaptação d'um delicadissimo instrumento politico, qual é o suffragio, a individuos e classes que não sabem usal-o, não comprehendem a sua funcção, nem calculam o seu effeito. Por ultimo, afigura-se-me que a lei é inefficaz para influir nas classes um novo espirito de solidariedade, e o que ellas têm não lhes dá a cohesão e disciplina necessarias para a realisação prática d'aquelle projecto. Tendo desapparecido as razões historicas que mantiverem cada classe dentro da sua area definida; tendo acabado a necessidade que havia de resistir, por aquelle meio, a conflictos que já hoje não podem ter logar, julgo que o Estado, havendo de limitar-se a consagrar o que existe, não lograria a pretendida reorganisação, que, por outro lado, o preconceito radical prejudicaria por todas as fórmas. Se o nosso paiz não chegou a comprehender ainda a necessidade e a virtude do principio de associação... [5] _Principios e Questões de Philosophia Politica_--I. [6] _Gouvern. Représ._, pag. 226. [7] _La Politique_, pag. 275. [8] «Art. 38.º A eleição de deputados faz-se por circulos eleitoraes. «Art. 39.º Os circulos elegem um deputado por cada 6:500 fogos. «Se a fracção restante dos fogos de qualquer circulo eleitoral for egual ou superior a 4:332 fogos, eleger-se-ha mais um deputado. «Art. 40.º O continente de Portugal, as ilhas adjacentes e as provincias ultramarinas são, para este fim, divididas nos circulos que constam do mappa juncto. «O numero de deputados, que compete a cada circulo eleitoral, é o que se acha designado no mesmo mappa.» Segundo este decreto, o continente, as ilhas adjacentes e as provincias ultramarinas comprehendiam 48 circulos, e elegiam 156 deputados. D'estes circulos o maior, pertencente ao districto de Vizeu, tinha 47:416 fogos, e elegia 7 deputados. Faziam excepção ao principio geral, estabelecido n'este decreto, os circulos de Macau e de Solor e Timor, cada um dos quaes elegia sómente um deputado. [9] O sr. Oliveira Martins considera a representação das minorias um expediente provisorio, acceitavel como meio de combater, em parte, o vicio das organisações vigentes, mas inefficaz para regenerar a pratica do suffragio universal. «Minoria, maioria, são expressões relativas do numero dos eleitores; a minoria é ainda uma maioria, porque, a menos de se achar reduzida a um voto, representa sempre um numero superior a um outro. E, perante a critica, como se distingue entre o valor de uma minoria de 100, de 20, de 2 votos?» (_Eleições_, pag. 51). Discordo do sr. Oliveira Martins n'esta parte da sua publicação, por tantos titulos recommendavel. Afigura-se-me que o trahiu n'este ponto o criterio, talvez exaggeradamente negativo, com que o seu grande entendimento invade e desbasta o que encontra estabelecido na philosophia e na historia. É isto apenas defeito d'uma eminente qualidade, a meu vêr. Um pensamento social ou politico, que não agremiou ainda uma consideravel quantidade de cidadãos, está longe da sua verdade historica, e por isso não tem direito a ser representado no parlamento, que é destinado á discussão das doutrinas vivas, de interesse immediato, questionadas pela opinião geral, e não á apresentação e defesa de convicções isoladas, que só um longo discurso de tempo póde apurar e desenvolver. Antes de entrarem nas assembléas deliberativas, aquellas convicções têm o seu tirocinio e a sua prova na sciencia e na propaganda. Mas ainda que a representação não seja proporcional e completa, e fiquem algumas escolas politicas sem consagração eleitoral, é isso razão para rejeitar um systema que melhora o actual estado de cousas e satisfaz uma grande parte do ideal democratico? Não. Está longe de ser boa norma scientifica desprezar o que é menos defeituoso só porque não é absolutamente perfeito. Preoccupado com a idéa de realisar a representação das classes, idéa digna de sérias meditações, esquece-se o sr. Oliveira Martins de que dentro da mesma classe ha sempre conflictos de opiniões e antagonismos de interesses, e de que a lei da maioria, applicada á hypothese da sua organisação social, produziria o despotismo do numero, certamente mais damnoso do que o actual, porque n'aquella hypothese a politica teria de ser mais intensa na sua força e muito mais comprehensiva na sua applicação do que é hoje. [10] _Vues sur le gouvernement de la France_, pag. 162. [11] _Principios e Questões de Philosophia Politica_, pag. 119 e 120. [12] Discurso de 19 de maio, na discussão da proposta de Bardoux. [13] Tem a data de 28 de novembro, e é assignada pelo ministro da _governação_, Francisco Romero y Robledo. N'uma carta celebre, dirigida por E. Castelar a E. Girardin, pouco antes da morte d'este eminente jornalista, affirmava o grande tribuno hespanhol que aquella lei era a mais perfeita de toda a Europa. Tinha toda a razão. Quem extranhou e combateu aquelle juizo desconhecia as melhores theorias do direito eleitoral, ou nunca tinha lido as disposições da lei de 28 de novembro. Esta lei resolve, em grande parte, as maiores difficuldades do suffragio politico: o despotismo das maiorias, e a excessiva intervenção dos governos. Contra a primeira adopta o conhecido systema da _lista incompleta_, não em toda a extensão da Hespanha, mas nos seguintes districtos, que são os mais importantes de todo o paiz: Madrid, Barcelona, Sevilha, Cadiz, Carthagena, Palma de Mallorca, Jerez de la Frontera, Valencia, Malaga, Murcia, Tenerife, Zaragoza, Granada, Alicante, Almeria, Badajoz, Burgos, Cordoba, Coruña, Jaen, Lugo, Oviedo, Pamplona, Santander, Tarragona, Valladolid (artt. 2.º e 84.º); e tambem, no mesmo intuito, para corrigir o inconveniente de ainda ficarem muitos circulos uninominaes, admitte, em cada camara, 10 deputados que tenham obtido em diversos districtos, e em eleição geral, em minoria ou empate, a accumulação de 10:000 votos cada um, pelo menos (art. 115.º). A este systema de accumulação tem devido o seu ingresso no parlamento hespanhol alguns dos homens mais benemeritos e notaveis. Ainda na recente eleição geral se aproveitou d'elle o illustre Salmeron. Para garantir a genuinidade do voto tem excellentes disposições, designadamente a que prohibe nomeações, transferencias, suspensões de empregados administrativos de qualquer categoria, no periodo que vai desde o decreto que convoca os collegios eleitoraes até que esteja concluida a eleição, sempre que taes actos não sejam fundamentados em causa legitima (art. 147.º). D'este simples extracto vê-se que a apreciação de Castelar era profundamente verdadeira. A França, a Inglaterra, a propria Dinamarca não merecem comparadas á Hespanha n'este importantissimo ramo da administração publica. [14] Do mappa seguinte vê-se, approximadamente, qual tem sido a proporção em que os partidos teem podido resistir á pressão eleitoral dos governos. O mappa designa o numero de deputados opposicionistas no principio de cada legislatura, numero que, como é sabido, varia depois por influencia de varias causas... Até 1859 vigorou a lista multipla; n'este periodo a opposição conseguiu, termo medio, vingar mais candidaturas do que sob o regimen eleitoral inaugurado n'aquella data. E é de notar que os primeiros annos immediatos ao movimento de 1852 foram assignalados por uma pacificação, relativamente grande, para a qual contribuiram a fadiga das luctas de 1844 a 1851 e a nefasta corrupção politica de Rodrigo da Fonseca Magalhães. -----------------------------------------------+-------------- Duração das legislaturas | Deputados desde 1852 a 1881 | da Opposição -----------------------------------------------+-------------- 15 de dezembro de 1851 a 24 de julho de 1852 | 34 2 » janeiro » 1853 » 19 » julho » 1856 | 35 2 » janeiro » 1857 » 26 » março » 1858 | 38 7 » junho » 1858 » 23 » novembro » 1859 | 24 26 » janeiro » 1860 » 27 » março » 1861 | 15 20 » maio » 1861 » 18 » junho » 1864 | 40 2 » janeiro » 1865 » 20 » maio » 1865 | 32 30 » julho » 1865 » 14 » janeiro » 1868 | 47 15 » abril » 1868 » 23 » janeiro » 1869 | 53 26 » abril » 1869 » 20 » janeiro » 1870 | 12 30 » março » 1870 » 21 » julho » 1870 | 14 15 » outubro » 1870 » 3 » junho » 1871 | 18 22 » julho » 1871 » 9 » abril » 1874 | 10 2 » janeiro » 1875 » 4 » maio » 1878 | 11 2 » janeiro » 1879 » 20 » agosto » 1879 | 32 2 » janeiro » 1880 » 4 » junho » 1881 | 19 End of the Project Gutenberg EBook of Principios e questões de philosophia politica (Vol. II), by António Candido Ribeiro da Costa *** END OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK 41293 ***