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Rita
Farinha (Jan. 2010)
NOTAS d'ARTE
PORTO
TYPOGRAPHIA UNIVERSAL (a vapor)
Travessa de Cedofeita, 54
1906
Ao INSTITUTO de ESTUDOS e
CONFERENCIAS
Á SOCIEDADE de BELLAS ARTES
pelo que podem fazer em bem da Arte.
(Esboço para
um retrato)
VASCO FERREIRA
NO LIMIAR
(1904)
Caricatura do dr. M. Monterroso
O
philosopho Taine, dizia,
ha bons vinte annos,
no
seu Curso Esthetico para:―
A
Arte é o reflexo dos costumes.
E, de facto, assim é. A Arte vae
evolucionando sempre na ordem
directa do aperfeiçoamento e da
illustração dos povos.
Assim, quanto mais illustrado
fôr o publico, tanto mais
perspicaz, mais estudioso e mais
observador deve ser o artista, para
que tenha o applauso geral e
sincero a obra que executou e apresenta.
E, é mesmo por isso que
entre nós, os artistas, pintores e
esculptores, dia a dia fazem, na
incessante lucta pela vida, os esforços
mais lidimos e mais honrados
para resolverem esse enorme
e sublime desideratum:―
ser
grande!
[2]
Infelizmente nem todos o podem conseguir. E,
não o conseguem,
porque para isso não são precisas só a
boa vontade e
a persistencia no estudo. Alguma coisa mais lhes é
necessaria,
e essa, primacial:―ter talento!
Felizes os que teem esse delicioso e bello predicado;
porque
esses, vão gloriosamente para diante e são
verdadeiramente
grandes.
Ha alguns annos, poucos ainda, a pintura entre
nós era
uma especie de Arte mystica,
que
apenas raros tentavam, n'um
arroubamento de eleitos.
Esses mesmos, faziam a pintura a seu modo, dentro de
restrictas e acanhadas normas, sem pensarem sequer que
o fluido
ether
que nos cerca e enche triumphantemente toda a
natureza,
em pulverisações vibrantissimas de luz e de
côr, precisa
de ser estudado e quiçá
pintado.
Mas, se elles limitavam os ambitos do seu modo de
executar,
era que o publico tambem não exigia mais, e a critica
não
se preoccupava absolutamente nada com isso.
Tanto elle
como ella
eram
feitos por individuos, que ao
visitar os museus e as exposições de pintura
não tinham a intuição
nitida e verdadeira da Natureza em todo o seu explendor,
como manifestação psycologica da
vista.
Habitualmente todos elles amavam a Natureza pelo
simples
consolo que lhes dava, quando ao domingo, deixada a cidade,
iam para o campo, não para fruir o delicado encanto de
admirar um bello panorama, mas... para gosar o pantagruelico
prazer de devorar um gordo carneiro assado, com o seu alguidar
de loiro e assafroado arroz de forno, ou a saborosa pescada
frita, com negras azeitonas e fresca e appetitosa salada de
alface, acepipes estes que copiosamente regavam com tinto de
Basto ou espumoso verde de Amarante.
E, se um ou outro tinha uma tal ou qual
intuição artistica,
porque, lá fóra, nos grandes museus do
estrangeiro, tinha
visto qualquer cousa que lhe fizera notar tal, esse, ficava-se
n'uma banal indifferença, sem se manifestar aggressivamente
contra os systemas adoptados pelos pintores do seu tempo, que
apresentavam nos seus quadros composições de
convenção e feitas
[3]
no ar morno dos atelieres, sem a
inspecção constante e immediata
dos motivos a pintar...
Uma Era nova e refulgente, desponta por fim, e os
artistas
que começavam pondo de parte os velhos preceitos
archaicamente
usados, saltam por sobre as barreiras das
convenções
e correm pelos Campos da Arte, fóra, em procura de elementos
verdadeiramente verdadeiros, com que possam satisfazer as exigencias
do publico mais illustrado e da critica mais independente
que auctoritariamente se impõe, cheia de razão,
para que
nos seus trabalhos haja mais naturalidade e menos
ficção.
E, é sob este refulgir de um novo sol, que
orientado lá fóra,
com as mais modernas noções d'Arte, estudando nas
melhores
e nas mais celebres escolas de pintura do Mundo, que nos
apparece, entre outros, como Columbano, Malhoa, Salgado.
Sousa Pinto, Marques de Oliveira, etc., etc., o grande, o sublime
Silva Porto! Aquelle que para mim é o maior dos paysagistas
portuguezes dos ultimos tempos. E que, com o seu modo de ser
e de ver, marca d'uma maneira deslumbrante o inicio d'essa
nova Era para a pintura portugueza.
Assombra-nos esse artista com os seus primorosos
quadros
feitos n'uma larguissima e franca sentimentalidade d'alma
de homem de talento, exuberantes de verdade, geniaes de
execução.
Era um grande! Era um sublime artista!...
Mas, a Morte rapidamente o ceifa, avara de que elle
tenha conseguido tão sincera, tão verdadeira e
tão lealmente
roubar
á Natureza verdadeiros e flagrantes
pedaços do seu
grandioso Ser,
para tão
maravilhosamente os transplantar
á tela.
Ao morrer porém Silva Porto tinha hasteado,
bem alto e
bem firmemente, a bandeira gloriosa sob que se devia agrupar
a nova pleiade dos pintores portuguezes.
E, de facto, é sob a egide d'essa bandeira
que a Arte em
Portugal brilha hoje mais fulgurante, podendo pôr-se sem
vergonha
ao lado da Arte dos paizes onde Ella tem um culto mais
largo e mais acerrimo.
Se não em quantidade, pelo menos em
qualidade, os artistas
[4]
portuguezes de nome, chegam onde podem chegar
os artistas
notaveis estrangeiros, sem temerem confrontos.
E isto porque Portugal d'hoje, embora os pessimistas
não
queiram, vae avançando intellectualmente um pouco na
civilisação
moderna.
E em taes circunstancias, como dizia Taine, ha bons
vinte
annos:―
A Arte
é o
reflexo dos costumes.
Antonio de Lemos (Alvaro).
Cabeça de negra (Bronze)
DUQUEZA de PALMELLA
NOTAS d'ARTE
I
Impressões d'uma Exposição
Ha muito tempo já, deveria ter vindo dizer da bella
impressão que me causou a 1.ª
Exposição organisada
pelo
José Malhoa
Instituto de Estudos e
Conferencias, mas
os meus affazeres obrigaram-me, para
gaudio dos meus leitores (pois critica
incompetente como a minha quanto
mais tarde melhor), a só hoje cumprir
este dever.
Fui vêr a exposição sete vezes, e
de cada vez que lá ia, novos encantos
encontrava nos trabalhos expostos,
pois a tentativa do Instituto teve o resultado
mais brilhante que podia desejar-se.
Concorreram a este certamen
desde os nossos melhores artistas até
aos mais modestos amadores, e na generalidade
todos se apresentaram dignamente,
não obstante um
critico
d'arte ter dito, em um semanario d'esta
cidade, que aquelles trabalhos eram
meras
chromolythographias. Uma
duvida me assalta o espirito
relativamente aos conhecimentos artisticos e criterio de tal
critico. Saberá elle o que são
chromolythographias? Mas, deixemos
a cada um o seu modo particular de vêr... e de apreciar,
e vamos ao que importa... Demais, a lua está tão
alta?...
[6]
Vi, como disse, varias vezes os cento e dezesete quadros
expostos, os dous bustos e o medalhão em marmore.
José de Brito
Dos trabalhos de esculptura direi
apenas que os dous
primeiros são obra de Fernandes de Sá,
pensionista do Estado,
que em Paris completa
a
educação artistica
do seu muito talento. A cabecita de creança,
em marmore, é um encanto, aquella boquita
admiravel de bébé pedia milhares de
beijos...
O medalhão de Joaquim Gonçalves é
uma bella copia de um primoroso trabalho
do grande mestre Soares dos Reis.
Agora, emquanto a quadros, ponho
em primeiro logar, dôa a quem doer, os
dous trabalhos de Malhoa, esse admiravel
artista da Luz e da Côr. Eram um assombro
os seus quadros.
Que grande calamidade―josé
malhoa
O
Gozando os rendimentos, estudado
com cuidado e traçado largamente,
empolgou-me por completo e fez-me gosar,
conjunctamente com o personagem estudado, toda aquella
commodidade natural de bom burguez que procura um amplo
jardim publico para fazer
socegadamente o seu chylo.
Esta impressão forte
que tive, confesso-o, foi
devida talvez ao meu burguesismo.
No
Que grande calamidade,
as figuras trabalhadas
com um rigor
de verdadeiro mestre, são
flagrantes na sua dor, ao
verem o seu querido porco,
morto na pocilga. Talvez
que, se entre as cabeças
das figuras e o rebordo
do caixilho houvesse um pouco mais de tela, mais imponentes
ellas ficariam.
E depois d'isto, de ter dito o meu modo de pensar sobre
tão primorosos trabalhos, vou, salteando o catalogo, dar a
nota dos quadros que mais me prenderam a
attenção.
[7]
Chrysantemos―antonio costa
Marques de Oliveira, como sempre, distinctamente. É
inegavelmente um grande desenhista. As suas
Impressões de
Espinho, são bellas e tanto, que uma foi
adquirida pelo
Instituto
por indicação do jury competente.
A Azenha, um encanto,
Cabeça
de estudo,
um primor.
Greno,
a fulgurantissima
artista,
bem,
admiravelmente.
Então os
Pensamentos?
Esse,
era uma
delicia.
Antonio
Costa,
para mim
o unico
pintor portuguez de flores, não desmereceu a sua grande fama
e, os
Chrysantemos e
Na vindima, deram-me a prova
evidente
da sua muita aptidão para este genero de
pintura.
Candido da Cunha
Candido da Cunha, um novo de muito
talento, com o seu
Ultimos raios de sol,
que
já conheciamos e que foi adquirido tambem
pelo Instituto, com os seus―
Mar
calmo,
Martyr e
Barcos de
pesca, merecem hoje,
como sempre, os nossos elogios.
Julio Ramos, outro novo,
paisagista
apaixonado e distincto, dando ás suas paisagens
um tom de verdade admiravel. O
Macieiras em flor, em especial e as
outras
dezeseis telas, lindas a valer.
José de Brito, um mestre, talvez abusando um pouco
das cores finas; todos os seus quadros são bons, mas para
mim
[8]
superior a todos é o
Mulher do
novello, estudo admiravelmente
feito de uma velha repelenta, flagrantissima de verdade na
expressão do rosto. Na
Infancia de
Diana,
João Augusto Ribeiro
bello estudo do nú, alguma coisa me
desagradou á vista, especialmente um
cão que se via nos ultimos planos...
João Augusto Ribeiro, bem nos
seus pequeninos quadros
Retalhos,
Lar.
D. Lucilia Aranha, uma verdadeira
artista, cheia de talento e de força
de vontade, mais uma vez affirmou,
com os treze quadros expostos, as suas
aptidões artisticas.
Retrato de minha mãe
torquato pinheiro
Torquato Pinheiro veio marcar
n'esta exposição o seu logar definido e assente
ao lado dos
bons artistas.
Um caminho
encharcado,
Manhã d'Abril,
Margens do Leça,
e todos os demais são feitos com alma
de verdadeiro artista. Mas, a destacar,
como primor de execução, o
Retrato
de minha Mãe, que é um trabalho
notavel.
D'entre os amadores, extremarei
D. Leopoldina Pinto, com as suas flores,
especialmente o
Pelargonios, que
senti não tivesse preço para ser adquirido.
Mais artistas e amadores concorreram
a este delicado certamen, mas,
não me demorarei na enumeração dos
seus trabalhos, porque isso iria ainda
muito longe e os meus leitores, decerto,
se até aqui chegaram, já bastante
se tem aborrecido da semsaboria d'esta minha despretenciosa
prosa, que do modo algum aspira ao nome de critica.
II
PINTORES PORTUENSES
JULIO COSTA
Convidado a delinear um artigo sobre o pintor portuense
Julio Costa, pensei primeiro esquivar-me a
tal empreza porque me julgo insignificantemente pequeno
para fallar d'este artista.
Julio Costa
Mas, antepondo a esse primeiro
impulso a amizade que lhe dedico,
resolvi acceitar o encargo, e, tal
como posso, desempenhar esta missão.
Será
um artigo despretencioso,
sem preoccupação do estylo ou requinte
de forma, um artigo modesto
como eu e como o temperamento do
pintor illustre de quem me vou occupar.
Não conheço escolas, não discuto
artistas, não cito nomes estrangeiros,
nem rebusco particularidades
de
metier.
Quando me occupo da pintura
e de pintores nacionaes digo simplesmente,
indiscretamente, a impressão
que os quadros me deixam. Nada
mais. E hoje, ao traçar estas linhas a respeito de Julio
Costa,
não venho, acreditem, fazer a
apreciação, pretenciosa ou sabia,
da obra d'esse pintor; venho simplesmente deixar-lhe,
sob o seu nome já aureolado pela critica consciente, o
laurel
amigo da minha admiração.
[10]
E posto este preambulo, ahi vae o que me parece dever
dizer do Julio Costa.
Portuguez de nascimento e condição, alma que se
espande
na mais suave de todas as alegrias―a familia―Julio
Costa vem, de ha tempos para cá, vivendo quasi
exclusivamente
para os seus parentes, para
os seus discipulos e para os seus
trabalhos.
Conselheiro João Franco
julio costa
É um d'estes homens com
quem, mesmo sem fallar, se sympathisa
logo á primeira vista.
É lhano de trato, affavel,
de maneiras delicadas, cavaqueador
emerito, tendo sempre um
dito alegre para retorquir a um
remoque que se lhe atire. Nunca
deixa de chalacear, a não ser
quando tem algum dos seus doente.
Então, sim, então abate-se todo
na dôr d'aquelle que soffre e
deixa-se levar n'essa corrente de
magua que o subjuga brutalmente.
É uma luminosa alma dada
ao bem e a tudo quanto é bom,
e d'ahi a uncção deliciosa e meiga
com que elle concebe os seus
quadros de genero.
Hoje, posto em foco, pelo brilhantismo dos seus ultimos
trabalhos, deve orgulhar-se de ser um dos pintores preferidos
nas commemorações aos homens notaveis do nosso
paiz.
O retrato é inegavelmente o genero que Julio Costa
mais accentuadamente trata e que mais em evidencia o tem
collocado.
O retrato de El-Rei pintado para o salão do Tribunal da
Relação, os retratos de Oliveira Martins, Dr.
Ricardo Jorge,
João Ramos, Dr. Eduardo Pimenta, Conselheiro Campos
Henriques,
[11]
Conselheiro João Franco, e muitos outros,
são affirmações
publicas do que digo.
O primeiro, é largo de ideia, magestatico de pose, tocado
de iriadas côres, pois assim o pedia o grande do personagem.
Collocado no amplo salão do Tribunal toma um aspecto
soberbo, que nos infunde respeito.
Oliveira Martins―julio costa
O segundo, em que a figura de Oliveira Martins, essa
imagem de santo e de
philosopho, se nos
apresenta sentada em
larga cadeira de espaldar,
em posição natural
de quem entretem
uma conversa, ao
contemplal-o, como
que se escuta a sua
voz de mestre, que
discreteia sabiamente
sobre os intrincados
problemas economicos
do nosso paiz, ou
sobre os notaveis factos
da nossa historia.
E todos os outros,
todos, são verdadeiras
obras primas.
Não esquecerei
fallar do seu ultimo
trabalho, do retrato
do Conselheiro João
Franco, o homem forte
e duro que emprehendeu,
n'um arranco de verdadeiro portuguez, remodelar,
n'um molde novo e n'uma nova orientação, a marcha
dos negocios
publicos.
D'esse retrato já eu disse, quando tive occasião
de o ver
pela primeira vez, o seguinte:
«É grande, na magestade da sua tela ricamente
emmoldurada,
o retrato do snr. Conselheiro João Franco.
«Absorve por completo a nossa attenção.
Está executado
n'um correctissimo desenho, tocado d'uma distincta tonalidade
[12]
de côres, n'um flagrante de pose e de
semelhança.
Ao retrato do Conselheiro João Franco só lhe
falta fallar para
ser o proprio.
«Quanto mais o contemplamos, mais correcto e mais
perfeito achamos este trabalho. A figura parece que se destaca
da tela, tal é a perspectiva que Julio Costa lhe deu;
ás
vezes como que a vemos mexer-se. Depois, ha um não sei que
de vida, que nos faz imaginar que os olhos se movem, que os
labios se vão descerrar para fallar.
«E as roupas, que delicada feitura, que
nuances de verdade!
Na facha que ella ostenta, vermelha, ha reflexos de
moiré.
«O retrato em questão não é
simplesmente um retrato;
é mais do que isso:―é um quadro».
Todos estes seus trabalhos nos encantam e deslumbram,
porque Julio Costa sabe apanhar tudo quanto vê em volta de
si. Sabe ver, que é o essencial. D'ahi o colher a
expressão da
Impressão. Mas a Impressão escolhida,
não da natureza selvagem,
mas sim da natureza civilizada e culta.
Julio Costa é um civilizado! É um delicado!
É um
raffiné (desculpem o
francez).
E é esse effeito de
raffinerie e essa
predilecção pela impressão
escolhida que elle transporta aos seus retratos.
Elle conhece bem o indefinivel e delicado interesse que
se desprende das linhas d'um rosto.
Elle sabe que nada é tão impressionante, para
nós que
contemplamos os quadros, como essas figuras immoveis e mortas...
mas que estão vivas!...
E os seus retratados vivem nos seus retratos.
Em uma palavra, Julio Costa não pinta
um
retrato do
seu modelo... pinta
o retrato.
Cada uma das nossas sensações, das nossas
emoções, dos
nossos sentimentos, cada um dos nossos desejos, das nossas
esperanças, dos nossos pensamentos secretos altera
constantemente
a nossa physionomia.
A cada minuto, a cada segundo, qualquer de nós se
[13]
transforma, e deixamos de ser então semelhantes a
nós mesmos.
Mas, Julio Costa sabe discernir n'essas fugitivas
transformações
aquelle
momento, que é
sempre da nossa figura,
sabe fixar na mobilidade imperceptivel das linhas d'uma physionomia
o seu aspecto caracteristico. Sabe reunir n'um gesto
a multiplicidade das nossas attitudes.
E é por isso que Julio Costa, ao pintar o retrato, tem
uma grande preponderancia sobre outros artistas.
Demais a mais elle possue o que falta a muitos outros,
uma bella correcção no desenho.
Que o desenho não é só como muita
gente pensa o esqueleto
da pintura.
Não, o desenho é uma parte integral d'ella, o
desenho
é a propria pintura.
Já um celebre pintor francez, cujo nome não
recordo
agora, dizia dos seus desenhos―
A côr dos
meus desenhos...
como se o desenho não fora unicamente uma
apresentação do
claro escuro.
Mas é que a pintura sem um bom desenho, onde se definam
os tons e meios tons, onde se delineem as distancias e
as perspectivas, seria uma coisa chata, sem vida, sem relevo.
O Soler architecto, esse bello rapaz cheio de talento que
a Morte avidamente nos levou ha um bom par d'annos, dizia-me
uma tarde em que me fazia uma prelecção sobre as
vantagens do desenho:―«Olhe, se você quizer um bom
quadro
desenhe-o primeiro em todas as suas minudencias, com
todos os seus effeitos de perspectiva, com todos os seus claro-escuros
e, depois, a esmo, cubra isso com as tintas d'uma
paleta e terá um bom quadro. Olhe que n'isto de pintura o
desenho é tudo».
E de facto assim é: para se poder pintar bem o que
é
preciso primeiro é saber desenhar. E Julio Costa sabe
desenhar.
D'ahi o elle dar aos seus trabalhos uma
corecção distincta.
Mas, Julio Costa não é só notavel no
retrato. Julio Costa
é-o tambem em outros generos de pintura. No assumpto
religioso
deu este artista provas indiscutiveis das suas aptidões.
O
Calvario, que elle pintou para a
egreja do Bomfim, é
o melhor attestado do seu
savoir
faire. D'essa obra prima, que
veiu abrir uma polemica entre um critico da
Palavra e o conego
Alves Mendes, dizia este ultimo no seu
opusculo―
A
[14]
O Calvario―julio costa
crucificação de Jesus:―Outros
quadros de egual
natureza adoecem de monotonia
e languidez. Este
não. É tal a firmeza do
desenho, tal a riqueza das
tintas, tal e tanta a genial
inspiração artistica, que a
gente admira irresistivelmente
e applaude enthusiasticamente
esta magistral
pintura de Julio
Costa.
Que melhor e mais
auctorisada opinião que
a d'este
pintor da
oração,
este artista genial da palavra,
que desenha com o
seu verbo inexgotavel os
mais fulgurantes e mais
flagrantes quadros? Como
consagração a um artista
não as tenho visto
melhores nem mais perfeitas.
Quando Julio Costa
se entretem a fazer o quadro
de genero, tambem,
n'esses momentos, não
deixa o seu nome em má
posição. Ahi, como nos
outros trabalhos, elle sabe
dar aos seus typos e
aos seus assumptos o quer
que seja de suggestivo, de
impressionante.
Não é cousa simples
enumerar a sua obra, porque
ella não é uma insignificancia.
No entretanto, como
[15]
é do meu desejo levar o mais longe possivel a
resenha dos seus
trabalhos, ahi vae o titulo d'alguns d'elles, que mais se notabilisaram
nas exposições onde teem apparecido.
Em primeiro logar colloco eu o
No
Vago, uma pastoral
A Ti Anna―julio costa
de côr, como lhe chamou Oliveira Alvarenga. Era uma larga
tela que resumia
um delicado
poema d'amor.
Em plena
primavera, sob
a luz do lindo
sol, uma moçoila
trigueira e
forte, de seios
proeminentes,
encostada a um
pedaço de terreno
alto e florido,
sonha
n'um vago presentimento
triste. Ia para
os trabalhos do
campo, levava
a sua foice, o
seu cesto vindimeiro,
o seu
chapeu de palha;
marcára
ao namorado
uma entrevista,
na esperança
d'um doce
idyllio, mas o
tempo passa, o
namorado não vem, e ella, na
sobrexcitação do seu amor e do
seu ciume, vae desfolhando malmequeres que ora lhe dizem
sim, ora lhe dizem
não, e, por ultimo, como
que adormece
n'uma febre d'amor, olhos semi-cerrados, com o pensamento
esvoaçando no
vago... Eis
o quadro, que figura lá fora, em
Berlim, para onde foi vendido.
[16]
Não esquecerei a
Romeira,
uma fresca rapariga que, em
descantes alegres, parte para a romaria.
E uma
Cabeça de estudo,
que appareceu na exposição de
Arte de 1894, uma linda cabeça de rapariga de olhos vivos,
labios de coral e com o seu lenço de xadrez multicor, que
é
um encanto!
O
retrato do Quinsinho Souto Mayor,
é um estudo de
creança finamente trabalhado com o seu vestidinho de
velludo,
onde assenta uma romeira de renda, tão bellamente pintada,
que dava a perfeita illusão de que eram rendas que alli
estavam
collocadas sobre a tela.
O
Vencido, que é um bom
trabalho tambem, consiste em
um rapazito que, após uma refrega com outros, sae com um
braço deslocado; que suavidade de côr, que
tristeza nos olhos
humidos!
O
retrato da Ti Anna, essa velhita
encarquilhada que,
no fundo do seu casebre, junto da lareira, vai fiando a loira
estriga a pensar no tempo lindo que passou, quando era rapariga
e cantava ao desafio nas esfolhadas e nas espadeladas,
é soberbo. Hoje, a pobre velha canta as tristes
canções com
que embala os netos, e fia o linho com que veste os filhos, que
outras, que são novas, vão espadelando a rir e a
cantar. E
tudo isto se traduz n'aquelle quadro, e todo este romance se
vê alli representado n'uma sentida impressão e
n'uma ideal
concepção.
O
Costume dos arredores do Porto,
é tambem um lindo
quadro―uma cabecita de rapariga do campo cheia de vida
e de frescura.
E a
Mimalha e a
Varanda dos Mangericos e mil outros
trabalhos d'elle?...
Ah! mas vae muito longo este artigo e o leitor não tem
obrigação nenhuma de estar infinitamente a
ler-me; por isso,
ponto.
Julio Costa é para mim um pintor que sabe muito da
sua arte, digam lá o que disserem, e se, dentro da sua
modestia,
não gostar do que eu agora digo d'elle que me perdoe
porque eu só sei dizer o que penso, e isso muito rudemente
ainda.
III
PINTORES PORTUENSES
ANTONIO CARNEIRO JUNIOR
Conhecendo Carneiro Junior ha muito, por ter tido já
occasião de apreciar os seus trabalhos em outras
exposições,
corri, apressadamente, incumbido por a redacção
da
Vida Moderna, a vêr a
nova exposição dos seus ultimos
Antonio Carneiro Junior
trabalhos, com o grande interesse
de conhecer o progresso e o
desenvolvimento artistico d'este bello
cultor da arte da pintura.
E, francamente o confesso, as
minhas espectativas confirmaram-se.
Carneiro Junior, que era um dos novos
que mais promettia, obteve, com
o seu estudo no estrangeiro, a verdadeira
comprehensão da arte de
pintar, affirmando-o desde já com
os magnificos trabalhos expostos no
atrio da Misericordia.
Pintando em todos os generos,
como elle mais se avigora, e mais
demonstra o seu talento é, a meu
vêr, como pintor de figuras.
A paisagem e a marinha não são o genero que mais
o
tentam, o que não quer dizer que não tenha
paisagens adoraveis
e marinhas deliciosas.
É preciso porém notar-se que, quem escreve estas
linhas,
é um mero amador que vem simples e unicamente dar a resenha
[18]
dos quadros expostos e a sua impressão pessoal,
dizendo
simplesmente gosto ou não gosto, sem me prender nunca em
considerações sabias sobre o modo de pintar de
cada um. Não
citarei escolas hollandezas, flamengas, etc., etc. com ares sabios
de critico emerito.
E não o farei, porque entendo que para se escreverem
artigos substanciosos e chorudos sobre tal assumpto é
necessario,
antes de mais nada, ter visto alguma coisa d'essas escolas
e d'essa pintura, acompanhado isso da leitura de livros da
especialidade.
E, vulgarmente, não succede assim. Muitos dos nossos
criticos conhecem esses quadros e essas escolas porque algum
amigo, vindo lá de fóra, lhes trouxe, como
recordação, catalogos
dos muzeus que viu por lá, e é por ahi que elles
fazem,
a maior parte das vezes, critica. Ora eu, como nunca vi muzeus,
Retrato―antonio carneiro
nem tenho lido livros sobre
pintura, não faço critica,
faço a minha reportagem, deixem-me
assim dizer. E posto
isto, lá vae a impressão pessoal
que me ficou d'alguns dos trabalhos
de Carneiro Junior. E
elle que me perdôe se não
gostar.
Em primeiro logar, se bem
que não sejam estes os principaes
trabalhos, ponho eu os desenhos
a sanguinea―-que figuram
no catalogo com os n.
os 27
e 28,
Figuras para a fonte do
Bem; 10,
Estudo para o quadro
do Amor; 6,
Estudo para a figura
Esperança; 25,
Estudo
de creança para a fonte do
Bem.
Os retratos do
Marcos Guedes,
n.º 43; do
dr. Alfredo de
Magalhães, 34; do
Antonio
Patricio (filho), 32; de
J. Teixeira
Lopes, 36; do
Claudio, 40; e os dous retratos de
R. C., 37 e
38, são magnificos.
Em todos elles ha um tom de vida e muito de alma, especialmente
[19]
nos dois ultimos, em que o artista põe todo o seu
sentimento de amor.
O quadro
Tarde no mar, n.º 56,
é delicioso; como que
se sente, ao olhal-o, aquella cadencia ou melopeia que o grande
mar sabe cantar quando suavemente beija a areia fina da
praia.
Campo de trigo, n.º 77; em
Auvay, impressão de
frente,
89; impressão,
(
Bretanha), 71; em
Leça,
impressão, 68; o
Tamega,
(Amarante), 67; o
Sena em Auteil,
62;
Pinheiros ao cahir
da tarde, 57; ...são, para mim,
sentidissimas paisagens
onde a nossa vista se perde e o nosso espirito se embrenha
como em paginas brilhantes da
Viagem da minha
terra, de
Garrett.
Ha alli tambem um quadro,
Leitura,
de que muito
gostei. N'um interior de casa escura, á luz de um candieiro,
tres mulheres, uma das quaes lê. É admiravel
não só de execução,
como de composição.
O esboço do quadro
Fonte do
Bem é apreciavel e bem
desejariamos vêr o quadro definitivo.
E, antes de terminar, deixe-me Carneiro Junior dizer-lhe
que o seu triptyco, é, para o meu fraco entender, um d'estes
geniaes poemas que só os grandes artistas sabem conceber.
Emquanto á sua execução acho-a
primorosa.
A Esperança,
deliciosa virgem estudada e delineada com toda a pujança
d'um bello espirito;―
O
Amor―assombroso de execução;
ha
n'aquelle cavalleiro todo em aço vestido, a virilidade d'um
cavalleiro andante;
A Chimera,
fundamente abstracta, na sua
côr doentia e na sua expressão de verdadeira
Fatalidade olha
o quer que seja de horrivel, guiando o fogosissimo cavallo em
que monta o cavalleiro;―
Saudade―na
base d'uma sphinge
sonha uma mulher, toda de negro vestida. Quanta doçura
n'aquella expressão de tristeza! Como o pintor soube dar
áquella delicada mulher a nota melancolica do que
é na realidade
a saudade! Este quadro seria bastante, para definir o
grande talento do artista e o seu temperamento subtil de
poeta.
Que o artista me perdoe se não disse tanto quanto merecia
a sua obra e acceite o parabem sincero de quem só diz
o que sente.
Março 1901.
IV
Thadeu Maria d'Almeida Furtado
palavras ditas á
beira da campa do fallecido professor
Não é, o que vou dizer, uma biographia, nem um
necrologio;
representam simplesmente estas despretenciosas
palavras como que um
Thadeu Maria d'Almeida Furtado
punhado de saudades espersas sobre
a
campa, ainda mal fechada, do illustre
morto.
Conhecendo-o desde ha muito,
tive sempre por elle uma d'essas venerações
respeitosas de consideração e
amisade, que se tem por aquelles que
vivem sempre de cabeça levantada e
aos quaes não podem attingir nunca
as settas envenenadas da má vontade e
da calumnia. E é por isso que hoje não
posso deixar de vir dizer aqui algumas
palavras a respeito de quem, sempre
se fez querido de todos quantos, uma
vez só que fosse, d'elle se aproximaram.
Thadeu Furtado foi um dos mais antigos professores de
desenho do Porto e dos de mais nomeada; cumpridor dos seus
deveres, como poucos, recto nas suas apreciações,
como ninguem,
quantas vezes fez elle rebentar essas bolhas de balofa
vaidade, com que muitos mediocres se julgavam notabilidades,
e a quem o publico inculto tecia os mais rasgados elogios;
mas, sincero como era, nunca se pejava de dizer as verdades
por mais duras que ellas fossem.
[22]
Trabalhador incançavel, até ao ultimo dia, em que
um
desastroso acontecimento o impossibilitou, foi regularmente
occupar o seu logar na Academia, onde hoje era secretario e
onde em outros tempos fôra professor sapiente.
E inegavelmente é a este trabalhador indefeso, a este
morto illustre, que se devem os melhoramentos ultimamente
feitos n'aquella casa de ensino artistico.
Quantas e quantas vezes, reclamados esses melhoramentos
ao governo, foram elles lançados no rol dos esquecimentos,
rol lendario, onde são archivadas todas as cousas uteis do
nosso querido Portugal. Mas, Thadeu Furtado, com a sua vontade
de ferro, ao saber no Porto o conselheiro Elvino de Brito,
então Ministro das Obras Publicas e antigo discipulo da
Academia
das Bellas Artes do Porto, a elle foi e depois de lhe
mostrar, provando de
visu a
necessidade urgente d'aquelles
melhoramentos, conseguiu o que até ali ninguem tinha
conseguido.
E é portanto a este querido morto que se deve o ser
hoje a Academia de Bellas Artes, senão um modelo de escolas
para o seu genero, pelo menos um estabelecimento que
não nos envergonhará quando mostrado a
estrangeiros profissionaes.
E, doa a quem doer esta minha affirmação, mas
Thadeu
Furtado vae fazer muita falta á nossa Academia.
Como professor foi sempre correctissimo, muito sabido
no seu
métier, e a prova
d'isso está, em que, todos os nossos
grandes pintores de ha sessenta annos para cá, foram todos
seus discipulos e todos teem manifestado esta mesma opinião.
Não fui seu discipulo, mas fui seu amigo e é
unicamente
como tal que venho aqui depôr tambem a minha eterna saudade,
que é tão grande, como foi a minha
consideração e a
minha amisade.
E, para terminar esta minha sincera e triste despedida,
consenti, meus senhores, que vos manifeste tambem aqui um
grande desejo:―Como todos bem o deveis comprehender, uma
divida tem a Academia a pagar ao seu respeitavel professor e
ao seu incançavel secretario; e essa divida só
poderá ser paga
perpetuando-lhe a memoria com um monumento digno d'elle.
Grato me seria, portanto, saber que os alumnos da Academia
de Bellas Artes, reunidos aos professores, lançaram
mão
da ideia de que seja collocado o busto de Thadeu Furtado nos
claustros da mesma Academia.
[23]
E, para realisar tal ideia, não terão mais do que
fazer
fundir em bronze um busto, que a familia do fallecido possue,
feito, salvo erro, pelo brilhante estatuario Teixeira Lopes.
E assim, como preito de homenagem ao professor morto, ficará
ligado ao seu nome o nome d'um professor vivo que é
inegavelmente
a primeira gloria da esculptura portugueza.―Disse.
Março 1901.
Lenço em
rendas―d. maria augusta
bordallo pinheiro
V
PINTORES PORTUENSES
ARTHUR LOUREIRO
Arthur Loureiro, esse grande artista que durante
Arthur Loureiro no
seu atelier
tantos annos viveu
longe de nós, n'esse
bello paiz, a Australia,
e que uma vez cá,
filho do Porto, amando
o seu ninho com
um amor especial de
artista, apoz a sua primeira
exposição onde
nos mostrou que era
um delicado pintor de
figura, com os seus retratos,
e os seus typos
admiravelmente executados,
vae para bem
perto do Porto, para
Villa do Conde e cheio
de vontade e repleto
de
savoir faire, lança
á tela lindos quadros
que são como filigranas
da arte pintural.
Antes porém de
atacar o assumpto que
[26]
nos obriga a tomar da penna e rabiscar estas linhas permittam-se-nos
algumas phrases ligeiras de introito.
Ao entrarmos no atelier de Arthur Loureiro, decorado
com uma distincta simplicidade, tem-se a suave impressão
que o artista que ali trabalha é um bom e um delicado.
Confortavel
e amigo, aquelle atelier sem pretenção a luxo,
todo
elle resuma elegancia e bom gosto. Sem estofos custosos, meros
cobrejões de farrapos, em tons escuros, biombos simples
de couro lizo, moveis de linhas correctas desenhados por
o proprio artista e executados sob a sua
direcção, é d'um
effeito soberbo! O indifferente, que ao acaso ali vá, tem
com
certeza a impressão de que entrou na casa d'um amigo.
Barra, Foz-Douro―arthur loureiro
D'entre os moveis, que guarnecem o atelier, destaca-se
um largo divan-estante com as costas pintadas a sepia, que
nos dá a impressão de uma pirogravura.
Mas não vamos occupar-nos do atelier, vamos unica e
exclusivamente fazer uma resenha despretenciosa e sincera
dos quadros expostos e do effeito que nos deu a visita á
exposição
aberta agora ao publico.
Arthur Loureiro não é somente um pintor.
É mais do
que isso, é um esculptor consummado. O caixilho para
espelho,
o do quadro
Convalescente, e um
outro onde se ostenta o seu
retrato aguarellado por Columbano, são bellos.
Mas, o que me encanta, o que me fascina, é o frontal
para uma arca, onde se guardará o enxoval d'um filho
querido.
[27]
Este frontal, desenhado e executado por Arthur Loureiro,
é como que uma symphonia d'amor, sob o thema sublime do
martyrio da maternidade.
Frontal d'uma arca (esculptura)―arthur
loureiro
Sem minudencias de descripção, sempre diremos que
a
bordadura que cerca a figura da mãe tendo no
regaço o filhito
querido, é feita com flores de martyrios em todas as suas
evoluções,
desde o pequenino botão até á flor
completamente
aberta e em todo o seu frescor. Flores, folhagem e figuras soberbamente
executadas.
E agora, posto isto, entremos pela pintura dentro.
Não somos do
métier, nem aspiramos a
critico de arte;
mero amador, vendo talvez um pouco bem, sentindo a dentro
da alma qualquer coisa de meigo, por uma paisagem triste, e
qualquer coisa de vibrante em frente d'um retalho da natureza,
que o sol banha luxuriantemente.
Amando os quadros pela poesia que infundem, subjugado
pela impressão, que nos deixa qualquer cousa que nos agrada.
Eis o modo como vemos as obras d'arte, quer ellas sejam
d'um novo, quer ellas sejam d'um mestre. E por isso a
despreoccupação do meu modo de escrever. Pondo em
evidencia
ás vezes quadros d'um valor mediocre e deixando no escuro
verdadeiras obras de arte. Que nos perdoem os artistas
essas faltas e vamos á exposição de
Arthur Loureiro que foi o que aqui nos trouxe.
[28]
Fallarei d'esses quadros pintados em Villa do Conde,
antes porém deve ter especial menção o
largo quadro da nossa
barra, pintado n'um pôr de sol irisado, cheio de poesia, com
tons d'ouro que se reflectem na agua superiormente. É um
quadro este, de si bastante notavel para definir o artista.
E agora, que puz em evidencia o
quadro que
O Passado―arthur loureiro
para mim
se affigura mais
notavel, vou dizer
da minha impressão
dos outros quadros
expostos.
Um grande ramo
de lilaz, que
parece espalhar no
ambiente o seu perfume
doce e meigo,
está feito com
tanta frescura e tal
graça, que nos tenta
a cortar um pequenino
ramo para
a nossa botoeira.
As bellas rosas
escuras, d'um avelludado
meigo e fino,
como que tentam
na sua confecção
a uma offerta
gentil para a nossa
namorada.
São pedaços vivos de natureza,
lançados á tela, com proficiencia
e carinho.
Um cãosito
mops com o seu
focinho birrento e negro e
o seu pello amarellado dá-nos, a mim pelo menos (que eu sou
doido por cães), vontade de o ameigar, de o chamar
carinhosamente
e roubal-o ao artista. Collocado á entrada, talvez por
acaso, é como que um fiel guarda d'aquelle encanto de
atelier.
Este quadro está feito com cuidado, o que me dá a
entender,
que o artista segue a theoria d'um escriptor celebre que dizia:
―Quanto mais conheço os homens, mais amigo sou
dos cães.
[29]
Andam os nossos pintores delineando paisagens, por
esse paiz em fóra e nenhum, que me lembre, tinha ido pintar
para Villa do Conde. Talvez porque julgassem não haver alli
nada que pintar e Arthur Loureiro, que ha vinte annos estava
fóra do seu paiz, chegou e para socegar dos seus trabalhos
escolares foi para essa linda praia descançar e que
descanço o
seu, voltou trazendo na sua bagagem deliciosas telas, formosissimas.
Querer citar as melhores seria cital-as todas, eu porém
notarei como primordial―
A Senhora da
Guia―depois,
as
Azenhas e d'estas não
sei se o que resplende de sol, se o
outro, feito por uma manhã triste de chuva.
Não voltará mais―Arthur
Loureiro
A
Igreja matriz, tambem o noto pelo
bello do effeito.
Como uma mancha retumbante, n'aquella suavidade de côr,
os reposteiros da igreja fazem resaltar o quadro (ora aqui
está
onde eu decerto dou raia, em ter recebido uma bella
impressão
pelo vermelho que destaca do quadro, mas sou assim e
não ha nada que me atrapalhe).
A
Paisagem geral de Villa do Conde,
com o seu convento
e a sua cazaria branca é formosa.
O Passado, quadro cheio de poesia e
de candura. Como
um poema, de amor, de dôr e de miseria aquella velha sentada
á porta da igreja, onde talvez ella se baptisara,
casára e
seria enterrado o seu companheiro de muitos annos, talvez
um pescador, que ella hoje chora, pedindo esmola, na sua miseravel
e angustiosa viuvez.
Mas vamos fechar este artigo que vae já longo de mais.
Antes porém notaremos dous quadros, um que se
intitula―
Não
voltará mais, e que é outro
poema de dôr. Junto d'uma
[30]
bella arvore em flor, um redondendro, uma viuva e uma
creança olham o mar.
Esse mar gigantesco e barbaro que foi, decerto, quem
subjugou para sempre o ente querido d'essas duas figuras
insinuantemente
bellas nas suas
silhouetes.
O Convalescente é um
retrato primoroso do nosso amigo
dr. Francisco Loureiro, irmão do distincto artista.
É um trabalho feito com muito amor e muito saber.
Flagrante de verdade e correctissimo de desenho. É um bello
retrato.
Que me perdoe o artista esta prosa desenchabida e vulgar,
mas, mais não póde dar a minha pena. No entanto
ha-de
ver o publico que eu não quiz fazer o réclame do
pintor nem
a apologia do homem, fiz unica e exclusivamente a resenha
rapida e sincera do trabalho correcto d'um poeta lyrico da
pintura que entre nós vem, se não, fazer uma
revolução na
arte, dar no entanto a nota brilhante, do que deve ser o paisagista
portuguez; pintar a nossa paisagem, sem tons exoticos
de côr trazidos dos paizes estrangeiros. Porque Portugal com
o seu ceu e os seus verdes não póde ser pintado
com as cores
das paisagens bretãs.
E mais nada.
Outubro 1902.
Na Eira―lucilia aranha
VI
ESCULPTORES PORTUENSES
FERNANDES DE SÁ
Uma das manifestações mais vivas da arte
é a esculptura.
Esculpir em marmore ou em bronze a figura
de um individuo, é, como que, deixal-o por toda a
vastidão
dos seculos á admiração, ao respeito
ou á saudade dos
seus concidadãos ou dos seus amigos.
Fernandes de Sá
É a nota
constantemente vibrante de
uma individualidade. Mais duradoura
do que a pintura, é ella que, arrostando
nos logares publicos com a intemperie
dos tempos, mostra aos que passam
um capitulo da historia dos povos,
um acto de alta philantropia, ou a saudosa
recordação d'um ente querido que
a morte nos roubou.
E não é só isso; empolgando o
nosso espirito, dá a concepção
perfeita
d'uma ideia genial que o artista quiz
vivificar, dando á dura e informe pedra
ou ao frio bronze a pulsatibilidade
da natureza viva.
A esculptura, na sua larga e
educativa esphera, desde o poema grandioso da patria, nos
heroes que faz reviver, até aos santos, que a
religião faz venerar
nos altares, com a larga escala de mil variadas
manifestações,
é uma das mais difficeis, se não a mais difficil
de todas
as manifestações artisticas.
[32]
E d'ahi o insignificante quociente de esculptores, em
relação aos pintores.
E, todo este preambulo para vos dizer, que visitei hontem
a exposição de esculptura, que o notavel
estatuario Fernandes
de Sá abriu no seu gracioso
atelier da rua de Alvares
Cabral, d'esta cidade.
Este moço esculptor, cujo nome não é
já uma esperança,
mas sim uma affirmação segura, dá-nos,
com a exposição dos
seus trabalhos feitos aqui e em Paris, a
demonstração mais
definida e assente, de que é um d'aquelles artistas que mais
futuro teem, dentro da sua especialidade.
Não o queremos collocar a par do grande, do genial Soares
dos Reis, mas pomol-o aproximadamente no mesmo plano
de Teixeira Lopes; depois, elle é novo e tem uma vontade de
ferro;
Desafio―fernandes de
sá
ora estes dois bellos elementos,
a mocidade e a energia,
juntos ao seu grande talento
e ao seu muito saber,
dão-nos a garantia de que elle
ha de fulgurar, como um astro
de primeira grandeza, na
sublime arte de Milo.
Fernandes de Sá, a continuar
assim, não ha-de ser notavel
só entre nós, ha-de sel-o
tambem lá fóra, no estrangeiro.
E bom será que assim succeda,
para que no mundo civilisado
se faça a verdadeira
justiça aos nossos artistas e
se não pense que isto aqui é
uma terra de selvagens.
Mas, deixemos estas divagações
e entremos no assumpto
que me proponho expôr:
Notar as obras que Fernandes de Sá expõe, e isto
ao de
leve, como quem quer e não póde, por falta de
elementos, embrenhar-se
em philosophicos problemas d'arte.
Dezoito são os trabalhos expostos, qual d'elles o mais
empolgante, qual o mais bem executado.
Camões (estatua em marmore de
Carrara)―fernandes
de
sá
Desde o largo
trabalho―
Camões―até
á pequenina cabecita
[34]
da
galante―
Bébé―todos
elles são soberbos e dignos
de especial menção.
Camões, estatua em
marmore de Carrara, destinada ao
Museu de Artilheria de Lisboa. Após o naufragio, o grande
epico portuguez salva, n'um heroico esforço, a sua espada e
o
seu poema―eis o assumpto representado por esta bella estatua.
N'uma attitude de desesperada ancia, o corpo fidalgo
de Camões, sobre uma rocha, a mão direita
crispada agarrando-se
a uma saliencia da penedia, na esquerda a espada e o
poema sobre o coração, parece escorregar,
resvalando na voragem
da onda, que n'um desespero revoltoso se quebra de encontro
áquella molle de marmore. Sublime de
concepção. Na
figura elegante e adelgaçada de Camões ha linhas
d'uma senhoril
fidalguia.
Tratado aquelle marmore com o encanto e o amor d'um
verdadeiro portuguez, o esculptor não perdeu uma minudencia,
por mais pequena que fosse. Tudo estudado com perfeita
segurança, com verdadeira mestria, desde a musculatura
reteza
e vigorosa d'um desesperado em lucta com o mar, até ao
desalinho
da roupagem, tudo elle viu, tudo elle estudou conscienciosamente.
E, fugindo da vulgaridade das concepções sobre
este thema, Fernandes de Sá realisou―segundo o nosso modo
de vêr―uma obra genial.
Rapto de Ganimedes, é um
grupo em gesso, que vós já
conheceis de quando esteve ahi exposto na
Exposição da Sociedade
de Bellas-Artes, onde mereceu a segunda medalha,
tendo já adquirido a terceira medalha na
exposição de Paris
de 1900.
Beijo Materno, (grupo em gesso).
Verdadeiro poema de
amor maternal. Uma linda mulher, deliciosamente esculpida,
sustendo no collo um formoso
bébé, que ella
beija n'uma subtil
ancia de ternura. Foi este o seu trabalho final para o concurso
de esculptura em Paris, como pensionista do Estado. É um
encanto.
Vaga. Este gesso é d'uma
bella idealisação. Uma formosa
mulher, completamente nua, de linhas primorosas, pousa
sobrenadando nas ondas revoltas d'um profundo mar e reclina-se
docemente, como adormecida ao marulhar da agua. Ao
contemplal-a deu-nos o coração um baque e
confrontando na
mente a mnemonica de quadros vistos, lembrámo-nos d'um,
que nos pareceu a reproducção em pintura
d'aquelle soberbo
[35]
trabalho, e no nosso espirito ficou como que um espinho a
esse respeito. Alguem, mal intencionado, poderia dizer que
José de Brito tinha ido alli beber a sua
inspiração e o modelo
para o seu quadro
A Vaga.
Nós não nos abalançamos a tanto,
nem isso queremos pensar sequer, porque José de Brito
é um
grande pintor...
Beijo materno (grupo em gesso)―fernandes
de
sá
Dois bustos, em marmore que
são a reproducção exacta
das pessoas que representam.
O
retrato do dr. Correia de Barros,
é um trabalho bem
feito, cheio de verdade e de vida.
Ha tambem uma
Cabeça de
velha, que é primorosa.
No
Pobre (bronze dourado) e no
Desafio (bronze) ha flagrancias
de expressão, detalhes minuciosos de
execução, que
[36]
revelam o cinzel subtil, consciencioso e correcto de quem os
executou.
Ah! Mas, onde se revela o coração delicado e a
alma poetica
do moço esculptor, é no grupo
Irmãs. Que soberba obra!
Com que carinho, com que amisade não foi executado aquelle
gesso!
Vê-se que o artista poz alli toda a sua alma de
moço e de
moço apaixonado. Aquellas duas raparigas, d'um olhar meigo
e terno, que o estatuario delineava, com certeza emquanto
elle trabalhava cobriam-no com os seus doces olhares n'uma
caricia amiga de irmãs. Alli poz elle toda a sua alma
lyrica,
como no
Camões, poz toda
a alma patriotica.
Ha tambem uma
Cabeça de
velha (bronze dourado),
muito bem feita.
Notavel tambem um
Estudo em barro,
coberto com
patine
verde que lhe dá um tom de novidade. O assumpto é
uma
cabeça de mulher do povo, com o seu lenço. Nas
linhas de
aquelle rosto ha muita verdade, e um tal ar de languidez, que
logo se nota que dentro da alma do modelo havia um certo
quê de pena ou de saudade.
E tudo isto é lindo e tudo isto é bello,
não esquecendo
fallar nas cabecitas de creanças que lá vimos.
Deixei para o
fim isto, porque tendo eu uma predilecção
especial por creanças,
comprazia-me todo em ser n'ellas que fallasse por ultimo.
São quatro estes trabalhos:
Cabeça de
creança,
Bébé,
Beija-flor,
Estudo
de creança.
Que encantadores! Com que amor elle não esculpiu no
frio marmore aquellas quatro perolas, aquellas deliciosas
creanças,
que são mesmo um primor!
Uma vez, n'uma exposição que Teixeira Lopes fez
no
pateo da Bolsa, havia lá um
bébé, o
retrato d'um sobrinho
d'elle, e eu, estando alli só, não me furtei ao
desejo de o beijar
e beijei-o, tal era o seu encanto.
Pois quando visitei a exposição de Fernandes de
Sá, se
lá me visse só, posso affirmal-o, beijava todas
essas creanças
n'uma infinita alegria, porque as julgava vivas. São
realmente
uns delicados e subtis bustos, que me deslumbraram.
E eis em meia duzia de linhas a noticia da visita que
fiz, por uma linda manhã, ao atelier de Fernandes de
Sá, onde
a luz forte do sol, coada atravez dos brancos transparentes,
[37]
n'uma doçura meiga, fazia resaltar os marmores esculpidos,
como n'uma luminosa penumbra de sonho.
E permitta o moço esculptor, que tão gentilmente
nos
recebeu, e com tanta modestia nos apresentou os seus gloriosos
trabalhos, que lhe digamos que o seu talento lhe dá direito
a mais um pouco de orgulho, e não a querer deixar-se
ficar
na modestissima sombra dos que pouco valem. O seu
nome e a sua obra, repito, não são uma
esperança, não; são
uma affirmação segura de que elle é um
dos primeiros estatuarios
portuguezes.
Outubro 1902.
Busto (Antonio Cano)―fernandes
de sá
VII
Exposição da Sociedade de Bellas-Artes de Lisboa
carta a um redactor do "correio da
noite"
Não me conhece, nem isso é necessario, para o que
eu
lhe quero confiar. Não é um segredo e, portanto,
se
achar interessante o que lhe vou dizer, conte-o ao
publico, a esse publico despreoccupado, que lê as gazetas,
não
para se instruir, mas para ver se o seu nome figura no
Carnet
Mondain,
El-rei
ou se alguma cousa
má succedeu
aos seus conhecidos
para ter o pretexto de os
consolar nas suas amarguras
e nas suas desditas.
Conte-lhe o que lhe vou
dizer e estou convencido, que
isso lhe será agradavel, porque
eu, com o meu genio desinteressado
e independente, dou abertamente,
picadelas em quem as
merece, levantando ao ar em
apotheoses de gloria, tambem,
aquelles que a ella teem direito,
segundo o meu modo de ver.
Sou sincero, apenas; nunca me embrenhei nos escaninhos
da politica e, por isso, não conheço a intriga;
nunca calquei os tapetes dos palacios dos nobres e da aristocracia
e, por isso, não conheço a
bajulação; não me tenho
accorrentado ao jornalismo militante e, por isso, não
conheço
as conveniencias de redacção. Sou, ainda, mais
independente
do que o chefe do partido novo, que não quer para seus
soldados senão os que estão isentos do peccado
politico. Sou, emfim,
como os homens do norte; duro como um sobreiro, ingenuo
como uma creança... de bigode, sincero como um convicto
e delicado como uma dama.
Paisagem (pastel)―El-rei
[41]
E feita a minha apresentação, ahi vae o que eu
lhe queria
dizer.
Fui, levado por intensa curiosidade, visitar a
exposição
da sociedade Nacional de Bellas-Artes e dei o meu tempo por
muito bem empregado. E dei por bem empregadas as tres horas
que lá passei, porque morro por coisas d'arte.
A Arte, a grande Arte, cuja definição perfeita,
para
mim, é um mytho, atrae-me como uma feiticeira deslumbrante
e maravilhosa.
Mas a Arte pinctural e esculptural,
essa, extasia-me e não é para extranhar o
vêr-me parado em frente
Cabeça de estudo―ernesto
condeixa
d'um bom quadro ou d'uma bella esculptura, tal qual como
em frente d'uma mulher
formosa.
Mas, deixemos estas
divagações e entremos
no assumpto da minha carta.
Demais, que lhe importa
a si que eu goste ou
desgoste, se o meu caro
nem sequer me conhece de
nome. Antes, porém, de
continuar, ou por outra,
de começar, desculpe esta
franqueza: as aguas de Lisboa
são más e pozeram-me
o figado n'um pessimo estado,
o que deu em resultado
eu ter tido um ligeiro
extravasamento de bilis,
que pode ser se manifeste,
ainda que ao de leve, no
decorrer desta minha despretenciosa
carta.
Uf!... que começo
a massar, não acha? Mas
que quer, eu sou assim, o mal é dar-me corda,
hão-de aturar-me
depois. E posto isto, lá vae.
Fui vêr a exposição e fui sem a
preoccupação de critico
[42]
d'arte, unica e exclusivamente como amador, como
dilletanti,
e como tal é que escrevo. Que me perdôem os
artistas, se nada
fôr, a minha apreciação aos seus
trabalhos, que me tolerem os
criticos de arte se a minha
incompetente opinião brigar com
as regras do
metier, e que se ria o
publico se não gostar da
minha prosa e o meu caro redactor se entender que a pimenta
é forte, ou o guizado está mal condimentado,
já sabe o que
tem a fazer, é, cesto dos papeis inuteis com elle.
Barbeiro d'Aldeia―josé
malhoa
Começarei tal qual como indica o catalogo, apreciando,
sob a impressão perfeitamente pessoal d'um provinciano, os
trabalhos expostos, pela sua ordem numerica.
Primeiro estão os de S. M. Este artista-amador
está lá
tão alto que nada poderei dizer dos seus trabalhos.
Unicamente
o que me agradou mais foi o
No Sado―processo
Raffaelli,
se bem que já tive occasião de vêr
trabalhos de muito
maior valo,
se bem que já tive occasião de vêr
trabalhos de muito
maior valor executados pelo mesmo monarcha, que é
inegavelmente
um artista de temperamento definido.
[43]
E agora sem respeito nem consideração pelos
artistas e
quiçá amadores, que eu não
conheço, ahi vae a minha opinião
sincera.
QUADROS A OLEO
D. Bertha Alcantara, n.
os 1 a 4―
Natureza
morta e
flores―Natureza
morta e tão morta que dá vontade de... decorar
uma cosinha com ella.―Amores perfeitos, imperfeitos.―Um
agrupamento de lyrios e mimosas, os lyrios bastante
densos, n'um demasiado ajuntamento, que parece esmagarem-se
uns aos outros.
D. Luisa Almedina, n.º 5―Uns cravos sem cheiro,
desconsolados...
Almeida e Silva, n.
os 6 a 15. Pinturas varias,
assaz recortadas
e lambidas, com ar pretencioso de
oleographias caras;
este artista parece andar
para traz, quem pintou
Paisagem―Marques d'Oliveira
O Viatico na aldeia,
Um critico d'arte,
Cabeça
de cabrito, (que eu possuo)
tinha obrigação de se apresentar
melhor.
Tem n'esta exposição
um quadro―
O abat-jour
japonez, que é verdadeiramente
uma japonesice
de caixa de chá.
No entanto recommenda-se
o seu quadro―
Tarde
calma de junho, que
está, a meu vêr, bem, e é o
unico que se salva de todo
aquelle montão de arte de
recorte...
Condessa d'Alto
Mearim, n.
os 17 a 19. Tem
merecimento, e muito, esta
amadora―
A Nossa Senhora do Refugio,
bem lançada de
linhas, largas pinceladas dadas sem feminismo, talvez um
[44]
pouco coquete, na expressão, para Nossa Senhora, no entanto
um bello quadro. O n.º 17 parece-me estar trocado, pois
não
é
crivel que s. ex.
a pintasse um retrato de F. V.
n'um velho em
traje de fantasia; mas se o pintou, diremos que o trabalho é
bom, a figura está bem estudada,
boa carnação, boas
roupagens, mãos bem trabalhadas,
um bom quadro,
emfim.
Mendiga―carlos reis
D.
Maria Luiza Alto
Mearim, n.
os 19 e 20, o
Five
ó clock tea
é um bom quadro
traçado amplamente,
com boa luz e muita expressão
da figura, talvez um
pouco de branco a mais na
cara da dama, que deve ser
da primeira sociedade e que
naturalmente usa muito pó
de
veloutine, e d'ahi o tal
branco!...
Viscondessa de Ameiro,
n.º 11.
Arvoredo―eu
chamar-lhe-ia―
Alvoredo.
Está lá muito no alto, tão
alto, que se perde de vista.
Lembra uma travessa de hortaliça picada para gallinhas.
D. Virginia Avellar, n.º 22.
Supplica.―Uma deliciosa
irmã da Caridade, estudada com carinho e amor, tal quanto
merecia aquelle lindo rosto, que um bello sol banhava n'uma
suavissima emoção de castidade e... affecto.
Merecia, a meu ver, uma menção honrosa, mas...
foi
para outros...
D. Laura Bandeira, n.º 23.
D. Ignez de
Castro, esguia e
airosa, um pouco theatral, regularmente pintada. O galgo que
a acompanha, parece feito de
grafite, e se a D. Ignez continua,
por muito tempo, com a mão esquerda n'aquella
posição,
acaba por cegar o pobre cachorro, pois a metter-lhe um dedo
pelo olho dentro, aquillo dá pelo menos uma conjunctivite...
Leopoldo Battistini, n.
os 24 a 27―dois estudos
de velhos,
um d'elles passavel―o 25.
Avarento,
horrido de luz e
[45]
de expressão, parece um
paranoíco fugido ao
tratamento do
dr. Bombarda. O 27―
Barqueiros do
Mondego. Extraordinario.
Parece incrivel que se podesse metter uma barcaça d'aquellas
dentro d'um quadro de 1,26 por 1,87. Effeitos de luz,
detestaveis.
A mulher ou tem o peito em fogo ou quer dar a comer
candeias de cebo ardendo, á pobre creança que
parece
ter ao collo.
D. Emilia A. S. Braga, n.
os 28 a 31―
A
Maria de S.
João (28) é uma velhota com
cara de boa pessoa, regularmente
pintada; acho-lhe as mãos, o rosto e o cabello bem estudados
e com boa côr.
A
oração (29)
Estudo (30) são dois bons
quadros,
traçados com superior criterio, pincelados largamente,
com soberbas expressões, luz boa, côr magnifica;
no n.º 30
notamos ainda o bem executado do collo d'uma linda mulher.
José de Brito, n.º 32―
A
Vaga.―É já meu conhecido
este quadro, d'um pintor portuense, que tem o seu nome ligado
a obras de muito merecimento.
A
Vaga, na sua idéa
symbolica não me agrada, mas na sua
execução, como estudo
do nú é superior e irreprehensivelmente feito; no
bem trabalhado
do desenho e no bem dado da côr, sente-se a curva avelludada
e macia d'uma mulher nova e de carnes duras. É um
bom quadro.
Marinha―joão vaz
Arthur A.
Cardoso, n.
os 33
e 34―Dois retratos.―O
n.º 33 bem feito;
que para mim,
desde que são
retratos, o que
eu quero é que
elles se pareçam,
quanto ao
mais não me
importa.
João Luiz
Cardoso, n.
os 35 a 42―Especialidades em
Arredores. Arredores
de Aveiro e de Thomar. Notarei como dignos de
menção
o n.º 39, um bello poente, e os n.
os
40, 41, e 42, onde a luz
é
bella, distribuida com methodo e muita uniformidade.
Antonio Carneiro Junior, n.
os 43 a 45.―Este
artista é
[46]
um melancolico, um triste, e se nos quadros expostos o não
mostra é que se limitou a expôr retratos. O que
dizer d'esses
retratos, quando o jury já disse tudo, dando ao seu
quadro―n.º
43,
Retrato de Teixeira Lopes―uma
medalha. É innegavelmente
um trabalho magnifico. O retrato n.º 45, de uma senhora,
tambem é muito bom.
Bernardino Trindade Chagas, n.
os 46 e 47.―Uma
paisagem
e um retrato.―Ataca dois generos differentes com a
mesma galhardia e o mesmo
savoir-faire. O retrato teve uma
menção honrosa.―A paisagem é boa: Uma
mulher sobre um
burrico, vae, n'um chouto doce, atravez um caminho de aldeia,
para a capellinha, em Tavira. Boa luz, boa cor, destacando
no tom amarello saibroso da estrada as figuritas, que o artista
estudou com cuidado.
Jorge Collaço, n.
os 48 a 50.―Este
artista é o
collaborador
artistico do
Seculo Illustrado,
julgo eu, e por isso preciso
ter cuidado com elle para não ter o desgosto de succeder
á minha despretenciosa critica o que succedeu ao monumento
de Sousa Martins, feito pelo Queiroz Ribeiro. Por isso... fico
calado... Mas não fico... ahi vae o que eu penso.
Na
Partida interrompida, que teve a
2.ª medalha, acho-lhe
o pé esquerdo, que está no plano anterior, um
tanto mais
delgado do que o pé direito, que está n'um
2.º
plano, um pouco
mais atraz e bastante cheio.
O
Nos campos de Arzilla,
é um largo quadro feito com
todo o interesse e correcção de quem sabe tratar
com pinceis.
Uma bella tela cheia de cor e de um largo poder decorativo.
Guarda negra. Talvez não
fosse peor ter adelgaçado um
pouco as mãos ao cavallo, que avulta no 1.º plano
do
quadro.
Os cavallos arabes são, por via de regra, d'uma gracilidade
especial de mãos, que caracterisa bem o seu genio nervoso e
a ligeireza do seu galopar.
Ernesto Condeixa, n.
os 51 a 56.―Este
é tambem um
artista cuja reputação está feita.
Pinta com muita consciencia,
muita pratica e bastante saber. Notarei, para mim como
melhor, o 52, em que ha um bello effeito de sol sobre a agua
do mar. O 53, delicioso
Cantinho da praia de
Paço d'Arcos, e
o 56, um soberbo poente nostalgico e poetico na
Ribeira de
Algés.
Candido da Cunha, n.
os 57 a 61.―Poeta
sentimental da
pintura, lança nos seus quadros as suas
impressões com um
[47]
sentimento desusado; não é o pintor do grande sol
e da côr
que retine como toques de clarim, não; repassa-os de uma
uncção suavemente triste, que encanta.
É inegavelmente um
quadro de mestre o seu
Hora
nostalgica, 57. Os outros são pequenas
manchas, feitas com muita correcção.
Vaga―josé
de brito
Mademoiselle Helene Eisembard, n.
os 62 e
63.―
Portrait
à huile,
62,
regular,
sem espantar.
Fleurs, 63.
Chrisantemos,
uma chinesice a oleo, que se supporta... como chinesice.
Lizzie Escolme, n.
os 64 a 70.―Alguns quadros de
flores
e paisagens. Sem interesse para mim, a não ser o
n.º 65,
Primeroses e violettes, e o n.º 66,
Lilás, que são
regulares,
com alguma frescura. O resto... não vale nada.
Duarte Faria e Maia, n.º 71.―Uma
miniatura lambidita...
como retrato...
C. Gomes Fernandes, n.
os 72 a 78.―Tem-se
desenvolvido
este amador, desde que se lembrou de querer ser artista;
progride innegavelmente, demais para quem viu, como eu, os
seus ultimos trabalhos no Porto; pasma do modo como está
pintado o seu quadro n.º 72,
Margem do
Tejo. Bem tocado de
luz, regularmente pincelado, com uma certa largueza e um
[48]
doce tom, que nos encanta. É tambem interessante o seu
Caminho
(
Granja), n.º 78. Os outros
são quadros de amador
com pretensões...
José S. Moura Girão, n.
os
79 a
87.―Só podemos admittir
com a rubrica d'este bom artista os quadros n.
os
84 a 87,
onde ha gallos e gallinhas soberbamente pintados, porque,
ainda até hoje não encontrámos
ninguem, que tenha na sua
palleta cores tão brilhantes e tão
accentuadamente definidas,
para pintar a plumagem retumbante dos gallos. São estes
trabalhos
de molde a fazer impor á admiração do
publico um
artista como Girão. Mas... pena foi que elle se
não limitasse
a isso e tentasse pintar animaes de pello... Os seus gatos
(n.
os 81 a 84), são horrorosos;
parecem, bem como os
coelhos
(n.º 79),
biblots de algodão
em rama, para creanças; d'estes
que se vendem no Benarde, no Cardoso da rua Nova do Carmo...
Fique-se com esta snr. Girão, que eu, infelizmente,
não
conheço. Nunca pinte senão aves, se
não quer perder o grande
nome que tem, como primoroso artista que é.
D. Isabel Laver, n.
os 88 a 93.―O quadro
n.º 88,
Cabeça
de velho, fez-nos parar algum tempo na sua frente e,
ao fixal-a,
saltou-nos, instinctivamente, da mente, aquelle pedaço
de poesia de Caldeira,
A Mosca:
..................................................o maldito do velho,
Da cor d'um rabanete, ou ainda mais vermelho...
Porque de facto o tal velhote parece esculpido n'um
presunto de Lamego... O n.º 90,
Rosas, duras e compactas
como se fossem talhadas em porcelana da Vista Alegre, pousadas
n'uma jarra d'um detestavel effeito e cor.
O chá, (91). Um bule de
prata oxidado e sujo, doce de
dezoito vintens o
arratel, para
velhotas coscovilheiras, que
vieram até nós dos tempos dos francezes.
José Leite, n.º 94.―Um bello retrato de mulher
nova,
feito com mestria, e dando a conhecer que o auctor tem
disposição
e sabe do
metier. Foi-lhe conferida
uma menção honrosa,
uma das mais bem applicadas do certamen.
Adriano Lopes, n.º 95.―Um retrato do general
Castel-Branco―muito
bem cuidado,―é o seu auctor um discipulo
que dá honra aos seus professores.
José Malhôa. Eis-me chegado emfim ao Artista que
[49]
mais me deslumbra, e mais me fascina. Chegado aqui, o meu
desejo é pousar a penna, curvar-me reverentemente deante
da sua obra genial, e limitar-me a gritar enthusiasmadamente:
Salvé, pintor da grande luz, do bello sol, da soberba
côr que
retine nos teus quadros, como pedaços de crystal finissimo
que se parte.
Era este o meu desejo, mas,
alguem, os mal intencionados,
esses, ficariam na sombra a rir-se de mim, e diriam: Porque
não falla este
critico
Velloso Salgado
do Malhôa?!...
Eu responderia,
porque elle enche com
os seus trabalhos tão
por completo o meu
espirito, que me julgo
muito pequeno para
fallar d'elles.
Mas, como quero
levar de seguida a
minha carta, ahi vae
a impressão que tive
com os quadros de
José Malhôa, n.
os 96
a 108.
Destaco como
primordial o seu quadro,
Barbeiro da aldeia,
98, assombroso
de execução, sublime
de expressão nas figuras,
mesmo nas
que se perdem nos
ultimos planos. Luz soberba, e... desenho rigorosamente
estudado. A seguir
A Descamisada,
97―magnifico―e o 98,
O Antigo phosphoro, em que se
vê perfeitamente, muito definido,
a impressão asphyxiante do enxofre que arde morosamente,
obrigando a pôr a distancia o phosphoro. Que bello
trabalho, que primor de expressão na figura, que distender
de braço tão naturalmente lançado! e o
99,
Cabeça de estudo,
optimo de luz, e o 102,
Ao cair da
tarde, quanta melancholia
doce não nos imprime, aquelle quadro, e o 108, esse largo
[50]
quadro decorativo para a sala de musica do snr. Lambertini?
Com que gracilidade não estão lançadas
todas aquellas figuras,
n'umas posições naturaes e flacidas que parecem
cheias
de mocidade e de vida.
E, deixei para o fim o n.º 106, que, embora eu esteja
em erro, é para mim um dos trabalhos mais fulgurantes do
grande artista.
Aquelle retrato de mulher, com uma elegancia finissima
de palmeira, desenhada com uma distincta
correcção de linhas
e colorida com um mimo especial de carnação, que
palpita,
fez-me sentir o grande desejo de me curvar n'uma postura
palaciana e beijar respeitosamente as pontas d'aquelles dedos,
que tão despreoccupadamente pousam no teclado do piano.
Este quadro é para mim d'um encanto inexcedivel. E
que me perdôe o artista se eu não soube dizer
d'elle o que
elle merecia.
Raul Maria, n.
os 109 a 112.―Quatro retratos,
sendo regularmente
bem feito o 109, de Carlos Malheiro Dias, o 111,
retrato de Eduardo Brazão, foi feito decerto em
occasião, em
que o grande actor estava soffrendo de
vertueja, uma especie
de erisypela. O retrato n.º 112, só se admitte como
caricatura.
D. Branca Marques, n.º 113.―
Uma velha
aldeã, que
nos faz lembrar uma
batata ingleza.
Adolpho Manon, n.º 114.―
A Costa.
Perfeito quadro
para as Messageries Maritimes; eu chamar-lhe-ia o vapor
City
of Lisbon.
Thomaz de Mello Junior, n.
os 115 a
121.―É um paisagista
interessante e de merecimento. Destacaremos os seus
quadros: 115,
Salgueiral d'Azambuja,
paisagem cheia de luz,
com uma fita d'agua muito bem estudada;
O
Gerez, estudado
com cuidado, na côr e na luz. O Gerez é aquillo,
conhece-o
bem. O 121,
Torre de S.
Julião, que é muito
interessante, e,
então, o 118,
Praia de
Nazareth! uma soberba marinha, feita
com muito criterio e muito saber. As vagas, que se levantam
em cachões espumantes, estão, na verdade, feitas
magnificamente,
e o barco, que as tende galgar ao esforço dos remos,
está estudado com precisão e rigorosidade.
Thomaz de Moura, n.
os 122 a 128.―É
um artista que
vem lá de fóra, com as suas impressões
de Paris e da Bretanha;
os seus quadros são tocados de um certo
gris, que nós
[51]
não temos, uma côr acizentada que me fere mal a
retina, o
que não quer dizer, que elle não tenha
merecimento, que o
tem. Especialmente o seu 122,
Carinhos de
mãe, está muito
bem feito.
D. Fanny Munró, n.
os 129 a
133.―Muito gelo, muito
gelo e muito gelo, no entanto não me desagradou o 133,
Na
Montanha.
Busto de ingleza―teixeira lopes
Isaias Newton, n.
os 135 a 149.―É um
professor e bem
me custa dizer mal d'elle, mas que querem, a bilis cá
está ás
voltas commigo; o seu 134,
O Lago,
parece feito de vidro fiado
e os seus, 137,
Entrada para a quinta do Ex.mo
Snr.
Novaes,
139,
Campo do Bomfim, lembram
oleographias, o unico aproveitavel,
é a meu vêr, o 135,
Um trecho de
paisagem.
D. Mariana Palma, n.º 140.―
Depois do
jantar. Um melão
phantastico com pevides que
parecem dentes, queijo cabeça
de preto com manchas de bolor.
Um mau vinho, dentro de uns
crystaes e d'uns vidros da fabrica
da Amora ou da Marinha
Grande.
Torquato Pinheiro, n.
os
141 a 145.―
O retrato de seu
filho, 141.―É sem discussão
o seu melhor quadro n'esta exposição.
Torquato Pinheiro é
um paisagista distincto, mas
não é menos como retratista.
Os seus quadros são tocados
sempre de uma certa ingenuidade,
que nos encanta, são para
notar o 144,
Leça de
Bailio, profundamente
melancholico, e o
145,
Fim da Tarde, bem feito,
com muita suavidade de luz.
Columbano Bordallo Pinheiro,
n.
os 146 a 154.―Eis outro
artista que se impõe firmemente
á nossa admiração, este
não é um artista do sol, é, deixem-me
dizer, um artista psychologo.
Faz talvez mais o retrato da alma do que o retrato
[52]
do corpo, mas, o que elle sabe é, dar umas pinceladas
tão originaes,
tão suas, que os seus quadros conhecem-se ao longe,
sem precisarmos de lhe vêr a assignatura. O quadro
146―
A
Peliça é d'uma
execução tão subtil, que apetece
passar-lhe ao
de leve a mão sobre aquella pelle, para se sentir o
aveludado
da lontra, o 147―
Scena d'interior,
ha tal expressão na cara
de mulher, que se está a sentir e a vêr, o que
ella está pensando
lá dentro do seu cerebro de velhota matreira.
Mas, superior a todos, a meu vêr, o 152,
Retrato do
Conde de Arnoso. É extraordinariamente
superior.
Manuel H. Pinto, n.
os 155 a 156.―Nunca tinha
visto
nada d'este artista, e fiquei gostando de vêr os seus
quadros;
são ambos bons, mas o 155,
Dar de comer a
quem tem fome!
é muito bem estudado. Ha ali vida, n'aquella mulher que
cuida dos seus bacorinhos com boa
menagére e os bacoritos,
esses, na sua
suinissima figura de
resmungões, estão tambem
muito bem estudados. E não fui só eu que gostei
dos quadros,
foi tambem a commissão, que lhe deu uma medalha.
João Porfirio, n.
os 157 a 158.―O
quadro 158 é
um especimen
comprovativo das theorias de Darwin.
Carlos Reis, n.
os 159 a 164.―Este sim. Os seus
quadros
confirmam bem o seu bom nome de mestre.
Na figura e na paisagem, em ambos é superior. O seu
159―
Retrato de Max Van Ypersele de
Strihon, é magnifico,
a carnação é flagrante de
côr e a mão? ah! a mão! é um
primor
de correcção. Os 160―
Velho
castanheiro―161,
Mendiga―162,
Souto de Castanheiro―163,
Poente de abril, são
quatro
lindas joias da arte pinctural que apetece roubar da
exposição
para revestir o
boudoir gentil da
mulher que se ama.
Augusto Ribeiro, n.
os 165 a 170.―Verdadeiro
pintor
impressionista. Unicamente nos dá impressões de
paisagens
do Norte, onde o azul é mais forte e a
vegetação mais luxuriante,
verdes d'um matisado mais doce, mais animado. As
suas
pochades são
regularmente tocadas. As que mais me
agradaram foram as n.º 167,
Poente (Ancora); 169,
Poente
(Ponte do Lima); 170,
Poente
(Paredes do Coura). Foi contemplado
com uma menção honrosa, bem merecida.
João Augusto Ribeiro, n.º 171.―
Um
septuagenario, interessante
e bem feito.
João Nunes Ribeiro Junior, n.
os 172 a
181.―Pintor de
paisagem, retrato e quadros de genero; muita coisa para
[53]
um artista só. Os retratos passaveis, alguns mesmo bons.
Paisagem
com certo ar, especialmente o 177, que está bem tocado
de luz e assumpto bem escolhido; o 178,
Campolide, que
é interessante.
Os fructos e
flores, 180, esse achei-o medonho,
simplesmente medonho, muito proprio como reclame para a
casa Daupias. Pareceu-me um quadro annunciador. Não que,
as flores e as fructas têem que se lhe diga, é
preciso muita
frescura, para as fazer resaltar com vida, dos quadros...
Tomando o chá―columbano
Adolpho de Sousa Rodrigues, n.
os 182 a 195.―O
seu
maior trabalho é o 182,
No trabalho do
campo. Não desgostei
d'elle, apenas me fez má impressão aquelle verde
das lombardas
ou tronchudas. Parece-me que as figuras se recortam demais
n'aquelle fundo verde. O 184,
Sabotier
breton, achei-o
com boa luz de officina e as figuras bem estudadas. A côr...
aquella côr bretã, que eu não
conheço, é que me fez esmorecer
um pouco. Eu gosto mais da nossa luz. O retrato 195, esse
acho-o muito bom, bem executado, bem desenhado.
Fernando A. M. de Sá, n.º 196.―
Arredores
de Setubal.
Mau de execução e de côr.
José Velloso Salgado, n.
os 197 a
199.―O grande pintor
de retratos e de tudo o mais, que é este artista, quasi que
me
[54]
dispensava de dizer qualquer cousa d'elle. Os seus trabalhos
veem de ha muito, pondo uma verdadeira nota de arte no
nosso pequeno meio. A sua fama está feita, o seu nome, ao
ser dito, retumba como um echo de gloria na arte da pintura
portugueza. Lá para o norte temos coisas tão
lindas, e tão
primorosamente feitas, d'este artista, no Palacio da Bolsa,
que eu acanho-me de fazer opinião sobre os seus trabalhos
expostos, que são muito bons. Sobresaindo para mim a todos
estes, o 199, retrato de
Adolpho
Másson.
D. Luiza Stephania da Silva, n.
os 200 a
202.―Unicamente
me fez sensação o 201, em que ha uma certa
frescura,
nos lyrios pintados.
Candido da Silva Junior, n.
os 203 a
212.―Dois
quadros,
em que ha retratos, paisagem e flores. Deram-me no
goto os n.
os 205 a 209―o primeiro uma especie
de jardim de
velha rabugenta; muita flor, muita flor, e nenhuma
disposição.
Não só as flores d'este quadro, mas as de todos
os outros
são duras, sem frescura, sem cambiantes de tom, quasi
homogeneos
na côr. A
magnolia, 209,
até parece um limão... Acceitavel
o 210,
Alfeite, que é uma
manchasita que se suporta
bem, para amador.
João Ribeiro Christino da Silva, n.
os
213 a 218.―Ai
pai! que coisas aquellas! O 213, a meu ver, simplesmente horrivel,
os outros... adeante... a não ser o 218 que é
interessantinho
na sua fórma miniatural.
Viscondessa de Sistello, n.
os 219 a
224.―É uma amadora
de certo, os seus quadros são cheios d'um quer que seja
de pretencioso... o n.º 219,
Retrato―achei-o sem vida, muito
chapado.―Fez-me saudades, porque me pareceu uma
imitação
má, do bello quadro de Velloso
Salgado―
Reflexos. O 220
passavel, a não ser o ar estudioso e pensador de mais, do
menino,
e o 222 a abarrotar de coisas―um pedaço de queijo
stilton, que faz lembrar sabão rajado azul, fructas duras,
vinhos
maus, agrupamento infeliz. O 221 regularmente tocado,
como mancha.
Retrato de El-Rei―carlos reis
João Vaz, n.
os 225 a 237.―Deliciosa
toda a obra d'este
cantor, pelo pincel, da agua.
Inexcedivel artista em marinhas;
com que veneração eu o admiro, e ao seu
savoir faire. Ha
tanta verdade em todos os seus quadros, tanta e tanta luz nas
suas telas, que ao contemplal-as como que se sente o marulhar
cadenciado das ondas.
A pesca da
sardinha, 225, é um
[56]
quadro primoroso.
O barco algarvio,
229, navegando em pleno
mar, parece que se vae afastando pouco a pouco de nós e que
ouvimos o bater, compassado dos remos na agua.
O
moinho
do Barredo, 230, airoso e lindo, batido do sol―e
O Castello
de Montemór, 234, que parece sair
arrogantemente do fundo
d'um azul primoroso, são obras que encantam. Alli, ha o que
se chama faisca artistica, alli ha a nota caracteristica de quem
muito bem conhece a arte de pintar.
Emily Wormsley, n.º 238.―Um largo quadro de flores,
louça da India e metaes. Boa
composição, bem estudado e
bem tocado de côres. Foi-lhe conferida uma
menção honrosa,
bem merecida.
Francisco Xara, n.
os 239 a 240.―As
Papoulas do 239,
fizeram-me lembrar flores de papel de seda feitas por alguma
menina da baixa, em horas d'ocio, entre o crochet e o chá
com
torradas, para enfeitar um chapeu de campo ou algum oratorio
de velhota amiga.
ESCULPTURA
José Simões d'Almeida (Sobrinho), n.º
241.―
Modelo
para uma medalha, bem executado.
Pedro Cartoccio, n.
os 242 e 243.―Fez-me
especial
attenção
o 242,
Juiz de Phyné. Um
ar malicioso de juiz estecta,
definidamente traçado, nas suas bem marcadas linhas,
é uma
bella cabeça lançada com energia e rigorosidade.
Antonio Teixeira Lopes, n.
os 244 a
258.―É sem
discussão
Teixeira Lopes, ao momento, o maior esculptor portuguez.
É talvez o unico que póde affirmar ao paiz e ao
estrangeiro,
que só elle tem o poder de fazer resaltar do marmore ou
do bronze, as suas figuras, tão definidamente perfeitas, que
se
nos afigura terem vida. Notar aqui os seus trabalhos seria fazer
a resenha das suas 15 obras, porque todas ellas se nos
impõem
á admiração, do mesmo modo. No
entanto, magestosamente
solemne, na serenidade do seu ar, sublime na grandeza do seu
pensamento está a figura, da
Historia, 252, para o tumulo de
Oliveira Martins. E o 244,
Santo
Izidoro, n'uma serenidade de
justo, esculpido com um carinho doce; ao olhal-o sente-se
como que, uma unção sublime e casta que nos
convida á
oração. É um trabalho soberbo, as
mãos, o pescoço, a face,
[57]
as roupagens, tudo emfim, é feito com um rigoroso saber. E
os
Velhos, 245 e a
Flora, 246 e o
Bébé, 247, e
todos os outros
trabalhos? Simplesmente soberbos!... Teixeira Lopes é
inegavelmente
o primeiro esculptor portuguez.
Antonio Augusto Costa Motta (Sobrinho), n.º 259.―Uma
Cabeça de estudo, bem
feita.
Jorge Pereira, n.º 260.―
Um typo de
marinheiro, traçado
largamente, sem detalhes de meticulosidade; é na verdade
uma bella cabeça, bem estudada e melhor executada.
ARCHITECTURA
N'este genero nada entendo, sou leigo, perfeitamente
leigo. No entanto lá vae.
Olaia em flor―carlos reis
Antonio Couto n.º 261.―
Casino,
preferia vel-o construido,
pois n'esse caso melhor o gosaria.
Raul Lino, n.
os 262 e 263.―Gostei do 262,
Esboço para
a casa em Azeitão. Talvez, pela
idéa do conforto que se deve
sentir n'aquella casa portugueza, com bibelots caros e mobiliario
de talha e bilros.
Tertuliano Marques, n.
os 264 e 265.―
Projecto
do mausoleu
[58]
a Almeida Garrett.
Não desgostei, acho-o bem estudado.
José Alexandre Soares, n.
os 266 e
267.―Achei airosa
e bem lançada a fachada para o
Club
militar. Deveria depois
de feito ficar uma obra digna do ser admirada aquella
Praça
Publica.
AGUARELLAS
É uma das mais interessantes
manifestações da arte
pinctural, este genero de pintura, difficil na
execução, só se
admitte quando o desenho é muito correcto e a tinta
é dada
em pinceladas certas, frescas e vivas... por isso, o terem-me
agradado pouco os trabalhos expostos. A ver:
Francisco A. Moreira de Almeida, n.
os 268 a
271.―Francamente,
francamente, teem um ar ingenuo de chromo-lithographia.
Bartholomeu Sesinando Ribeiro Arthur, n.
os 272 a
278.―É
a especialidade d'este artista a pintura de costumes
militares e com franqueza, tem-nos, primorosos de
execução, o
que não quer dizer que tambem os não tenha
fracos. N'este
certamen agradaram-me o 273,
Official do regimento do
Maranhão,
feito com muito ar e muito boa luz, destacando soberbamente
no seu arrogante
aplomb, e o 274,
Official de estado
maior, tambem bem trabalhado.
Mademoiselle Helena Eisembart, n.º 279.―
Fructas.
Uns cachos de uvas com a sua folhagem, boa aguarella, muito
fresca, muito leve, transparente.
José Souza Moura Girão, n.
os
280 a
285.―Cá temos
outra vez o grande artista das aves. N'esta
secção brilha elle
deliciosamente. As suas aguarellas correspondem precisamente
ás condições exigidas para a boa
aguarella, côres vivas,
transparencia, e frescura; e tudo isso tem as suas. Notaveis
todas as dos n.
os 280, 281, 282, 284, 285 mas
sobretudo o
Fausto e
Margarida, 280,
Entrando, 282, e
Cantando, 285,
que a meu ver são magistralmente feitas.
Jorge Ianz, n.
os 286 a 295.―Outro aguarelista,
que
nos enche, com a sua côr fulgurante. São bem
manchadas as
suas aguarellas, fazendo-me lembrar, não sei
porquê, as do fallecido
Manuel San-Romão, o artista mais mimoso, que eu tenho
[59]
conhecido, como manchista, Ianz e inegavelmente um artista
de merecimento. São muito bons para mim, os seus 286, em
Toscana, 288,
Impressões de viagem,
292, 293, 294, tres bellas
marinhas, muito bem tratadas, o 295,
Descarga no
Tejo, é admiravel
de execução; a arcada que se vê ao
fundo do quadro poderia,
com honra, ser admittida n'um concurso de architectura.
Alfredo de Moraes, n.
os 296 e 297.―
Costumes
da
Judea. Não quero dizer que estejam maus, mas
fizeram-me lembrar,
Deus me perdôe, (Deus e o artista) os homens das tamaras.
Entre o almoço e o jantar―marques
d'oliveira
Roque Gameiro, n.º 298.―
Retrato
d'El-rei. Aguarella
de difficil execução, mas superiormente tratada,
boa luz, bella
côr, roupagem magnifica, tom de rosto bom. As luvas
são uma
perfeita illusão. É um bom trabalho.
DESENHO
D. Beatriz Alto Mearim, n.º 299.―
Um
estudo, regularmente
traçado.
[60]
Jorge Porphirio, n.º 300.―
Jardim
botanico. Achei-o
palmeirento de mais. Regular.
Candido da Silva Junior, n.º 301.―
Um quadrito com
cinco cabeças. Só me agradaram
as duas feitas a crayon azul.
PASTEL
Não imagine o leitor que eu vou discorrer sobre o effeito
do pastel de fructa, ou de créme, do Baltresqui,
não,
vou fallar do systema de pintar a
pastel―ou por outra, a
crayon de côres, e que por signal não é
lá das coisas mais faceis,
para ser bem feito. Para se trabalhar bem n'este genero
uma das coisas mais necessarias é saber desenho. Que afinal
para se pintar bem o que é preciso é desenhar
muito e bem.
D. Luiza Almedina, n.º 302.―
Retrato de sua
irmã Ilda. N'este trabalho ha varios defeitos,
saltando porém
á vista a
differença da côr entre o rosto, e o
pescoço e collo, que muito
prejudica o effeito do quadro.
D. Beatriz Alto Mearim, n.º 303.―
Estudo.
Uma velhinha.
Regularmente empastado.
Condessa Alto Mearim, n.º 304.―
Estudo.
Este quadro
a meu vêr, devia estar no catalogo na
secção dos desenhos.
É bem feito, vê-se que esta senhora não
descura a base principal
de pintura.
D. Maria Luiza Alto Mearim, n.º 305.―
Um
estudo. As
mesmas considerações expandidas para o
n.º 304.
Leopoldo Batistini, n.º 306.―
Cabeça de
estudo. Magnifica
de empastamento doce e finura de traço, penna é
que encha
tão por completo o quadro. Um pouco mais de margem
e seria para mim muito mais agradavel á vista.
D. Emilia Adelaide Santos Braga, n.º 307.―
Retrato
de
Cupertino Ribeiro. Trabalho bem feito.
José de Brito, n.
os 308 e
309.―Superiormente executado
o n.º 309.―
O frade.
Frederico Cezar Camara Leme, n.
os 310 a
312.―Recortado
de mais o 312,
Ovelhas.
Dá-me a impressão d'estas ovelhas
de cartão e algodão em rama, tendo ao fundo um
vulcão
de theatro, irrompendo bravamente e pondo uma luz forte em
todo o ambiente.
[61]
A chegada da diligencia aos Valles em Ferreira
do Zezere―alfredo keil
Bemvindo Ceia, n.º 313.―
Um velho
operario, regularmente
tocado,
comme ci, comme
ça.
João G. Mattoso da Fonseca, n.
os 314
a 320.―Destacarei
d'este artista o 314.
Retrato de D. M. E.
F., que tem o cabello
e a pelliça magnificamente tratado.
Ninete, 315 regularmente
feito―especialmente o cabello, e pluma do chapeu.
Não gostei do 316,
A
Fé, porque achei a figura com muito
pouca fé, e o 418,
Ao
espelho, em que noto um determinado
abuzo de branco, na cara.
Adriano de Sousa n.º 321.―
Ave
Maria. A carnação
d'esta figura é muito bem tratada, aveludada e macia.
José Malhôa, n.º 322.―
Retrato
de mademoiselle C. R.
É simplesmente delicioso este quadro. Como desenho, como
technica de execução, como
posição de modelo, como tudo
emfim, é sem discutir esse o primeiro trabalho a pastel da
exposição.
Tenho visto muitos trabalhos n'este genero, mas, nenhum
me deslumbrou como este.
D. Antonio Lobo da Silveira, n.º 328.―
Um
estudo, mau.
[62]
Viscondessa de Sistelo, n.
os 324 a
325.―Não tive o gosto
de vislumbrar estes trabalhos na exposição ou
não estavam
lá, ou passaram-me despercebidos, por isso nada direi
d'elles.
GRAVURA
José Simões d'Almeida (Sobrinho), n.º
236.―
Medalha.―Gostei
d'ella.
CARICATURA
Aqui é que é tremer e tremer como varas verdes,
porque,
se estes dois pandegos me descobrem, ainda tenho a
sorte dos caricaturados expostos. Eu, se tivesse pretensões
á
popularidade, bem sei o que fazia: desatava a dizer mal dos
dois e elles, para se vingarem de mim, desenhavam-me ahi
em qualquer jornal burlesco e eu passava á gloria entre as
gargalhadas estridulas do publico e a arrelia das pessoas que
me querem bem. Porque eu, aqui para nós, dava uma boa
caricatura...
Mas não direi mal dos homens, nem bem... direi
só o que sinto... que o primeiro é filho de peixe
e sabe nadar
e o segundo tambem nada menos mal.
Perfilar, que vae passar a patrulha da troça e do chiste.
Manuel Gustavo Bordallo Pinheiro, n.º 387.―Soberbas
caricaturas, que pena é, não virem mais para o
publico, n'esse
Album de Glorias, que tão
estimado é pelos leitores. Aquelle
Chaby está
fulgurantissimo de graça.
Francisco Valenças, n.º 328.―
Typos,
todos elles bons,
mas superior o
Ricardo Jorge,
fazendo-me saltar o riso, naturalmente,
expontaneo.
ARTE APPLICADA
Aqui torce a porca o rabo, ou ainda: o rabo é o peor de
esfolar, como muito bem diz o nosso bom povo nos seus annexins.
E de facto assim é... eis um assumpto em que eu me
vejo assaz embaraçado―arte applicada!... eis uma coisa
[63]
onde vejo um largo campo para entretenimento de damas, a
pintura dedicada de bibelots adoraveis para
boudoirs de luxo.
N'esta secção primam com a sua bagagem artistica
todas as
senhoras que expõem.
Umas mais brilhantemente que outras. Não vos massarei
pois com citações de numeros nem de nomes.
O rapto de Ganimedes―fernandes de sá
Fallarei no emtanto, do n.º 336,
Goblin, do Jorge Ianz,
que na verdade é uma das imitações
mais perfeitas que temos
visto. Bem estudado nas côres, que dão a
impressão nitida de
estarmos em frente de um verdadeiro tecido; só achamos um
poucochinho puxado o preço...
Um conto de réis é dinheiro!
A
Moldura-Luiz XIV, n.º 337, de
José Emygdio Maior,
é bem esculpida, correcta no estylo e no desenho.
[64]
Tambem gostamos do n.º 338,
Modelo para uma
floreira,
é muito elegante de fórma e está feita
com certo mimo. Como
arte nova é acceitavel.
Ah! mas o que eu achei subtil, e vaporoso, foi o leque
exposto por D. Maria Bordallo Pinheiro. Que delicia, que encanto.
Aquella senhora vem de ha muito afirmando o seu
grande gosto artistico e o seu forte temperamento creador.
Que isso não nos admira, mal fora que assim não
succedesse,
pois ella é uma grande artista. Todos os seus,
são verdadeiros
artistas, cada qual no seu genero. Bordallo, o incomparavel
e inimitavel caricaturista; Columbano, o soberbo pintor;
Manuel Gustavo, correcto seguidor dos passos de seu pae,
vae largamente pondo-se a par d'elle, na firmeza e na
correcção
de caricatura.
Mas não é d'elles que eu fallo, é da
rendilheira sublime
que consegue que as operarias de Peniche, façam rendas
tão
finas e tão delicadas, que abertamente se podem
pôr ao pé
d'essas custosas rendas de Bruxellas e de Allençon.
Por isso, aqui lhe significa, este provinciano, que felizmente
já conhecia os seus bellos trabalhos, recordando ainda
hoje ao escrever isto, um lenço formosissimo executado por
D. Maria Augusta, com peixes e mariscos, a sua muita
admiração
pelo seu grande talento.
Notaveis tambem as
Fivellas n.
os
342 e 343, de João
da Silva, que achei bem executadas, não devendo
envergonhar-se
ao pé, das saidas de cinzeladores, como Jerdelet.
Ia-me passando falar d'uma japonesice em trez actos,
que é, como quem diz, em
trez
folhas, d'um
paravent, pintado
por Pigasson Ricot, que, na verdade, não está
feio. Estão bem
copiadas as figuras e os effeitos tirados, não
são maus. Acho-lhes
o mesmo defeito do Goblin de Ianz: é muito caro... para
amadores.
Santo Izidoro―teixeira lopes
Sobre o concurso para a capa do catalogo, nada tenho
que dizer, pois isso era unica e exclusivamente da competencia
da commissão da exposição, que deu o
primeiro premio
ao trabalho de Francisco dos Santos e o segundo a Tertuliano
Marques.
E até que em fim, acabou a massada para o benevolo
leitor.
Desculpe-me, portanto, meu caro redactor, o eu ter estendido
tanto a
massa, como se costuma
dizer, mas desagravel
[65]
me seria, ter promettido falar de todos e deixar passar em claro
algum d'elles.
É
provavel que o publico e, muito especialmente,
os artistas, não tenham gostada
minha prosa, por eu ter dito muitas barbaridades,
mas eu sou assim; o que tenho cá
dentro é para se dizer, bem ou mal, segundo
posso e sei. Mas, se esta minha despretenciosa
prosa lhe agradou, de vez em quando, cá apparecerei
com noticias d'arte, lá do norte, do
Porto, d'essa aldeia trabalhadora e honesta,
para onde vou partir, pois já tenho saudades
d'ella...
Março 1903.
P. S.―As gravuras
d'este e d'outros artigos,
nem todas são copias
dos quadros notados
nos mesmos, mas,
na impossibilidade de
adquirir photographias
d'elles, usei de provas
de quadros dos mesmos
artistas, dando assim a
conhecer ao leitor trabalhos
de artistas de
merecimento e valor.
Guarda arabe―Pastel de s. m.
el-rei
VIII
PINTORES PORTUENSES
† MANUEL SAN
ROMÃO
É com um grande prazer, cheio de saudade, que rapidamente
me vou occupar d'um bello e real talento
de aguarellista,
infelizmente morto.
Manuel San Romão
Quando elle se finou,
sob a dolorosa impressão
que me deixou a sua morte,
não me atrevi a vir a publico,
depor na sua campa
o meu ramilhete de flores,
fazendo a apologia do seu
saber e das suas largas
aptidões para a pintura.
Esperei esse grande acto de
justiça dos outros, dos que
então eram os criticos d'arte
da nossa terra.
Mas, nenhum, nem
um só, compriu com esse
dever e Manuel San Romão
desceu á mudez profunda
do tumulo sem que alguem
viesse dizer que a Arte tinha
perdido um dos seus
filhos mais estremecidos e o mais apaixonado dos seus amantes.
Não me admirou que a critica artistica da nossa terra
[68]
se esquecesse de San Romão, por isso que, o querido morto,
não era d'aquelles que se expunham á
admiração de ninguem;
vivia para os seus trabalhos apenas, dispensando o reclamo
pomposo das gazetas e a vida turbulenta dos
clubs, exempto
de
coteries.
Na Espectativa―Aguarella de
m. san romão
Era talvez um misantropo. Talvez.
Mas, o que inquestionavelmente
elle sempre foi,
era um grande sabedor de
cousas d'arte.
Conheci-o bem na sua
boa intimidade. Era um perfeito
cavalheiro, um verdadeiro
gentleman; cavaqueador
brilhante e fluente fallando
d'Arte com uma tal elevação
e enthusiasmo, com uma tal
proficiencia e um tão grande
saber que, n'essas occasiões,
fazia-nos lembrar um douto
professor preleccionando eloquentemente
sobre assumptos
da sua especial e authorisada
competencia.
Ao ouvi-lo discorrer como
mestre sobre esses mil problemas
intrincados e complexos
da Arte na sua mais ampla
acepção, convenciamo-nos
de que quem fallava não era
um
dilettanti da pintura, mas
um critico justo e sabedor,
um verdadeiro homem do
metier.
Com elle tive longas, longuissimas conversas no seu
confortavel atelier do largo do Viriato, e foi d'alli, talvez, que
me veio este prurido de fallar em artistas e coisas d'arte...
Que saudades tenho d'esse tempo, das magnificas tardes
que passei, em aquelle atelier pequenino e confortavel
como
gabinete d'uma delicada dama,
replecto d'uma suavidade
de luz e n'uma tão artistica
disposição e tão cheio de
flores, que fazia lembrar uma capellinha em festa...
[69]
E capellinha era em verdade, onde a Deusa Aguarella
era venerada, com um respeitoso enlevo, pelo seu sacerdote
querido, por isso que Manuel San Romão era um aguarelista
hors ligne.
Paisagem―Aguarella de
m. san
romão
Para mim, o querido extincto foi
um dos primeiros
aguarellistas portuguezes; a sua maneira especial de manchar
ainda não foi suplantada por mais ninguem. Nem mesmo o
grande pintor Casanova, que foi professor de San Romão, e
que é inegavelmente um mestre na aguarella, nunca conseguiu
dar aos seus trabalhos
aquelle tom especial de mancha
que era uma das grandes
superioridades de Manuel San
Romão. E isto fazia-o elle naturalmente,
instintivamente...
Aquelle modo era o seu, d'ahi
talvez a impossibilidade de ser
igualado.
Depois, San Romão dava
aos seus trabalhos uma tal frescura,
uma tal transparencia e
uma tal suavidade de cores, que
as suas aguarellas eram como
uma pintura ideal que sempre
nos fascinava.
E como elle desenhava!...
Attestavam bem o seu estudo
do desenho as pastas carregadas
de trabalhos feitos por elle...
Muitos d'esses desenhos
tenho-os eu em meu poder, deliciosos
pedaços dum grande
poema d'Arte...
Pelas gravuras que acompanham
o nosso artigo, perfeitamente
o leitor póde verificar
que as affirmações que fazemos
são, por todos os motivos muito justas e muito verdadeiras.
O
fidalgo antigo é uma
soberba aguarella d'um vigor
de execução e d'uma
correcção inexcedivel de desenho, e o
quadro
No directorio, e a
Paisagem de Santa Maria de Boure,
[70]
e esses pequenos trabalhos, essas lindas figuras de mulher,
essas deliciosas paginas de livros e todos esses desenhos
não
serão manifestações seguras do seu
talento e do seu valor?!...
São! ninguem o
pode duvidar...
Paisagem―Aguarella de m. san
romão
Mas, Manuel
San Romão não
era tão conhecido
do publico como
devera ser,
por isso que elle
não vendia os
seus quadros, dava-os.
Foi ao menos
feliz em não
necessitar de negociar
com o seu
trabalho... Vivendo
na abastança
não fazia
da Arte um negocio,
fazia d'ella
unicamente um
culto intenso e
sincero.
D'ahi os seus
quadros, esses
primores de
aguarella estarem
apenas espalhados
por um
meio restrito de
amigos.
Manuel San Romão não era exclusivamente um
aguarellista,
mas tambem um terrivel
bric-à-braquista.
Collecionava
tudo quanto fosse arte, gravuras, quadros, mobiliario,
faianças e, em especial, livros artisticos.
Era uma delicia visitar a sua moradia... Que encantadoras
cousas, formosos contadores, armarios soberbos de talha
antiga, arcas abarrotadas de gravuras notaveis e, pelas paredes,
quadros assignados pelos mais distintos mestres de pintura.
[71]
No seu atelier, alli, é que elle reunia o que mais
fundamente
lhe fallava á sua alma de artista, as faianças
mais
delicadas, os moveis mais requintadamente artisticos, as revistas
illustradas e os livros mais preciosos. E n'uma
pele
mele deliciosa tudo se agrupava para dar ao atelier a
forma
gentil e suave do gabinete d'uma fina duqueza e o ar sereno
d'uma capelinha em festa.
Que a memoria saudosa d'este morto querido, que foi
um dos mais deslumbrantes aguarellistas portuguezes, me
releve o vir eu hoje, o mais insignificante dos seus admiradores,
tiral-a da modesta indifferença publica para a
expôr á
veneração e respeito de todos aquelles que
vêem nos artistas
alguma cousa de elevado e de verdadeiramente sublime.
1904.
Uma sevilhana―Aguarella de
m.
san
romão
IX
A MULHER ARTISTA
S. M. a Rainha
Ha
dias, n'uma roda onde estavam senhoras, n'uma
conversa larga e em que se debateram varios assumptos,
um houve, que especialmente me prendeu a
attenção. Discutia-se
Arte em
geral, e um dos
homens, cavaqueador
enragé
emerito e apologista
da
não
emancipação da
mulher, desfechou
abruptamente
esta phrase:
«Não posso
admittir que a
mulher seja uma
esculptora ou
uma pintora».
Escusado será
dizer-vos que esta
phrase fez no
grupo o effeito
de um
duche frio
e forte. Após,
porem o choque,
houve, como era de esperar, a reacção, e, como
poderam, os
paladinos
da sala, debateram e rebateram a estranha
declaração,
com factos, n'uma larga demonstração de
erudição e talento.
[74]
Eu fiquei-me callado, esperando melhor occasião para
poder dizer serenamente, sem precipitação, as
considerações
que tinha a fazer sobre tal assumpto.
D. Aurelia de Sousa
E hoje, perfeitamente á
vontade, sem pressões de
especie
alguma nem necessidades de galantear,
vou dizer o que penso da mulher
artista, e como eu teria desarmado
o gracioso se logo me tivesse permittido
dizer-lhe alguma coisa em resposta ao
seu repto.
A mulher é um dos mais perfeitos
trabalhos da natureza, quer vista
sob o lado plastico e physico, quer sob
o moral e espiritual. É como nenhum
outro ente dotada d'um espirito, que,
quando bem educado, se inclina sempre
para o Bello, para o Ideal. Ella,
muito mais do que o homem, deixa-se
assenhorar das impressões, e o seu
coração,
muito mais passionavel que o
nosso, mais facilmente se commove e se
infiltra d'uma doce alegria ou d'uma
saudosa tristeza.
Como nenhum outro individuo
ella descobre e comprehende pequeninos
nadas psychologicos, que passam
despercebidos aos nossos olhos.
Por isso, quando educada e industriada no grande problema
da Arte, deve facilmente adquirir elementos magnificos
para execuções de vulto, e de obras que venham
tocadas
d'uma suave poesia.
Depois, se a mulher tem o direito de dançar e de cantar,
e se lhe admiram as qualidades raras de eximia bordadora,
porque negar-lhe o direito de, tomando os pinceis e o
escopro, pintar, esculpir e indo mais longe mesmo, escrever
livros, cujo encanto será deliciosamente bom? Ora ella canta
e dança desde a origem do mundo e borda desde as eras mais
remotas da antiguidade; portanto, que direito nos assiste a
nós, que caminhamos para o maximo da
perfeição, de evitar
que ella nos dê as manifestações mais
brilhantes do seu ser artistico,
do seu temperamento singular? Impossivel.
Estudo de
creança―Aguarella de s.
m. a rainha
[76]
Isto seria verdadeiramente barbaro!...
Para que ella cante ou dance, só se lhe exige que tenha
talento vocal ou choreographico, tal qual o que se exige ao
homem para os mesmos fins. E, se tal succede e a logica existe,
qual a razão porque durante tanto tempo se puzeram entraves
ao franco estudo da pintura, da esculptura e da litteratura,
ás mulheres?
Bem sei que o canto, a dança e a musica, eram considerados
por todos, como dotes necessarios e sem os quaes
uma senhora não podia briosamente frequentar a sociedade.
Menina que não dançasse, em noite de baile, era
como
flôr sem aroma, que se ficava estiolando em canteiro, d'onde
tinham sido colhidas todas as olorosas rozas e violetas. Havia
pois a necessidade de se aprender a dançar, e todas tentavam
ser eximias no
minuete, na
gavota, na
pavana, na
valsa, na
polka, e no
pas-de-quatre.
Tia Bertha―d. branca assis
Depois
começou a desenvolver-se o gosto pela musica;
as audições de operas nos theatros
de S. Carlos e S. João, a
organisação de escolas particulares
de canto, os concertos onde
era chic apparecer, foram
creando os amadores distinctos
que no Porto e Lisboa teem
affirmado exuberantemente que
n'este nosso torrão, não ha só
bom sol, ha tambem boas gargantas
e bastante talento, (porque
para se cantar bem não
basta só ter uma boa voz é preciso
tambem talento e arte). E
assim appareceram em Lisboa
e Porto as Ex.
mas Snr.
as
D. Maria
Albergaria, D. Laura Gasparinho,
D. Maria Viterbo Ferreira,
D. Carminda Guerra Andrade,
D. Laura Leite, D. Alice Freire
Silva Braga, M.
elle Lidia Oliveira, M.
me
Sarah Mattos, M.
me
Ilda
Blanc, D. Stela Pinheiro, M.
elle Castello
Branco, Condessa
d'Almeida Araujo, Condessa de Proença-a-Velha, D. Maria
Thereza Valdez Pinto da Cunha, D. Carolina Palhares, D.
[77]
Leopoldina Kopke de Carvalho, D. Beatriz Arroyo, D. Izabel
Vallado, D. Elisa Lear, D. Albertina Arnaud, D. Julia Villares,
D. Thereza Wandscheneider, D. Edwiges de Castro, D. Judith
Marques, D. Bertha Leaham Camello, D. Camilla Katzeintein,
D. Margarida Motta, D. Maria Luiza Mourão, D. Idalina
Castro, D. Laura Leite, D. Anna Fins, D.
Conceição Castello
Branco Albuquerque,
D. Margarida
Fernandes Braga,
D. Bertha Arroyo,
D. Julia Pinto
Moreira, D. Olinda
Rocha Leão.
Quem espera desespera―zeó
wauthelet
batalha reis
Mas, tambem
lá estava a necessidade
de apparecer,
de ser notado.
Era preciso cantar
para não ficar
atraz das outras
que apareciam, e
assim se desenvolveu por completo o gosto pelo canto, essa arte
sublime que, como dizia um philosopho, faz um ente transportar-se
ao
sol sem se lembrar de
si.
Com a musica de pianno e rebeca, etc., o mesmo se dava,
era como o canto, um genero de sport artistico. Toda a gente
tocava, mas, era preciso ir mais longe, era preciso tocar bem
para ser notado. Em qualquer parte onde se estivesse, n'uma
sala, havia sempre muitos que podessem exhibir os seus dotes
musicaes, mas, no meio deste mar de tocadores-amadores só
se foram distinguindo os que tinham verdadeiro talento, e
assim se notabilisaram ao pianno: D. Maria Josephina Pacifico,
D. Elisa Baptista Souza Pacheco, D. Ernestina Freixo,
D. Maria de Magalhães, D. Leonor Atalaya, D. Maria Ferraz
Bravo, D. Esther Coelho de Campos, D. Carolina Suggia, D.
Leonilda Moreira de Sá, D. Julieta Vieira Barbosa, D. Elvira
Mattos, D. Maria Julia Brandão, D. Maria Helena Carvalho,
D. Elisa Allegro, D. Bertha Marques Pinto, D. Aurelia Paiva,
D. Maria Augusta Mattos, D. Luiza Margaride, D. Constança
Pinto Moreira, D. Anna Oliveira Ramos, D. Virginia
Suggia.
[78]
Em rebeca: D. Judith de Mello, D. Amelia Marques
Pinto, D. Laura Barbosa, D. Irene Fontoura Madureira, D. Rosalia
Maia, D. Ophelia d'Oliveira, D. Luiza Coelho de Campos.
Em violoncello: D. Guilhermina Suggia.
Em harpa: D. Virginia Viterbo e D. Anna Jane Menezes
de Mattos.
E isto como o canto foi impulsionado, porque era preciso
apparecer com vantagens sobre outros.
Condessa d'Alto Mearim
Com a pintura e esculptura porem
não se dava isso. Os
amadores de pintura só tinham occasião de mostrar
os seus
trabalhos, quando algum d'estes
cabrions
que teem o nome de
possuidores
de albuns, vinha pedir a esmola
d'uma collaboraçãosinha, para esses
repositorios exoticos de coisas
varias e quiçá exdruxulas, onde se
afundaram muitos poetas e se lapidaram
muitos desenhadores.
E os amadores de esculptura?
Esses, nem os havia. E se algum se
dedicava a esse genero da divina
Arte, era tão escondidamente que
ninguem dava por elle.
Mas, sob o impulso grandioso
do desventurado Silva Porto iniciava-se
uma nova era d'Arte. Começaram
de fazer-se exposições na cidade
de Lisboa e na do Porto, exposições
criteriosas que foram o inicio do renascimento da vida
artistica portugueza e o marco milliario do bom gosto e do
aproveitamento de muitos talentos ignorados e de muitas notabilidades
nacionaes.
Promovidas na capital pelo grupo de Leão, esse brilhante
gremio de que fizeram parte Columbano, Ramalho, Malhôa,
Gyrão, etc.; e aqui, por um grupo de artistas e amadores de
Bellas-Artes, sem designação especial de nome,
mas entre os
quaes figuravam Marques de Oliveira, Julio Costa, Marques
Guimarães, Antonio Costa, o saudoso Xavier Pinheiro, Adriano
Ramos Pinto,―as exposições d'arte teem sido
actualmente
realisadas pelo Instituto de Estudos e Conferencias.
[79]
D. Alice Grilo Lima
D'ahi, do agrupamento desses
artistas, e tentados pela
gloria de se ver aplaudidos pela
opinião publica e instigados
pela critica amiga dos jornaes,
fez-se uma como que revolta
no meio da sociedade, que vive
um pouco do espiritualismo
Artistico do Bello, e como que
resaltou uma nova pleiade de
amadores, que tenta a pintura
e a esculptura. No meio d'essa
pleiade resaltam como caracteres
artisticos definidos e
assentes, individualidades cujos
nomes temos que notar e
descrever.
Apparece no alto, como
verdadeira fulguração na arte
de esculpir, a Duqueza de
Palmella, a maior alma de artista
que pode ter uma amadora.
Os seus trabalhos perfeitamente
executados são confirmações
indiscutiveis do logar proeminente que ella deve
occupar entre os que são sacerdotes na sublime arte de Milo.
No Porto, como sacerdotisa emerita d'essa arte, temos a
Ex.
ma Sr.
a D. Joanna
Andressen Silva, de que mais adeante
fallaremos
em artigo especial.
Na pintura, confirma-se o que a principio digo, só se
exige que as amadoras tenham talento, para se lhe poder garantir
o logar ao lado dos homens na transplantação para
a
tela da natureza, em todas as suas variadas
manifestações. E
assim, tanto no Porto como em Lisboa, todos os dias se fazem
novas revelações de senhoras que são
verdadeiros sportwomen
artisticas. E assim notaremos, D. Francisca Furtado, D. Sophia
de Souza, D. Amelia de Souza, D. Julia Molarinho,
D. Lucilia Aranha Grave, D. Olympia Faria de Abreu, D.
Maria Afflalo, D. Alice Grillo Lima, Condessa d'Alto Mearim,
D. Maria Luiza Alto Mearim, D. Branca de Araujo Assis,
D. Constancia Avides, D. Maria Idalina Carneiro, D. Margarida
Costa Romão, D. Josepha Garcia Greno, (fallecida), D.
Herminia Victoria Lagoa, D. Amelia Lamas, D. Izabel Areias
[80]
de Lima Lawer, D. Leopoldina Maia Pinto, D. Maria Teixeira
de Moura, D. Laura Nobre, D. Clotilde Rocha Peixoto,
Viscondessa de Cristello, Zeó Wauthelet Batalha Reis, D.
Margarida
Ramalho, D. Albertina Falker.
E, tudo isto, pela simples razão de haver
exposições,
onde se pode mostrar que se tem aptidões para a pintura ou
para a esculptura, que se tem talento artistico emfim.
Portanto, desde que se tenha esse bello dom natural,
que faz de nós um poucochinho mais do que a vulgaridade,
não acho razão nenhuma para que se queira tirar
á mulher o
direito de publicamente mostrar que é um pouco superiora
ás
outras. Eu, sou d'aquelles que digo: que o saber não occupa
logar, e, que, antes quero ver uma mulher pintar bem um
quadro, do que pintar os olhos e os labios. No primeiro caso
só pode mostrar que a preoccupa o espirito com alguma coisa
donde lhe pode vir honra o louvor, no segundo caso... que
não o preoccupa com nada...
Setembro 1904.
Orchideas―d. alice grilo
X
NOVAS EXPOSIÇÕES D'ARTE
Ao mesmo tempo duas exposições de pintura, uma
organisada
pelo Instituto de Estudos e Conferencias,
outra organisada pelo snr. Lagôa. Estamos em maré
d'Arte, não ha que vêr. Ora eu, que sou um
bisbilhoteiro de
mil diabos, lá fui, n'um d'estes ultimos dias de bom sol,
visitar
as duas exposições.
Boas e más impressões trouxe d'estes certamens e
é o
que muito despretensiosamente direi para diante, conforme o
meu modo de vêr.
Tem, já se sabe o primeiro logar, a
exposição do Instituto,
e tem-no por muitos e variados motivos; entre esses
porque é formada por trabalhos de artistas, se bem que por
lá
andem anichados puros amadores... Mas, isso fica para depois,
para mais larga conversa quando não houver já que
dizer a
respeito dos artistas.
Ao Instituto de Estudos e Conferencias, se deve, em
parte, a ameudação de
exposições d'esta natureza; pena é que
nem todos os nossos artistas comprehendam o quanto isto é
util para elles.
Sente-se por isso alli a falta dos nossos melhores pintores,
e é pena. Não sei, nem tentarei desvendar a
razão porque
os bons artistas não querem concorrer, mas sinto
profundamente
que Salgado, Malhôa, Columbano, Carlos Reis,
Girão, e
outros, se fiquem, lá de longe, sem nos dar o gosto de lhes
applaudir e admirar o talento nas suas varias telas, que são
quasi sempre admiraveis. Talvez porque não encontrem no
nosso meio quem os saiba comprehender ou quem os saiba
pagar, talvez!...
[82]
A exposição, no seu geral, é fraca,
sem interesse (que
barbaro eu sou). A não ser uma meia duzia de telas, o resto
é
insignificante, sem destaque, morrendo pelo... nem sei mesmo
porque... mas
fazendo-nos sentir
a
saudade das
D. Sophia de Sousa
exposições
realisadas no Atheneu Commercial,
ha tantos annos já, e organisadas
por um nucleo de pintores
conhecidos. Isso sim, isso é que foram
exposições onde todos concorriam
cheios d'aquella boa vontade
e d'aquelle enthusiasmo que é peculiar
ás almas novas; que isto não
é dizer que as almas d'hoje sejam
almas velhas, não, são almas novas,
mas formadas pelo systema arte-nova,
tão cheia de curvas e sinuosidades,
que treslouca.
Como de costume, lá fui encontrar
no catalogo nomes dos que
nunca faltam á chamada, honra
lhes seja, Marques d'Oliveira, Torquato
Pinheiro, Candido da Cunha,
José de Brito e Antonio Costa, e
a par d'estes, muitos outros e alguns que começam agora a
apparecer.
D'entre os artistas, que expõem, a meu vêr,
destacam-se
Marques de Oliveira e Candido da Cunha, que são
inegavelmente
os que dão a nota pelo seu modo e pelos seus assumptos.
José de Brito, soberbo no seu pastel
Um
frade, no resto sempre
um tom ingente de nevoa que faz os seus quadros baços.
Torquato Pinheiro, muito bem no
Retrato de meu
filho,
assim como, gostamos d'elle, nos seus―
Fins da tarde
de outomno
e
Rua de Villa Real.
Eduardo Moura, esse pintor, cheio de poesia intensa dos
encantos cazeiros, veio á exposição
com dois quadros que já
lhe conheciamos, mas que por isso não deixarei de os
mencionar,
especialisando para meu gosto o―
Serviço
feito, que
acho primoroso.
Prat, com os seus estudos não foi completamente feliz;
destacam no entanto a
Cabecita de
burro, que me não desagradou.
[83]
Victorino Ribeiro, com o seu―
Esperando um
amigo,
está bem apresentado.
D. Sophia de Souza, regularmente, se bem que se nos
tenha mostrado em outras exposições muito melhor.
D. Aurelia de Souza, com o seu estudo―
Um
africano,
muito bem. Emquanto ao resto dos seus trabalhos achei-os inferiores
ao seu muito talento artistico.
Antonio José Costa, como sempre, o primoroso pintor de
flores, dá-nos umas
Camelias bem tocadas e muito
frescas.
De Julio Ramos, pouco ou nada mais temos a dizer do
que o já temos dito: tem talento e sabe do
metier. A sua
Marinha é para mim o seu
melhor trabalho n'esta exposição.
Marques de Oliveira
Almeida e Silva, esse, parece que
desandou; as suas telas
são demasiadamente recortadas
e esmiuçadas.
Lembrei-me com saudade
de outros quadros seus,
expostos em tempos idos,
como por exemplo, um
Viatico
na aldeia e um
Cabeça
de cabrito.
Augusto Ribeiro, é
um trabalhador incansavel,
produz de mais. Desenha
bem e pinta com certo gosto,
mas pinta muito. Tem
na exposição alguns quadros
de valor e a
Marinha
da Foz,
O atalho ao
sol, são
bons. Como notas typicas
do nosso meio são interessantes
as manchasitas do
Bolhão,
Anjo e dos
Ferros
Velhos.
Francisco Gil, é um
pintor da Figueira da Foz
que tivemos o prazer de
vêr pela primeira vez; os seus trabalhos são
(perdoem-me o
francez)
comme ci comme
ça.
Lago Pinto, é um novo que promette muito e que se
apresenta com vontade de fazer alguma cousa. São muito
[84]
recommendaveis os seus quadros
Fim da
tarde e
Lavadeiras,
em que a agua está bem estudada.
Flores―d. leopoldina
maia pinto
Teixeira
Bastos, é um pintor de Lisboa que veio ao Porto
mostrar-nos que tem talento artistico, dando-nos a impressão
de que vê muito bem. O que especialmente
o torna notado é o
magnifico tom de luz que dá aos
quadros.
Os castanheiros, foi para
mim o que mais me agradou; são
dignos de menção a
Cabeça da
rapariga e
Canto do
Rato.
D. Leopoldina Pinto é uma
amadora distincta.
Carlos Gomes Fernandes,
é tambem um amador que começa.
É provavel, que de futuro
nos dê quadros, que se tornem
notaveis, por emquanto é, a nosso
vêr, um amador que tem vontade
de fazer alguma coisa.
Fallei de todos mas deixei
para o fim Marques de Oliveira
e Candido da Cunha, porque a
meu vêr são os dous pintores que
attestam profundamente o seu
temperamento artistico.
Marques de Oliveira é inegavelmente um mestre e
não
era preciso que eu o dissesse, eu que sou um
zero no nosso
meio critico. Os seus quadros
Cercanias
d'Agueda,
O Combro
e as
Lavadeiras são obras
primas de desenho, de côr e de luz.
Candido da Cunha, poeta triste da pintura, amando a
luz iriada dos poentes, dá-nos quadros maravilhosos,
destacando
como florão da sua corôa de artista a
Hora nostalgica. Não
devemos porém esquecer a sua
Casa
rustica e os seus
Moinhos
em Leça. Ha tambem na
exposição um trabalho d'este artista
que me extasiou. É o retrato da esposa do pintor, feito a
carvão (claro escuro). Trabalho que por si só
bastaria para
n'outro meio, que não o nosso, dar o nome a um artista.
Correcto
de desenho, é superiormente primoroso.
Falta fallar d'um amador, tão distincto que não
pude
fugir ao desejo de lhe reservar um logar mais para o fundo,
[85]
para que fizesse alguma impressão d'elle, ao leitor amigo,
que
tivesse a pachorra de me lêr até ao fim. Refiro-me
a Alberto
Ayres de Gouveia, discipulo de Marques d'Oliveira e que
honra o mestre. Sabiamos de ha muito que este cavalheiro se
dedicava á pintura, mas francamente, julgavamos que elle
fosse um
dellitanti como
A Caridade―teixeira lopes
muitos
outros, que tendo tempo livre,
se entretinha a fazer pequenas
cousas sem valor,
mas, ao comtemplarmos a
sua obra, ficamos confuzo.
Era uma revelação...
Trabalho agigantado o
seu, topando um assumpto
sublime, tal como a
Vida de Jesus. Pintor mystico
com tal pujança nunca
o imaginaramos. Vemos
que elle se sae brilhantemente
da empreza
em que se metteu. Os seus
quadros a
Palavra do Mestre
e o
Christo morto são
verdadeiras obras d'arte.
Figuras estudadas com
cuidado, pousadas naturalmente
sem poses academicas,
tendo vida e verdade,
luz e côr escolhidas
com sciencia; pinceladas
largas e justas eis o que
se encontra n'aquelles
dois quadros.
No seu
Lettre de Colombine,
ha um effeito de
luz admiravelmente estudado.
Mas, Ayres de Gouveia
não é só correcto nos
seus quadros biblicos e de phantasia, é-o tambem quando faz
o retrato, assim podemos dizer que é bom o seu oleo e
retrato
de mademoisselle M. F. A.
E desenhando a pastel ou a claro-escuro, tambem se
[86]
nos revela um verdadeiro artista; são para notar o seu
Apollo
e
Retrato de mademoiselle Allen,
(ambos a pastel)
e cabeça de
estudo, (a crayon).
Mas, não digamos mais nada d'esse amador, que podem
julgar para ahi que eu sou amigo d'elle e vim aqui só para o
elogiar, e eu não quero isso.
Passemos agora rapidamente á esculptura, deixando em
branco as aguarellas, porque francamente não gostamos de
nenhuma.
Em esculptura destaca-se em primeiro logar Fernandes
de Sá com a sua
Cabeça de
Velho e o
retrato do medico Correia
de Barros, este ultimo um trabalho flagrante de
verdade.
D. Joanna Andressen revela-se-nos uma amadora distincta,
pois em pouco tempo fez progressos grandiosos.
D. Albertina Falker: não gostei do seu
Bébé.
Não
sei que lhe achei de mau, talvez a posição
d'aquella cabecita...
Não sei...
Com respeito a arte applicada, só direi, que tenho
visto muito melhor do que aquillo.
E acabou-se a resenha das minhas impressões.
Antes, porém, de fechar este despretencioso artigo uma,
como que nota final.
Eil-a:
Uma coisa urge fazer de futuro em exposições
congéneres.
Destacar em grupos definidos os artistas e os amadores;
a cada um o seu logar.
Poderão mais facilmente ser apreciados os seus trabalhos,
e não teremos ao primeiro relance uma impressão
tão
má. Aproveitam todos mais, os artistas, porque juntos,
ver-se-hão
obrigados a applicar todas as suas aptidões para se
destacarem
uns dos outros: os amadores, no seu modo de fazer um
pouco
gauche, não
terão o confronto dos quadros dos mestres
que, quasi sempre, os esmagam. Assim, ao entrar n'um
Salon
tanto o critico d'arte, como o amador ou o indifferente,
saberá,
logo o desconto que tem a dar aos trabalhos, dos que
começam,
ou fazem arte para entreter e não fará injustas
apreciações.
Este, é o meu modo de vêr e penso bem que os
proprios
artistas me acompanharão n'elle.
Quando porém um amador se impozer pelos seus trabalhos,
como os de Alberto Ayres de Gouveia, então que entre
[87]
desassombradamente no gremio dos artistas e que se sujeite
á critica rigorosa dos que sabem do assumpto.
Emquanto assim não acontecer, estas
exposições não terão
um caracter definido, não terão o ar correcto
d'um verdadeiro
Salon. Dar-nos-hão
simplesmente a impressão da sala
d'um burguez endinheirado, que finge ter gosto pela Arte.
Ahi fica a impressão que me deixou a visita feita
á Exposição
de Pintura do Pateo da Misericordia.
Dezembro de 1902.
Panneaux decorativo
na Sala da Bolsa do Porto
velloso salgado
PINTORES PORTUENSES
Eduardo Moura
José Teixeira Lopes
Candido da Cunha
Julio Ramos
XI
Uma Exposição de Aguarellas
ORGANISADA por AMADORES
N'um dos salões do Palacio de Crystal, acaba de ser
aberta uma Exposição de Pintura, onde o professor
portuense de desenho Joaquim Marinho e suas
discipulas, sujeitam á apreciação do
publico os seus trabalhos.
Joaquim Marinho
Fui, como é meu
costume, vêr a
Exposição, sem a
preoccupação de critico
d'Arte, como um bom
vivant, um
mero collecionador, affeito um pouco a
vêr com os olhos do espirito, além dos
olhos da cara.
Não terei portanto aqui, n'este
modesto
compte-rendu, phrases
empulgantes,
nem sentenças judiciosas sobre
os trabalhos expostos. Modesto será o
meu artigo como modestos são os expositores.
Deixo aos outros, aos que
sabem de tudo, aos que chamam a quadros
a oleo
cromolytographias, essa
extraordinaria
tarefa de dizer muito e retumbante,
sem dizer nada.
Fui, como disse acima, vêr a Exposição
e gostei; entre os quadros expostos
ha alguns que destacam, como manifestações de
estudo
e talento.
Não farei a resenha detalhada d'elles, nada d'isso,
sómente
indicarei os que mais fundamente me impressionaram.
[90]
Estão n'este caso, como decorativos, os apreciaveis
trabalhos
a pastel de Joaquim Marinho,
A
Camponeza, e os de
D. Zulmira Almeida e D. Izolina B. Sá,
Imitações de
azulejos.
São de completa novidade, dando uma nota
Paisagem―Aguarella de
j.
teixeira lopes
fulgurante de boa
concepção e execução. Estas
duas senhoras, entre varios
outros trabalhos, teem mais,
a primeira, duas paisagens
em pastel, magnificas; a segunda,
uma marinha muito
acceitavel.
Ha mais uma
Cabeça
de creança (pastel) de D. Maria
Leonor, que me impressionou
deliciosamente. Esta
senhora expoz tambem dous
outros quadros, (paisagens),
tambem a pastel, muito interessantes.
D. Guilhermina Marinho,
com os seus estudos a
aguarella, revela-se-nos uma
amadora distincta e conscienciosa;
destacarei d'entre elles
os
Recuerdo del Paiz Vicino,
(interessante scena de
bailado em Andaluzia) e
Rapaz de
Aveiro. Primorosos.
D. Maria Joaquina, dá-nos duas pequeninas
impressões
de Vizella, muito interessantes.
Deixei para o fim propositadamente o fallar do professor.
Este, expõe, entre outros, um quadro que eu admiro
pelo modo como está feito. É um trabalho a
carvão de grandes
dimensões e chama-se a
Batalha de
Malmaison. Todo
aquelle céu está bem trabalhado e cuidadosamente
desenhado.
É magnifico.
Tem tambem tres trabalhos a carvão, em madeira, que
são interessantes e apresentam muita novidade. Um d'elles
especialmente
Um boi,
está magnificamente bem feito.
Não me alargo mais n'este meu
modesto
artigo, mas ao
terminar não posso deixar de manifestar aqui o meu applauso
ao iniciador d'este certamen d'Arte, animando-o a que continue
[91]
a mimosear-nos com exposições como esta, que
distrahem
a vista e consolam a nossa alma, farta das ignominiosas scenas,
que vão por esta terra. Aquillo é como um banho
santo
ao nosso espirito enervado e doentio.
Parabens, pois, pela sua exposição.
Novembro de 1900
Cabeça de estudo―Pastel de
josé de brito
XII
PINTORES PORTUENSES
THOMAZ DE MOURA
Eu sou d'estes sujeitos que gosto muito de vêr e de
apreciar tudo quanto de Arte apparece no nosso restricto
meio, e por isso fui ha dous dias até á
Photographia
Guedes, visitar a exposição de quadros de Thomaz
de Moura.
Thomaz de Moura
Conhecia já este
artista d'uma
exposição, que em Lisboa
se realisara, nas salas da Sociedade Nacional
de Bellas Artes e onde elle concorrera com
sete quadros. N'essa occasião e em um jornal
da capital tive occasião de manifestar a
impressão que então recebera dos seus trabalhos.
Hoje, porém, que elle no Porto se
nos apresenta, não é muito, que, mais uma
vez, me occupe dos seus trabalhos, n'uma rapida
noticia, sem philosophia d'arte nem detalhes
de apreciação, mas unicamente n'uma
resenha breve e simples do que vi.
Na sala do nosso amigo Guedes de
Oliveira, esse bello rapaz, amigo dedicado
dos artistas e tão artista como elles, reune
Thomaz de Moura 39 trabalhos, que dão a nota verdadeiramente
accentuada do seu temperamento artistico.
Talvez, porque a sua alma seja d'um contemplativo, ou
d'um triste, ha nos seus quadros um quer que seja de nostalgico
e de sugestivo. Não é d'aquelles pintores que
distribuem,
ás pinceladas, nos seus quadros, as tintas fortes e
vibrantes;
[94]
os vermelhos carmins e ocres amarellos. Não, enche as suas
telas d'umas tintas doces e melancholicas. Depois ha ali muita
paisagem dos paizes brumosos, trabalhos que elle executou lá
por fóra nas suas viagens de estudo. E a paisagem da
França
e da Bretanha, essa paisagem, é muito differente da nossa.
Lá, não se encontra um céu como o
nosso, claro e limpido,
onde as aves passam n'um vôo chilreante de alegria, o sol de
lá, como que apparece envolvido em gaze, não
é retumbante
e claro como o nosso e as tonalidades da
vegetação tem aqui
um forte destaque de frescura que falta n'esses paizes.
E, é talvez d'isso que se sente o nosso artista. Mas,
quando elle retratar a nossa paisagem, esse Minho encantador,
então, vel-o-hemos accentuar perfeitamente as nossas
côres e
nosso tom.
Algumas das telas apresentadas já são da nossa
paisagem,
mas, vistas um pouco ainda com a vista habituada ao
cinzento das paisagens bretãs, d'ahi o não terem
a nitidez
accentuada da paisagem portugueza.
D'entre todas essas telas destacarei para mim como a
mais subtilmente inspirativa―
Christo lamentando
Jerusalem,
de linhas definidas embora, em esquicio, de uma
concepção
bella, d'um effeito sentimental e de uma suave expressão.
Os cuidados de mãe, que
eu já conhecia, são um estudo
de interior que revela muito saber e muita
observação.
O fim da tarde, delicioso poente,
onde o céu tingindo-se
de vermelho, dá ao quadro uma
inspiração suave do quer que
seja de poesia lyrica.
No limiar da porta, bella
cabeça de rapariga, d'um
olhar aveludado e triste, de quem espera por alguem; talvez
pelo seu namorado.
No
Cabeça de rapariga
bretã, ha a mesma serenidade
que no
Limiar.
Um caminho, é um bello
retalho de aldeia, um caminhosito
tortuoso coberto por uma frondosa ramaria. Appetece
descançar um pouco, ali, após um largo passeio.
Os casebres de Alfena,
O lavadouro (Guisec),
Açudes
(Vizella),
Ribeira de Pont
d'Abbé, e mais outros ainda,
são
manchas tocadas com primor e com muita proficiencia.
Os pequenos marinheiros,
é um quadro onde se revela
d'uma maneira accentuadamente definida a
disposição que
Thomaz de Moura tem para a figura. Os dous rapazes estão
[95]
perfeitamente desenhados e sahem da tela accentuadamente.
Ha um quadrosito tambem notavel, é o
Nos
campos, um
pequeno sentado sobre a relva parece desfolhar malmequeres
emquanto ao fundo, sob um traço de luz, pastam dous mansos
bois, é inegavelmente um dos mais apreciaveis trabalhos
expostos.
Mais largo poderia e deveria ser este
compte-rendu da
exposição, mas eu prometti apenas uma ligeira
noticia, e as
minhas aptidões criticas não dão para
mais.
E ao acabar permitta-me Thomaz de Moura, que lhe signifique
n'estas rapidas linhas a magnifica impressão que me
deixou a visita que fiz á sua
exposição.
1904.
Panneaux decorativo na
Sala da Bolsa no Porto
velloso salgado
XIII
AMADORES PORTUENSES
D. JOANNA ANDRESSEN SILVA
D. Joanna Andressen Silva
Sinceramente
e no mais
grato dos respeitos
vou deixar em breves
linhas as minhas impressões
sobre o merito artistico
d'esta illustre senhora, amadora
distincta d'esculptura, illustre
pelo talento e pela fidalguia
do caracter, um caracter
d'oiro, propenso ao bem, cheio
de fé e de bondade.
Eu sei que biographar
um amador é trabalho de certo
folego, muito especialmente
quando o amador é distincto,
como esta illustre senhora;
mas eu não venho com mais
largas ideias que fazer uma
simples resenha dos seus trabalhos,
resenha esta que servirá
ao mesmo tempo de ligeira
nota de carteira da visita
que fiz ha dias ao seu
atelier. A isso, só a isso, me
abalanço, convencido de que
cumprindo um dever de cortezia
[98]
presto ao publico, ao que aprecia as
manifestações d'Arte,
um interessante e util favor.
Não me alargarei em detalhes minuciosos do grande
problema―a
Arte. Rapidamente, aqui
e alli, tocarei aquellas
notas, que veja de mais necessidade ferir, para completo
comprehendimento
do assumpto.
Salão do palacete de
D. Joanna Andressen Silva
N'esta altura, cabia
perfeitamente, como preambulo
a estes
pseudo-perfis,
uma larga tirada sobre
Escolas d'Arte,
Evoluções
da Arte,
Variedade de gostos
artisticos,
Papel moral
da Arte, etc. Não enveredarei
por esse caminho,
deixo esse estudo aos outros,
aos que com mais
direito e mais conhecimentos
possam fallar do
assumpto.
Sou apenas uma
especie de
reporter artistico,
que vem sempre que
d'isso tem occasião, trazer
a noticia d'um amador
que se torna notado, d'um
artista que está em fóco,
d'um atelier que se recommenda pela sua
disposição e pelo
recheio, e d'um
salon que se abre em
exposição de trabalhos
isolados ou
collectivos.
Feitas as precisas explicações, vou dar principio
á minha
singela narração, sem balofas
adjectivações e sem assumir
o ar solemne e grave de
Pater
Magister. Serei simples e
breve como convem aos que escrevem para todos: para os que
se embrenham nos profundos e intrincados problemas sociaes
e artisticos e para aquelles que só sabem ler. Farei
portanto
todo o possivel para que facilmente me faça compreender e
alguma coisa de util, traga, ao fim, em bem da Arte.
[99]
Foi n'uma manhã formosissima, de sol forte e claro que
fiz a minha primeira visita ao atelier da Ex.
ma
Snr.
a D. Joanna
Leheman Andressen Silva.
Ao fundo da Rua Antonio Cardoso, rua que partindo da
formosa Avenida da Boa-Vista, vae findar no Campo Alegre,
fica o sumptuoso palacete onde reside esta talentosa amadora.
A vivenda só em si é um encanto. A bella casa,
circumdada
de formosos parques e jardins, tem um aspecto grandioso e
rico que se impõe. Os jardins e o parque que a rodeiam
são
deliciosos trechos onde as musas predilectas bafejam e inspiram
os menos lyricos a compor deliciosas bucolicas e onde os
menos artistas encontram retalhos de paisagem encantadora e
suggestiva para transplantar á tela.
Canto do Atelier
Eu não posso
fallar d'essa
paisagem adoravel que me
não sinta enlevado pelos
seus encantos naturaes.
Como é bello tudo quanto
d'alli se avista! Como é soberbo
todo esse quadro immenso,
cheio de vida e de
luz, deixando-nos apreciar
por momentos o bulicio da
cidade, a serenidade das
aguas do Douro, que serpeia
lá em baixo, a agitação
continua do mar, cujas
ondas se vem ao longe
n'um revolutear continuo,
e a tranquilidade da vida
aldeã, que se adivinha
com as primeiras casinhas
que se descobrem do outro
lado, no Monte das Chãs!...
Transpostos o jardim
e o parque entra-se
n'uma ampla galeria, onde,
bibelots caros e artisticos se
juntam n'uma delicada confusão
que contrasta com o fino do mobiliario e a riqueza das
tapeçarias.
Apenas alli introduzido, logo me appareceu a distincta
amadora, cheia de attenções e cuidados que
encantam, convidando-me
a visitar o seu atelier. Acedi da melhor vontade e
[100]
caminhei vagarosamente encantado pela conversa fluente e
interessante da illustre senhora que tem a alma d'uma fina
artista e a virtude d'uma delicada e cuidadosa dona de casa.
Busto de mademoiselle
Eliza Andressen
N'essa passagem atravez de todo o
interior formoso e
confortavel da habitação, passagem que fiz com a
religiosa
uncção de quem visita um museu intimo,
tive a grata ventura de pousar a vista em
admiraveis trabalhos de Antonio Teixeira
Lopes, Marques d'Oliveira, Julio Costa,
Julio Ramos, Candido da Cunha e muitos
outros, e entre estes alguns dos mais consagrados
artistas estrangeiros.
E tudo isto, todo este batalhão de
Arte se espalha pela casa, gentilmente,
nos seus logares proprios, n'uma bem estudada
escolha de luz.
Entramos na sala de jantar depois
de termos atravessado o salão de baile.
Maravilhou-me a magnificencia das pratas,
das louças e dos crystaes, mas acima
de tudo a confecção e o estylo do mobiliario.
Avancei uma pergunta:―-«Quem fôra
o auctor d'aquella maravilha? Quem a desenhara?»
E a distincta amadora, sorrindo,
contou-me a historia d'aquella mobilia,
dizendo n'uma adoravel simplicidade que
para a sua execução fizera dous desenhos;
um era aquelle, o outro, mais decorativo, mais cheio de flores,
fôra posto de parte porque seu primeiro marido não
gostara
d'elle.―«E eu tambem», concluiu a illustre
amadora.
Assim devia ser, porque, por mais formoso que o outro
fôsse, aquelle desenho que alli estava, com certeza o havia
de
supplantar, porque é uma verdadeira maravilha de Arte, quer
em concepção, quer em
execução.
Em seguida atravessamos o jardim, onde brincavam os
filhinhos de D. Joanna, e passamos ao atelier. É este
construido
sob a sombra protectora e amiga d'algumas bellas arvores;
banha-o de luz intensissima uma larga janella que lá
do alto se abre para a estrada.
Uma vez alli dentro, analisei detidamente tudo o que lá
[101]
se achava, desde o mais insignificante desenho até
á mais bem
lançada esculptura, desde a mais pequena revista
até ao mais
precioso livro de Arte. E apoz isto, entrei n'um largo inquerito.
Sentados n'uns artisticos escabelos, conversamos um pouco
sobre arte, discutimos escolas e processos, analisamos rapidamente
trabalhos que conheciamos de memoria e por ultimo
fallamos da educação artistica da nossa gente.
N'esta altura
averiguei que D. Joanna desde creança revelara uma
grande disposição para a esculptura.
Busto de mademoiselle
Ramos Pinto
Seu pae, um bom e honrado
negociante allemão, que
viera para o Porto estabelecer-se, pratico como era, costumava
brindar seus filhos com livros de desenho, que mandava
vir d'Allemanha. D. Joanna toda se enthusiasmava
com esses brindes, que collecionava
cuidadosamente e d'onde fazia
copias para estudos, revelando desde essa
epocha uma vocação especial para o desenho.
Quando menina teve como professora
Madame Bizarro, que bem conhecida
foi no Porto pelos seus trabalhos em miniatura
e bordados.
Foi, portanto, sob a direcção d'esta
desenhista correcta e sabedora que ella
começou a seguir verdadeiramente o caminho
da Arte. Depois, foi por algum
tempo para a Allemanha, e ahi, vivendo
na intimidade da familia Katzenstein,
teve occasião de acompanhar muito de
perto e receber mesmo indicações utilissimas
do conhecido pintor Katzenstein, irmão
do Consul d'Allemanha n'esta cidade.
Durante essa epocha D. Joanna amavelmente
pousou para modelo de algumas das
figuras dos quadros d'esse excellente artista,
já por vezes devidamente apreciado
no Porto, por quadros de certo merecimento artistico, que tem
exposto em varios certamens a que tem concorrido.
Com estes dois impulsionadores, Madame Bizarro e
Katzenstein, D. Joanna volta a Portugal, cheia d'uma grande
boa vontade de ser alguma coisa mais do que a vulgaridade
[102]
no nosso meio artistico. E para isso chama para lhe completar
a educação d'arte dous dos mais notaveis artistas
e mais insignes
professores: Marques d'Oliveira, o paisagista sabedor e
poetico e Teixeira Lopes o genial estatuario, cujo nome é
uma
verdadeira gloria da Arte Nacional.
Busto de Mademoiselle
Maria Joanna Andressen
E, recebendo
lições d'um e d'outro com um
aproveitamento
pouco vulgar, D. Joanna revela-se não uma amadora
distincta, mas uma distinctissima artista. Affirmam-no exuberantemente
os seus trabalhos,
internecedores pelo encanto
com que são concebidos e executados.
D'alguns d'esses magnificos
trabalhos vão aqui photogravuras,
pelas quaes facilmente
se vê que aquillo que affirmo
não é senão a sentida
expressão
da verdade. Na photogravura
Recanto de atelier, ha
uma figurita sobre a meza,
maquette de um trabalho em
tamanho natural, e que se intitula
Rapaz jogando a malha,
que é um assombro de bem
executado.
Entre os gessos que ornam
o atelier ha um que merece
especial mensão. É um
Christo na Cruz original do
grande e saudoso Soares dos
Reis.
Nos trabalhos de D. Joanna salientam-se duas
Cabeças
de rapazes, bustos de dois filhos seus, mas dos quaes
por motivos
especiaes não pude obter photographia.
Parecerá ao leitor que quem executa tão bellos
trabalhos
não necessita mais de professor; não o entende
assim D.
Joanna e, n'essas condições, como quer ser tambem
alem de
esculptura uma pintora distincta, ouve e recebe
orientações
e lições do velho Costa, o meu querido amigo
Antonio José da
Costa, o artista que mais linda e sabiamente pinta flores em
Portugal.
[103]
É desnecessario proseguir. Já fica dito o
bastante sobre
as impressões recebidas na primeira visita que fiz ao
atelier
de D. Joanna Leheman Andressen Silva, n'essa manhã
deliciosa, de que conservo as mais gratas
recordações, não só
pelo prazer de avaliar de perto os superiores trabalhos d'essa
illustre amadora, mas muito especialmente pelas preclaras virtudes
do seu caracter delicado e requintadamente attencioso.
Ficarei por aqui, convencido de que a critica sincera e
desapaixonada, dos Mestres d'esta boa terra portugueza, hade
dizer mais e melhor, sobre os meritos artisticos da illustre senhora
a quem acabo de referir-me, quando um dia tiver de
apreciar devidamente os seus trabalhos.
Guarda fiel―antonio
josé da costa
XIV
PINTORES PORTUENSES
ANTONIO JOSÉ DA COSTA
Ha nomes que, em qualquer parte que se pronunciem,
se impõem á consideração de
todos nós.
Antonio José da Costa
O que encima este artigo é um d'elles.
Como homem e como pintor Antonio
José da Costa
deve ser respeitado e admirado.
Como homem porque
é um cavalheiro em
toda a acepção da palavra;
como pintor porque é um
mestre.
É muito grande a
minha ousadia, em tentar
desenhar, n'um pequeno
artigo, uma figura culminante
da pintura em Portugal;
e não vos admireis,
leitores amigos, que eu diga
isto, nem julgueis que,
ao afirmal-o, queira empanar
a gloria de muitos dos
nossos pintores. Não. Se
considero Antonio José da Costa um grande artista,
não quer
isto dizer que o julgue maior que alguns outros, mas simplesmente
accentuar que elle é um dos grandes artistas da pintura
em Portugal.
Para mais ao deante reservaremos o fallar d'esses artistas,
[106]
grandes como este ou talvez ainda mais, mas, cada um no
seu genero.
Rosas e Peonias
antonio
josé da costa
Não quero, nem procuro
saber quando e como é que
Antonio Costa se fez pintor: o que tento é provar que elle
hoje é, em Portugal, um
soberbo paisagista e o
primeiro pintor de flores.
E se conseguir isto
parece-me que terei dado
o meu tempo por bem
empregado. Que o mais
facil e o mais demonstrativo
seria dizer: vêde
esses quadros de que vos
dou a gravura; vizitae
as muitas casas de amadores
onde elles estão espalhados:
vizitae as exposições
onde elles apparecem;
ide ao atelier
do artista e ficareis convencidos
d'esta verdade
indiscutivel.
Mas isso é infelizmente
impossivel; os
amadores que possuem
quadros, com raras excepções,
fazem monopolio
dos trabalhos que
compram, parecendo ter medo que os outros, só de lh'os
verem, lh'os damnifiquem. E o artista mora lá para Bellos
Ares, tão longe do centro da cidade, que, chegados ao seu
atelier, o cançaço seria tanto que não
vos deixaria vêr
com a
devida
attenção, as lindas
coisas que elle vos mostraria.
Descançai pois que eu,―dando-vos, a traços
largos, um
relato da obra do artista―vou privar-vos da fadiga d'essa romagem.
[107]
Para a pintura como para todas as demais
manifestações
da Arte é necessario, em logar primordial, a
disposição
natural do individuo. Não basta só a boa vontade.
Mas quando
esta se alia áquella então tem-se realisado o
supremo ideal, e,
embora diga o ditado que «querer é
poder» n'este caso esse
ditado falha porque muitos artistas conheço eu de muito boa
vontade e que querem chegar a onde vão os mestres e nunca
lá chegam. E porque? Porque lhe falta a
bossa artistica, a
disposição natural.
Outros tempos. (Esboço)―antonio
josé da costa
Ora com Antonio Costa dá-se o caso de elle ter, alem da
sua grande boa vontade, a intuição, a
disposição natural para
a pintura.
É um paisagista, com uma vista perspicaz de observador,
que, ao tracejar um estudo, faz resaltar logo a nota caracteristica
e determinante do assumpto. E ao olhar esse estudo,
no conjuncto de cores e de tons, nós temos a
impressão
completa e perfeita do que elle queria dizer nos seus quadros.
Dous esboços acompanham este trabalho, e ambos demonstram
sobejamente o movimentado assumpto, que nos seria revelado
pelos quadros, se elles tivessem tido completa
execução.
[108]
No primeiro, que chamarei
Outros
tempos e que tem o duplo
interesse de ser um repositorio de figuras conhecidas e muito
populares no Porto, taes como o Dr. Pimentel, pae do escriptor
Alberto Pimentel, o Amorim Vianna,
o professor João
Correia, o pintor
Rezende, o Brown,
No Pinhal. (Esboço)
antonio
josé da costa
etc., que, na janella
e na rua, assistem
ao desfilar do
regimento onde estamos
a vêr perfeitamente
o ar aguerrido
e os jogos malabares
d'esse grupo
de porta-machados
e seu tambor-mór
que, descendo pela
rua da Sovéla abaixo
viram para o seu
lado direito, para a
travessa de Cedofeita,
n'uma cadencia
de marche-marche.
E na massa
quasi informe que
os segue ha a intuição
caracteristica
do grosso do regimento.
No outro, n'um
pinheiral esguio,
onde bate o sol,
veem-se duas figuras por determinar, estando uma com seu
guarda-sol aberto; o terreno é empastado e ha no horisonte
um quer que seja que nos diz que ali é o mar. Mas nada
d'isto está definido, nada disto está executado
e, no entanto,
nós vemos perfeitamente n'aquellas manchas que o quadro
seria assim.
Ora esta particularidade, este modo de fazer os estudos
é que só é peculiar a quem nasceu para
ser artista, e Antonio
Costa é-o e em alto grau.
[109]
Depois, como desenha admiravelmente e possue essa
grande propriedade de saber vêr os motivos a pintar, d'um
pequeno retalho de paisagem, d'uma cancella, d'um casebre
tosco, d'um portão de Quinta, d'um
nada, faz um quadro
que é sempre um encanto. Muitos e muitos são os
seus trabalhos
n'este genero. E mesmo n'aquelles, que a critica não
acha completamente bons, ha sempre alguma cousa, muito
até, que é excelente.
Por acaso tenho aqui na minha frente um jornal de
1893 onde um dos nossos criticos d'arte de mais
cotação no
Porto, diz o seguinte a respeito d'um quadro de Antonio
Costa,
Portaes do Marão:
Camelias―antonio josé
da
costa
«É
um pedaço de pintura feito com
uma sinceridade emovidissima
de sensação e
uma franca acção de pincel;
em toda a obra do
pintor portuense eu separo
esta como a que
melhor denuncía o seu
talento por vezes desigual,
com caprichos de
intermitencia, mas talento
legitimo testemunhado
nos intervalos de superioridade
com um explendido
entono glorioso...»
Ora este attestado
passado ha onze annos
ao meu perfilado é a confirmação
do que venho
dizendo, e como na arte
não é vulgar andar-se para
traz, mas sim cada vez
mais aperfeiçoar-se, cada
vez mais estou na minha,
que, se elle n'esse tempo
era um bom artista, hoje é um grande artista.
Mas, Antonio José da Costa que, alem de pintor, tem o
quer que seja de floricultor, um dia, ao cuidar das suas camelias,
dos seus chrisanthemos e das suas rosas, resolveu, tal
[110]
como as via, transplantal-as á tela, em pintura; e, com o
seu
muito saber e o seu arreigado gosto artistico, começou de
nos dar quadros tão admiravelmente lindos e frescos como as
flores que cultivava, e assim
se fez o deslumbrante pintor
de flores que agora é.
Junquilhos e Camelias
antonio
josé da costa
Ha no espirito de muita
gente que pinta, a crença de
que as flores são de facil execução
e d'ahi esse enxame de
amadores, que nos surge de todos
os lados desatando a copiar
flores dos modelos que a França
e a Allemanha nos exporta
continuamente. E pintam flores...
mas que flores, Santo
Deus!!!!
Para pintar flores é necessario
ter na paleta alem das
tintas fortes e vivas... um certo
quê de orvalho, um pouco
de sol e uma porção de ether,
esse fino fluido que nos cerca.
Ora isto é que só elle tem, só
elle possue.
As suas camellias são tão
frescas e tão carnosas que temos
a impressão de que, se as
tocassemos, ellas amareleciam
tal qual as naturaes. Os seus chrisanthemos, na variadissima
e arrevesada forma das suas petalas, parecem sair da tela em
contorneações exoticas, envolvidos no tal ether
em que fallei
mais acima.
E as suas rosas, d'uma frescura e d'uma suavidade unica,
ora aveludadas como seios de mulheres lindas, ora transparentes
como gottas de orvalho, são admiraveis; parece
até
exalarem, em delicias, o aroma que lhes é tão
caracteristico.
Em todas as suas flores emfim, existe o supra-summo
da verdade e da perfeição...
Ao olhal-as não nos julgamos em frente d'um quadro,
julgamo-nos n'um jardim...
[111]
Mas não são só flores que elle pinta
deliciosamente. As
fructas, tambem são
tratadas
por este
artista com o mais desvelado
e carinhoso amor.
Conheço alguns quadros n'este genero que são um
verdadeiro
assombro.
Melhor do que eu porém fallam as gravuras publicadas
no
Portugal Artistico,
reproducção de alguns quadros de Antonio
José da Costa.
E julgo ter assim cumprido o meu dever de homenagem
a um artista respeitado e querido.
1904.
Junto ao Cruzeiro
antonio
josé da costa
XV
EM FRENTE D'UM CARTAZ!...
chronica do "monitor"
Antes de entrar no assumpto da minha Chronica,
duas palavras de desculpa.
Não appareci na ultima semana porque estive
com as
maleitas, um diabo d'umas
febres que apanhei
quando era rapaz e ia brincar para os campos do Cyrne, alli
para os lados do Reymão.
Pois essas
maleitas, vieram
atacar-me traiçoeiramente,
como costumam, e quando eu me dispunha a escrever a Chronica
tive de me enfiar em
vale de
lençoes a tremel-as... Um
martyrio, que nem o leitor imagina.
Unica razão porque Vossas Excellencias se viram livres
da minha proza a semana passada. Hoje, porém, não
escapam.
Estou agora fino como um pêro e muito
bravo.
Portanto, se virem que arranco da espada com valentia,
não vos afflijaes, porque ella é de
cortiça, como era a da
Justiça,
para matar a
Carriça...
Ora pois, como a espada é de cortiça,
não corta, o mais que pode fazer é arrolhar.
Adiante.
No alto d'este arrazoado escrevi eu:―
Em frente d'um
cartaz!...―E sabeis a que cartaz me refiro?
Não sabeis?
Pois ides sabel-o. Ao cartaz executado por Julião Machado
para reclame aos festejos carnavalescos no Porto.
―Porque vai elle dedicar uma Chronica a este cartaz,
perguntarão lá de si para comsigo os leitores?
―Por um simples motivo, meus senhores, porque entendo,
que aquillo está muito longe de ser o que se desejava.
Julião
Machado é, inegavelmente, um bom artista, mas, d'esta
vez, no traba
―Por um simples motivo, meus senhores, porque entendo,
que aquillo está muito longe de ser o que se desejava.
Julião
Machado é, inegavelmente, um bom artista, mas, d'esta
vez, no trabalho apresentado deixou muito a desejar.
[114]
Cartaz―julião machado
Não quer isto dizer que elle
esteja mal feito, mal desenhado, mal
colorido; não, o que quer dizer é
que não era aquillo que se queria.
Que se queria, não digo bem;
que eu queria e a maior parte do
publico.
Aquillo, é um lindo desenho,
para figurar em ponto pequeno, em
uma pagina de revista, na capa d'um
livro, ou ainda dum reclame-programma,
para distribuir nos theatros,
ou na rua.
Finura de traço, cuidado de
desenho, doçura de cores... tudo
alli
ha; mas, faltam-lhe os requisitos essenciaes
para o verdadeiro cartaz:
largueza de traço, côres fortes e retumbantes,
côres, que collocadas pelas
paredes, tilintassem como crystaes
que se partem, retumbassem como
trovões, vibrassem como clarins,
ou refulgissem como o sol.
Acima de tudo isso, era preciso
que tivesse o caracter genuinamente portuguez, que infelizmente
não tem. As figuras passam n'elle como se fossem a
reprodução d'uma festa em pleno Paris―-o
Boi gordo, por
exemplo.
Unicamente, como nota portugueza, no primeiro plano
um busto de
lavradeira, e
lá entre essa multidão apenas um
capote e lenço, como que
querendo fugir para fóra do traço
delimitador do caixilho, talvez embaçado de se vêr
seguido
por tanta gente, que elle nem sabe quem é.
Os nossos mascaras caracteristicos, os
chechés, os
lavradores,
os
bebés, os
gallegos, etc., etc., que davam a
nota definida
do nosso carnaval, esses, fugiram n'um desespero de se
verem amarfanhados n'aquella
pele-mele de mulheres em
maillot, e mascaras que
nós não conhecemos.
Mas a culpa não foi do artista. Elle viu assim o carnaval;
viu n'aquella
cocote fina e
delicada, que o
pierrot leva
sobre o grande bombo, a
Folia
portugueza, e enganou-se!...
[115]
A
Folia portugueza não
é assim tão fina e quasi ingenua, é
muito mais expressiva, mais valente, de gesto largo e de
fundas gargalhadas, atirando um grande punhado de
bombons
ou um
bouquet de violetas, com ar de
quem não está a
estudar posições ao espelho,
despreoccupadamente...
No meu entender, Julião Machado não realisou o
verdadeiro
programma.
Depois, ha alli qualquer coisa a mais, e que infelizmente
me entristece: é vêr suspensas da mão
da Folia, como se fossem
duas grandes bexigas, as mascaras da Russia e do Japão.
Não acho de grande intuição artistica
aquellas duas figuras
n'aquelle logar. Quando duas grandes nações se
degladiam
n'uma sangrentissima guerra, exquisito é que se aproveite
esse caso para que, como n'um ridiculo de troça, a
Folia atira
sobre a multidão que se diverte com essas duas grandes
figuras.
Mas... adeante; isso nem se discute.
Cartaz
manuel monterroso
O
cartaz ahi está! É o que o publico
póde vêr! Agora,
o que o publico não pode vêr, é o
cartaz que apresentou Manoel
Monterroso, e é pena, porque se o
visse havia de convencer-se de
que este, como ninguem, comprehendeu
qual o verdadeiro caracter
que devia ter o cartaz.
No cartaz d'este distincto
amador, havia de tudo, bello desenho,
côres retumbantes, e verdadeiro
caracter portuguez.
Depois, a concepção era genial,
d'um bello artista.
No seu trabalho, uma verdadeira
caricatura carnavalesca,
revelava-se mais uma vez o seu
espirito fino e observador e o seu
traço caracteristico e definido.
As figuras que elle apresentava,
eram recrutadas no nosso
meio, de genuina originalidade
portugueza. Oh! mas esse não
apparece.
[116]
É que a commissão entendeu que devia premiar os
dois e mandar executar só um. E porque seria isto? Que
entendedores
fôram os que determinaram resolução
tão exotica?
Porque não se fará a
exposição do outro cartaz?
Cumpre ao Club, antes de apparecer em publico com o
seu cortejo, fazer afixar o cartaz de Manoel Monterroso; sem
isso terá dado uma prova de favoritismo, de preferencia a um
artista, com o fim, talvez de amesquinhar outro. E isso não
é de pessoas que dirigem um Club cuja divisa
é―
Pelo Porto!
Que appareça o cartaz de Monterroso, para que o publico
o aprecie tal como elle merece, e para que se não fique
julgando que o Carnaval será palido e desenchabido como o
cartaz de Julião Machado.
E que o artista me desculpe, que eu não lhe quero mal.
Venho unicamente, como um dos mais sinceros amigos do Club
Fenianos Portuenses, pugnar pelo bom nome do mesmo e
pelo interesse do meu querido Porto, que se prepara briosamente
para receber os milhares de forasteiros que ahi virão
assistir ao carnaval, que deve ser maravilhoso.
Janeiro de 1905.
Nota―E o Club,
depois do meu
repto, deixou-se ficar
muito calladinho com o cartaz de Monterroso e não o afixou.
O Janeiro, porém, na
Terça feira de Entrudo, em
illustrações
do dia, deu-o em traço ligeiro. Apesar d'isso, eu, mais
meticuloso
e mais pratico, aproveito esta occasião para fazer inserir
n'este logar os dous cartazes. Assim, o leitor verá a
justiça de
meus dizeres e a sinceridade com que eu tracei estas ligeirissimas
linhas. Elles ahi ficam expostos e o publico que os
julgue como entender.
XVI
NA CRUZ
Quadro de JULIO COSTA
Eis ahi duas singelas palavras que envolvem um grandioso
poema de dôr, porque exprimem o final d'esse
drama de soffrimento que passou Christo.
E o pintor portuense Julio Costa, com o seu muito talento
artistico, conseguiu transportar á tela todo esse
sentimento,
realisando um quadro que por si só bastaria para fazer
um nome, se elle de ha muito não estivesse feito.
Esse quadro, estudado com um carinho adoravel de pintor
de raça, com seus laivos de poeta lyrico, é
admiravel de
execução e representa Christo no momento em que,
erguendo
ao ceu o olhar, dizia:―«Perdoai-lhes, Senhor, que elles
não
sabem o que fazem».
N'uma bem lançada cruz, que se destaca, em todo aquelle
fundo tenebroso da noute tragica do Calvario, pende, deliciosamente
desenhado, e admiravelmente tratado, um Christo que
nos chama o olhar, n'uma contemplação muda de
admiração
e respeito.
Que de cousas sentenciosas se poderiam dizer da sua
execução? Mas para que fazel-o, se o publico
conhece bem o
merito artistico do nosso amigo?
E a Camara Municipal do Porto, que parece querer
agora fazer qualquer cousa de bom a bem da arte portugueza,
acaba de adquirir este bello trabalho, para o museu municipal.
Quando os nossos leitores poderem admirar mais este soberbo
quadro de Julio Costa, hão de reconhecer que a
apreciação
que d'elle faço nada tem de exagerada.
Na Cruz―Quadro de julio costa
1902.
XVII
AMADORES PORTUENSES
D. MARGARIDA RAMALHO
Discipula de JULIO COSTA
Tendo que traçar algumas ligeiras palavras, para as
Notas
d'Arte, a respeito d'uma senhora, que, como
amadora, se torna notavel na pintura, devo pedir
venia, e formando um bello arco com lyrios e rozas enfeitar
esta pagina.
D. Margarida Ramalho
Depois, respeitosamente, com um
certo ar á
Antiga,
pondo um pé atraz, fazer uma
reverencia o mais gentilmente que
possa, e estendendo a minha forte e
grossa mão de trabalhador honesto,
pegar levemente nos dedos finos da
delicada mão d'essa senhora, e levando-a
fidalgamente aos labios,
beijar-lh'a, pedindo-lhe licença para
lhe dedicar duas phrases desataviadas,
n'um pequenino artigo sobre o
seu valor como amadora de pintura.
Ella, sorrindo, naturalmente
dirá que sim, e então eu começarei
a escrever, cheio d'aquelle doce encanto
que nos vem d'esses olhos vivos
e d'um rosto lindo.
E que isto vá sem ar de madrigal, porque estou velho
de mais já para isso, e muito especialmente porque eu
já não
sou só... Adeante!...
[120]
Comecemos pois, nada de perder tempo em rebuscamentos
de estylo.
Dentre a multidão enorme de amadores de pintura,
multidão cujo calculo é impossivel fazer, ha
alguns, não muitos
que merecem especial menção, e que devem passar
n'estas
simples
Notas d'Arte
ao lado dos
verdadeiros artistas, como
affirmação de que o talento, acaba por
não distinguir uns dos
outros.
Não pense o leitor que eu vou transplantar para aqui,
todos os amadores de talento que ha na cidade da Virgem.
Isso seria impossivel.
Vou apenas apresentar-vos uns dous ou tres, com incitamentos
para os outros.
E a aprezentação d'estes amadores, visa a dous
fins:―animar
os alumnos, na esperança de se verem glorificados
um dia publicamente, em lettra redonda e excitar os professores
para que desde que encontrem nos seus discipulos aptidões
para o desenho e para a pintura, ou esculptura, os obriguem
a destacar-se no nosso meio artistico.
Não devem portanto, os que não apparecem n'este
livro,
vêr da minha parte, n'esta falta, o desejo de os
não notar.
Não, não é assim; é que nos
limites d'este volume não
cabem todos, e por isso só aqui aparecem aquelles com quem
mais em contacto estou e de quem mais de perto conheço as
obras.
Se algum dia porém eu voltar a publicar outro volume
como este, então dedicar-lhes-hei uma grande parte d'elle e
alli apparecerão todos os amadores, que o
mereçam, está bem
de ver.
E, não me deixava eu alargar por ahi abaixo em salamalekes
para os amadores da pintura, sem me lembrar, quasi,
que tinha que dedicar estas paginas a uma senhora?
Queira V. Ex.
a desculpar, minha senhora, e
entremos
no nosso assumpto.
―Como foi que eu conheci pessoalmente esta senhora,
que de ha muito conhecia de nome?
Vou explical-o.
Ás noutes reuno-me muitas vezes com o velho amigo
Julio Costa e discutimos muitos e variados casos. Entre essas
conversas muitas vezes nos entretemos a fallar de Arte.
[121]
N'uma d'essas occasiões, discutindo aptidões de
alumnos, Julio
Costa fallou-me largamente d'esta sua discipula, que mostrava
uma disposição especial definida para a pintura.
Era, não uma d'estas senhoras, que se prendeu em simples
bibelotagem d'Arte, mas, que, uma vez dada a estudar,
queria ir para deante.
Julio Costa afeiçoou-se a esta discipula e dedica-lhe
uma especial estima.
Uma noute, depois d'uma d'essas conversas muito vulgares
entre nós, disse-me Julio Costa:―Você sabe,
Lemos,
fallei em si e na conversa d'hontem á minha discipula de
Mattosinhos e manifestei-lhe o desejo que você tinha de
visitar
o seu pequenino atelier.
―E ella que disse?
―Que poderia ir quando quizesse, que bastava eu ter-lhe
dito que tinha vontade que você visse os seus trabalhos,
para immediatamente consentir; que eu, como professor, não
lhe teria fallado n'ella, se não visse que ella tinha
qualquer
pequena coisa que merece apenas só vêr-se. E,
confessava-me
o Julio Costa: dizia isto tão cheia de modestia
tão encantadoramente,
que você deve lá ir e muito breve.
―Pois vou lá no domingo. E fui. Era meio dia, quando
me apeei do electrico, na alameda de Mattosinhos, mesmo á
porta da caza onde mora D. Margarida Ramalho.
A caza, com um doce aspecto de frescura, fica alcandorada
um pouco acima do nivel da estrada, circundada por um
jardimsito bem tractado e onde se ostentam bellas flores.
Das janellas desfructa-se o rio Leça, que indolentemente
se espreguiça, n'um
dulce far
niente, até desaguar lá ao
longe
no mar, em Leixões. E, quasi em frente das janellas, na
alameda,
entre a frondosa ramaria das arvores, a figura de Passos
Manuel impassivel e serena, n'uma atitude de resignado
ante a aluvião de zangãos, que por este tempo de
verão se
encarregam de zumbir de volta d'elle, como os
Passos d'hoje
zumbem em volta da sua
Memoria.
Perdoe-me a gentil senhora, mas ao apear-me do electrico
e ao olhar para aquella figura, fiz estas mesmas
considerações.
Pois bem, logo que cheguei subi ao jardim e bati docemente
á porta. Veio abrir-m'a uma creadita loura, d'um louro
acastanhado.
[122]
Perguntei se D. Margarida estava e entreguei o meu
cartão de visita.
Voltou dentro em pouco dizendo que sim, que podia
passar á sala. Entrei. D. Margarida não se fez
esperar. É uma
senhora nova, baixinha, magrinha e muito loira, interessante
como um lindo
biscuit. Recebeu-me o
mais amavelmente possivel.
Peço-lhe desculpa do meu atrevimento mas o Julio
Costa tinha me fallado d'ella
com tanto interesse, que tinha
immediatamente feito
nascer no meu espirito de
admirador do bello, procurar
ensejo de ir ver os seus deliciosos
quadros.
Castanheira―d. margarida
ramalho
Eram favores, do seu
professor, dizia ella. Mas já
que tinha vindo então sempre
ia mostrar-me os seus trabalhos.
Entrei no atelier, um
recantosinho alegre onde ella
estuda os seus assumptos e
onde os põe em execução, depois
de ter em pleno ar livre,
feito os esquissos e os precizos
estudos.
É no atelier que ella
tem os seus melhores trabalhos, pousados artisticamente pelas
paredes, todos elles com magnificas qualidades de côr.
Aqui, é um quadro representando uma rapariga á
porta
d'uma taverna, com uma assadeira de castanhas, n'um taboleiro,
castanhas já assadas, e n'um cesto ao lado
maçãs. No fogareiro
da assadeira ainda restos de lume. A rapariga, d'uns
doze annos, olhos azues, cabello louro, poderiamos dizer dourado.
Uma expressão dolente, um ar pensativo e triste, talvez,
quem sabe? com receio de que não appareçam
freguezes e ella
tenha que levar tudo aquillo para casa, sem ter apurado vintem.
Por detraz d'ella, vê-se uma grande pipa já vazia,
no fundo
escuro. É um quadro bem tratado, cheio de um intimo
sentimento. Alli, uma
Cabeça de
velho, de barba branca amarellada
e chapeu largo, é verdadeiramente interessante, feito
[123]
com proficiencia, destaca deliciosamente da tela, e sente-se,
que se a aragem passasse um pouco forte, aquella barba ondularia
fluente e suave. Mais alem, n'uma boa e sã frescura,
de moça sadia, uma
Rapariga de Villar
d'Andorinho, com o
seu typico chapeu de maçanetas pretas, irradia vida e
côr.
Cabeça de velho
d.
margarida ramalho
Outros mais ainda, mas como nota
final d'este recinto,
um delicioso quadro que intitularei
Volta da
fonte. Uma rapariga
muito esguia e muito
fina desce uma rampa trazendo
ao hombro um cantaro
cheio de agua e isto por
um sentimental fim de tarde.
Em todos estes trabalhos
se denota uma perfeita
orientação, um serio estudo.
Vê-se que D. Margarida Ramalho
não é uma amadora
vulgar, que se atira inconscientemente
a executar a
pintura, sem primeiro a ter
estudado conscienciosamente.
Alli ha valores, tonalidades,
tons e meios tons, perspectiva,
desenho, arte emfim.
Saí do lindo atelier depois
de demorada vizita, e de
agradavel conversa por onde
pude concluir que havia
já 7 annos que estudava. Subindo a escada, no patamar
encontram-se
os seus primeiros estudos em dezenho, dos quaes destacarei
como mais notaveis um
Perfil de
Mulher e uma
Cabeça
de expressão, de guerreiro. A todos esses
trabalhos liga esta
amadora uma especial predileção. A convite da
illustre amadora
entrei depois no seu
boudoir, cheio
do mais profundo respeito.
Este quarto, mobilado com simplicidade, mas fino gosto,
mereceu a minha attenção porque as suas paredes
são decoradas
delicadamente pela sua habitante.
N'um enlevado sentimento de amor pela Arte, D. Margarida
Ramalho, entendeu e muito bem, que no seu quarto
de dormir ella devia reunir e patentear aos seus olhos alguma
coiza que saindo do seu esforço artistico constantemente lhe
[124]
desse um doce effluvio emotivo e agradavel, e então
traçou
em largos
panneaux, com os seus
finos pinceis, deliciosas artemizias
e frescas e orvalhadas rozas. Um verdadeiro encanto.
Ao tecto deu o collorido azul duma suave atmosphera, como
um vago sonhar do ceu. E sobre a cabeceira do seu leito pintou
uma linda composição d'aquellas bellas
flores―bons dias
e boas noites, dentre as quaes pende um formozo Christo de
marfim.
Quando o quarto estava completamente pintado, D.
Margarida pediu ao seu professor que lhe pintasse alli qual
couza que podesse, dizia ella, dar um ar de grandeza
áquellas
pobres flores. E Julio Costa, querendo ser agradavel á sua
discipula porque vê n'ella uma verdadeira fanatica da Arte,
e muito e muito a estima, pintou então n'um vão
escuro da
janella, um
Fim de tarde. Numa larga
planicie arida e muito
extensa, lá ao fundo, o sol cae, e ao esconder-se deixa um
tom alaranjado, donde saem fortes e espalhados raios dum
vermelho intenso.
E D. Margarida conta-nos tudo isto timidamente. Porque
ella é uma timida. Tem um grande respeito pela Arte e
esse respeito cria-lhe uma indiscriptivel duvida sobre o seu
poder executante d'obras de largo folego.
Fallei-lhe de trabalhos que conhecia de varios pintores
e ella, como que se alterava, quando eu lhe dizia, que a
achava com forças de tentar obras assim, e só me
respondia:
Está enganado, eu sei lá fazer tanto!... E apesar
disso os seus
trabalhos demonstram bem o contrario.
É vulgar, segundo me diz o Julio Costa, ao apresentar-lhe
um assumpto para tractar, ella dizer-lhe: Eu não
faço isso, porque é muito difficil, muito
difficil. Depois,
principia a desenhar cheia dum grande escrupulo, sempre
com medo de errar, chegando ao fim e tendo executado o desenho
e depois a pintura em equilibrio muito estimavel e
mesmo muito notavel.
E ella faz isto tudo, porque admira intimamente a Arte
e é uma doce adoradora do Bello.
Não se atreve ao mais difficil, sem
consideração, sem
respeito, treme ante o mais modesto e o mais singelo trabalho,
e por isso consegue ser notavel entre os amadores de
pintura.
Tinha feito a minha agradavel vizita e ia despedir-me,
[125]
quando ao passar pela sala de visitas notei um bello piano.
Atrevi mais uma pergunta:―Era ella tambem a amadora?...
Era, e executando com talento. Rogada então para se fazer
ouvir, descerrou o piano, passou suavemente os dedos pelo
teclado e soltou lá de dentro um primoroso
Nocturno de
Chopin, que me deixou no espirito a nota viva do seu
grande
amor á Musica. D. Margarida é uma
virtuose doublé de
pianista
e pintora.
Disse-lhe adeus, e ao saír para tomar o electrico que
me trouxesse ao Porto, abençoava o Julio Costa, que tinha
conseguido que eu passasse duas horas deliciosamente.
Impressão de Paris―candido
da cunha
XVIII
Novos quadros de ARTUR LOUREIRO
I
no seu atelier do palacio de crystal
Os quadros que n'este momento se acham expostos
no
atelier do delicado artista
Arthur Loureiro, devem
ser vistos com attenção, porque esses trabalhos
fazem resaltar rapidamente todo o segredo emotivo. Não
são como certos quadros que
precisam para serem comprehendidos
uma intuição especial
e definida.
Arthur Loureiro
Não, nas telas de
Loureiro logo nos resalta clara
e ridente a verdade, tendo o
grandioso merito de se incutirem
no nosso espirito pelo espectaculo
de linhas e de côres
harmoniosas, de leves sensações,
lembranças e sonhos que se misturam
pouco a pouco com o prazer
da impressão visual.
Arthur Loureiro, inegavelmente,
é um grande artista, e
embora alguem não goste d'isso,
é d'aquelles que aferrado ao seu
trabalho lucta lealmente, sinceramente, na ideia firme e correcta
de mostrar que sabe e que tem fundos recursos para
grandes e luminosos emprehendimentos.
Loureiro, embora o julguem um triste, um melancholico,
[128]
não é d'aquelles que preferem o aroma resinoso
dos bosques e
o perfume das flores, na doçura d'um crepusculo, na hora em
que a nossa alma sobe tristemente ás regiões do
ideal, e que
os objectos se descoram e a paisagem toma uma attitude recolhida
e quieta!... Não, elle verdadeiro filho do norte, onde
as raparigas, vermelhas como romãs e os rapazes, valentes
como heroes, cantam poemas sublimes de amor e de luz,
n'uma musica altisonante e harmoniosamente alegre, elle,
ama mais o grande sol de luz intensa e forte e o sussuro que
nos dá a nitida impressão da vida e do trabalho.
E tudo isso se vê nos seus quadros, n'esses cincoenta
trabalhos expostos, que são, como já o disse um
meu collega
da imprensa, como que provas definidas para um concurso de
Arte. Com aquelles documentos, Loureiro affirma que em todos
os generos de pintura é um mestre. No retrato, na paisagem,
na marinha, no estudo d'animaes, no genero decorativo,
em todos elles o nosso artista se nos apresenta verdadeiramente
grande. E senão, á
vol
d'oiseau, rapidamente, vejamos:
Os tigres que anatomia e que
correcção; como se desenha tão
nitida e tão visivelmente o traço de todo aquelle
animal
n'uma postura molle de traição e de
força. Como vemos através
d'aquelle olhar felino e do aveludado da sua garra, a
indole perversa que d'elle se acolhe. E com que verdade
estão
tractados aquelles olhos brilhantes e magoadores, d'um outro,
que por traz do que está no primeiro plano, parecem fitar o
espectador, na esperança de filal-o, n'um salto rapido e
traiçoeiro.
É inegavelmente um d'estes trabalhos que só por
si
fazem o nome laureado a um artista.
Estudo decorativo. Simplesmente
soberbo e encantador.
Entre flores, envolvendo-se n'um veu de gaze transparente e
lucido, sae como uma deslumbrante rosa, toda viço e
frescura,
uma linda creança, encantadora e meiga como um anjo,
tendo na mão uma haste de
flores-
saudades. N'um fundo
rutilante
de luz, como na aureola ridente d'uma fresca manhã
de Agosto, destaca essa linda figura. E como foi desenhada e
como foi executada. Alma de poeta, d'esses poetas que cantam
as manhãs claras do sol e os rostos lindos das raparigas,
foi a que concebeu aquelle quadro e que o executou. Nada
mais...
O retrato do Chico
Anthero.―Perdão, doutor, tratal-o
assim, mas, francamente, quando olhei para o seu retrato não
[129]
pude respeital-o e pedi-lhe que contasse uma d'aquellas suas
historietas. Não contou, mas é tal a
semelhança, tal a expressão,
tão seu aquelle modo e tão psychologicamente
estudado
aquelle quadro que me pareceu mesmo ouvil-o a larachear
e a rir.
Retrato de Sá d'Albergaria―Pintado por
arthur loureiro
É um primor
de execução,
é um assombro
de correcção.
Retrato do
dr. Julio de
Mattos.―Bello
trabalho
feito na
largueza subtil
d'um
quadro d'arte,
não com
a preoccupação
d'um retrato
para
galeria de
definidores
da ordem
terceira, mas
um retrato
intimo, que
temos no
nosso gabinete
de trabalho,
ou no
nosso quarto,
retrato
para nós,
para consolo da nossa alma e dos nossos. Tal é o retrato do
dr.
Julio de Mattos, que incompleto como está, já
mostra que ha-de
ser um quadro tão bello, tão bem feito como o do
Chico
Anthero.
O retrato do dr. Magalhães de
Lemos tambem é um
bello trabalho.
[130]
Ha mais dois retratos de senhora, dois estudos, como
Loureiro lhe chamou, mas que são dous primores. Loureiro
adoptou para os seus retratos uma fórma e um tamanho
especial
o que lhe dá uma gracilidade gentil e meiga, deixem-me
assim dizer.
Em quanto á
Paisagem
muito teria que dizer se podesse
alargar este artigo, mas como me não é possivel
n'este momento,
limito-me a fallar dos seguintes quadros:
Rua do Meio.―Da vulgaridade d'uma
rua, com casas de
um lado e d'outro, e uma egreja no primeiro plano, teve Loureiro
a habilidade de fazer um dos seus para mim mais interessantes
quadros.―E porque? perguntará o leitor. Outro
qualquer o faria...―Mas não fazia. Para isso é
preciso saber-se
vêr e vêr muito bem, conhecer mil pequenas cousas e
transplantal-as
para a tela com uma especial pericia e arte... d'onde
se conclue que aquella rua não é como
não é uma coisa
chata, sem relevo. Aquella rua é um quadro e dos mais
interessantes.
Montanhas da Galliza, Corgo, Monte de Santa Tecla,
Alto de Santo Antonio, Barra de Caminha. Tudo isto
são retalhos
sublimes da natureza, que Loureiro transplantou á
tela com uma verdade flagrante e uma technica segura.
Fecho por aqui este meu despretencioso artigo fazendo
apenas uma leve consideração. Ha no nosso Muzeu
quadros
de quasi todos os pintores portuenses, mas não vimos ainda
lá nenhum de Arthur Loureiro. Agora, como nunca ha
occasião
para que a Camara do Porto, que parece se interessa um
pouco pelas cousas d'Arte da nossa terra, compre um quadro
a Loureiro para o Muzeu Municipal.
E porque não ha-de fazel-o!?... Tem este artista dois
quadros que estão a pedir
transplantação para logar, onde
todos os possam apreciar condignamente e são: os
Tigres ou
Por montes e vales.
Cumpre á camara do Porto este dever de gratidão
para
com o artista distincto, que após 20 annos de ausencia,
volta
a Portugal cheio de Arte a glorificar-nos com os seus trabalhos.
II
ARTHUR LOUREIRO e os seus discipulos
Nada ha que mais me enthusiasme e me anime, do que
saber que ainda ha, quem, dentro da esphera da Arte,
tenha iniciativas e emprehendimentos de coisas
uteis e aproveitaveis, sem mira a vanglorias ou a fabulosos
lucros, unica e exclusivamente pela Arte.
Ha annos, todo eu me enthusiasmei, quando meia duzia
de artistas, homens de lettras e amadores, tentaram crear no
Porto uma sociedade de Arte, que infelizmente, como todas
as coisas uteis, cahiu ao tentar elevar-se; digo mais, morreu
de morte affrontosa ao nascer.
Depois, perante a iniciativa do Instituto de Estudos e
Conferencias, que parecia vir dar a nota correcta de que as
exposições d'Arte seriam verdadeiros concursos de
trabalhos
definidos de artistas, tambem me enthusiasmei, porque imaginei
que, com os elementos de que elle dispunha poderia fazer
muito melhor do que o que tem feito, se bem que tenha
feito alguma coisa.
Apparece depois um sr. Magalhães, que não
conheço,
em communicados nas gazetas, a dizer verdades amargas a
respeito do Palacio de Crystal e a reclamar para aquellas duas
alas lateraes, que foram em tempo bazares, escólas de
pintura,
de lavores femininos, etc., emfim, reclamando o aproveitamento
d'aqnelles dois esplendidos
atelieres em alguma coisa
de util para a Arte... Mas, infelizmente as verdades que o
sr. Magalhães dizia, ficaram perdidas como perolas em
chiqueiro
de porcos, porque a gerencia do Palacio de Crystal
achou mais util tel-os assim vasios, do que aproveitados em
qualquer coisa... Assim, podia em
noites de
spleen, passear
n'ellas, como a sombra do Hamlet, sem tropeçar em qualquer
[132]
coisa que tornasse o Palacio interessante ao publico, mais do
que os macacos e o sr. Vieira da Cruz!... E essa idéa, como
era boa, morreu, n'um significativo desprezo por parte dos
interessados no rejuvenescimento do Palacio de Crystal.
Veio por fim Arthur Loureiro, esse laureado artista que
todos nós conhecemos, pelo seu talento, e lança a
idéa de
uma escóla d'Arte, tal como ellas são no
estrangeiro. Lucta
com mil difficuldades ao principio para poder realisar o seu
plano, e eu ao saber do seu emprehendimento todo me enthusiasmo
um momento, para pensar logo em seguida que a sua
idéia ha-de morrer, como morreram todas as outras. Mas, tal
não succede; Arthur Loureiro se no fundo é um bom
portuguez
e um genuino portuense, vem saturado d'essa convivencia
de vinte annos com os inglezes, gente que tem tanto de
aventureiros como de previdentes. Debaixo d'essa esplendida
orientação Loureiro cria a sua escola de pintura
para senhoras
e não desanima, confiado em
que querer é poder.
Retrato do dr.
Francisco Anthero
arthur loureiro
E hoje é elle
o unico artista que, no nosso
meio, realisa este grande melhoramento,
em prol da Arte: ter
uma escola onde vão os seus discipulos,
n'uma confraternisação
artistica, tomar as sábias lições
que elle lhes dá com a sua proficiencia
e saber.
E, com que arte, e com que
cuidado, elle soube transformar
uma sala fria e desconfortavel
n'um
atelier, que se não
é um
especimen,
é no entanto um delicado
recinto onde o gosto decorativo
do artista se casa perfeitamente
com a severidade das
paredes, onde pousam como scintilantes
fulgurações de genio, trabalhos,
estudos e composições do
professor, de mistura com gessos de estudo.
Fui ha dias ao
atelier-escola,
precisamente no momento
em que terminavam as lições e as alumnas,
fulgurantes
de mocidade e alegria, saiam n'um chilrear que encantava.
[133]
Os cavalletes, espalhados pelo
atelier, eram como sentinellas
que ficavam guardando os logares das discipulas. Passei-os
em revista, cheio de curiosidade e de interesse em notar n'aquelles
esboços as disposições de quem os
tinha executado.
Aqui, desenho dos principiantes, de diversos objectos, taes
como garrafas, jarros, pucaros, etc., e onde elles, emquanto
desenham, vão tendo noções do que
é a perspectiva pratica.
Mais além, estudos de fructas e flores, e entre esses os
d'uma discipula que compõe e applica aos tecidos as flores e
os fructos que desenha e que pinta do natural.
Outros, desenhos de gessos das differentes escolas, grega,
romana e renascença... Mais além,
cópias flagrantes a oleo,
dos modelos vivos e dos costumes populares portuguezes.
Uma verdadeira escola, methodica e definida, onde os
alumnos não copiam os seus trabalhos de modelos que veem
de França ou da Allemanha ás grosas, mas sim do
natural;
estudando desde as mais rudimentares noções de
traços e linhas,
até aos intrincados problemas da perspectiva, sós
por
si, apenas com as indicações do professor.
São tambem para notar as pastas carregadas de estudos
que os discipulos executam em casa, após as
lições, e que são
documentos irrefutaveis do bom aproveitamento d'este systema
de ensinar o desenho e a pintura.
Entre os discipulos de Loureiro, ha um que se torna
notavel, porque com 48 lições apenas, uma cada
semana, tem
feito maravilhosos progressos. D'este discipulo, já eu tive
occasião de fallar, quando em tempo dediquei duas linhas a
uma exposição que Loureiro fez e em que
appareceram alguns
estudos d'elle.
Ha tempos, porém, quando visitei o
atelier-escola, tive
uma boa occasião de vêr de novo trabalhos seus
feitos alli: uma
bella copia a oleo do gesso, correcta de execução
e de desenho
e mais uns trabalhos que elle fizera fóra da escola, em
passeio
d'Arte pelo campo e pela praia. Havia uma marinha bem tocada,
e uma paisagem
delicadamente
pintada e
superiormente
estudada e desenhada, não fallando n'um interessante quadro
de camelias, que me encantou. Talvez porque eu gosto muito
de flores, e aquellas estavam tão frescas, que me fizeram
uma
magnifica impressão.
É elle o sr. Manuel Lucio um dos amadores que, se continuar
assim, mais brilhantemente poderá affirmar o que se
[134]
tem dito de Loureiro: que se é grande como artista,
não o é
menos como
professor.
Mas, voltemos á escola. Tem ella sobre todos os outros
atelieres a grande vantagem de estar
installada nos jardins
do Palacio. Quando a primavera, ridente, enche aquelle recinto
de flores e de sol, cá para fóra, para o ar
livre, vem os
discipulos, e, ou recolhem nas suas telas as flores lindas e frescas
e os pontos de vista deliciosos que d'alli se disfrutam, ou
estudam e pintam pequeninos recantos do jardim variados e
bellos. E tudo isto realisa Arthur Loureiro, não sem largas
e
complicadas difficuldades, que felizmente elle vê cobertas de
bom resultado, se bem que com pouco interesse.
Ao vir-me embora depois de ter dado os meus parabens
sinceros ao professor pela sua iniciativa, pensava em como
aquelle bello recinto do Palacio de Crystal poderia ser aproveitado
para tanta, tanta coisa util, em vez de jazer ignominiosamente
alli, mudo e sinistro como um crime.
E que tudo isso se poderia fazer se quem o dirige, visse
mais alguma coisa do que umas
reles
exposições de flores e
aves e do que umas
festarolas de
arraial com
musica do Zé
da
Gaita e
fogo d'artificio do
Devezas!...
Tigres―arthur loureiro
III
ARTHUR LOUREIRO e a Academia de Bellas-Artes
Ha tempos n'uns bem elaborados artigos da
Voz
Publica,
alguem, que eu não sei quem é, veio apresentar
a ideia de que Arthur Loureiro deveria ser
professor da nossa Academia de Bellas-Artes.
Achei tão acceitavel e tão util para a Academia
essa
ideia, que n'este momento em que me tenho de occupar da
sua exposição de quadros, entendi dever
acompanhar na sua
propaganda quem tão desinteressadamente a apresentou.
Não
é que eu venha a campo combater afincadamente em favor
d'este artista, não, venho só como mero
espectador do grande
palco da vida applaudir quem soube apresentar a ideia.
Arthur Loureiro foi um dos mais distinctos discipulos
das nossas academias de Bellas Artes e tem a sua folha de
bom profissional, resplandecendo de brilho e cheio de gloria
immoredoira.
Não foi no seu paiz natal que elle se completou em
arte, foi no estrangeiro, nas grandes terras onde ser-se pintor
não é uma mera galanteria de gente fina; foi nas
terras onde
se faz da Pintura alguma coisa mais pratica e mais definida
do que entre nós.
Voltou tarde á patria, vinte annos passados sobre o seu
curso. Quer isto dizer, que elle vem mais senhor do
metier do
que aquelles que meramente se demoram lá por fóra
uns tres
ou quatro annos. É certo que muitos que estudaram no
estrangeiro
nem sempre ao voltar veem mais vigorosos e mais
trabalhadores do que quando partiram. Mas elle não.
Arthur Loureiro, foi unicamente para trabalhar e affirmam-no
exuberantemente os cargos que por lá occupou distinctamente,
taes como:―examinador das classes de Arte
[136]
da National Gallery of Victoria, e director e professor de 1.ª
classe dos cursos de Dezenho e Pintura do Presbiteriam Ladier
College em Melbourne, na Australia.
Só no mundo―Quadro de
arthur loureiro
Ora estes cargos dados a um
estrangeiro, a um portuguez,
o que affirmam
é o que o seu
nome era ali conhecido
e que estava á
altura de occupar
esses logares com
toda a hombridade
e todo o saber.
Mas ha mais,
quando terminou o
seu curso em Portugal
foi classificado
para pensonista
em Paris, onde fez
uma larga e profunda
aprendizagem
d'arte.
Concorreu a
muitas e variadas
exposições, onde os
seus quadros foram
sempre apreciados
como mereciam.
Entre esses deveremos
notar como
primordiaes a Exposição
Religiosa
da Belgica onde o seu quadro,
A Visão de
Santo Stanislau de
Kastka, foi acolhido com enthusiasmo por toda a
critica, e
muito especial referencia mereceu ao celebre critico religioso,
l'Albé Moeller. E ainda em
Londres, onde concorreu, a convite,
á Greater Britian Exibition, em 1899 e
foi recompensado
com diploma d'honra e medalha de ouro. Ha pouco foi elle
eleito Academico de Merito da Academia da Victoria, em
Melbourne.
Vê-se bem claro, por tudo isto, que Arthur Loureiro era
considerado e muito, lá fóra, como um verdadeiro
artista que é.
[137]
Estou d'aqui a vêr a balburdia que vae no nosso meio
artistico por estas minhas despretenciosas notas, mas não
são
ellas mais do que o desejo de provar que o homem está
á altura
de occupar um logar de professor na nossa Academia.
Porque estou bem certo de que elle, chamado a dar provas
publicas do seu saber artistico, ellas serão convincentes.
Se elle é um grande artista, não é
menos um grande
trabalhador, incansavel; trabalhando, quer em quadros para
expôr e vender, quer dando lições
áquelles que desejam bem
conhecer a arte de pintar, no seu
atelier, no Palacio de Crystal
Portuense. N'esse mesmo
atelier
já por varias vezes tive
o prazer de visitar exposições organisadas por
elle.
Ali me mostrou elle que embora longe de nós por tanto
tempo, não se deshabituara das côres e da luz da
nossa boa
terra. Não veiu inebriado com o nebulozo da Escocia, com o
cinzento da França, nem com o vermelho violaceo da Italia.
Veiu isento de escolas, preoccupando-se só com o que via
na natureza tal qual ella se apresentava, vibrante de luz
se o sol espadanava rutilantemente no espaço, nebuloso e
triste,
se a nevoa cobria a atmosphera e a paisagem que pintava.
Era como que o executor da verdade tal como ella deve
ser. Era, emfim, um paisagista perfeito e definidamente portuguez.
Pois bem, todos ahi viram as suas recentes
exposições,
e que eu saiba, ainda ninguem amesquinhou o seu muito merecimento;
pelo contrario todos foram á uma a dizer que elle
tinha valor. A critica, que deve ser sincera e justa, não
teve
por onde o atacar, nem veiu dizer d'elle senão que era bom,
por isso a sua entrada como professor de paisagem na Academia
de Bellas Artes, do Porto, deveria ser acolhida por todos
os professores e alumnos com enthusiasmo, se bem que a nossa
Academia não seja para largas
manifestações.
Mas deixemos agora o artista para fallarmos da sua ultima
exposição.
No
atelier de Arthur Loureiro, ha um
não sei que de
conforto que nos prende. Sob a sua direcção
tem-se transformado
aquella fria sala n'um bellissimo gabinete, onde se podem
passar horas e horas admiravelmente bem. Decorado
com simplicidade, mas com um especial
cachet de galanteria
os seus quadros destacam alli maravilhosamente.
[138]
Vou fallar delles, como sei, ou como entendo.
Como nota primordial destacarei o grande quadro, cujo
titulo é
De aldeia em
aldeia e que inspirou ao bello poeta M.
Ricca, esta quadra:
Sob a cruz pesada e feia
Da miseria que a consomme
Corre d'aldeia em aldeia,
Na Via-sacra da fome.
De aldeia em aldeia―arthur
loureiro
É um soberbo trabalho, desenhado com cuidado e pintado
com amor. Uma velhita andrajosa atravessa um trecho
de paisagem, por um caminho encharcado. Que
correcção e
que luz, verdadeira obra prima que um grande mestre não
se envergonhará de assignar.
No pinhal. É um delicioso
estudo de pinheiros, graceis
e altos com a sua coma dum verde
foncé, que parece
sussurrar
com a aragem que passa.
Mar agitado. Agua deliciosamente
tratada e transparecendo
atravez d'ella a penedia que ella cobre. Luz deliciosa
de grande ar.
Vaga quebrada. É um
pequeno quadro em que uma vaga
se espadana como champanhe de encontro a um rochedo.
Com que vigor está pintada essa molle de agua, que n'um
desdobrar vertiginoso e bravo encontra um obstaculo e se desfaz
para o ar, como n'um grito de desespero!
[139]
Retrato de G. Nogueira. Este retrato
é um primor de
parecença e de trabalho. Loureiro poz n'elle um cuidado
especial
e amigo; é uma obra prima.
Nevogilde. Um trecho de paisagem
portuense, muito
sentida, muito nossa.
Padeira de Avintes. É um
delicioso estudo dos nossos
costumes populares. Modelo gracil e airoso como são todas as
nossas lavradeiras, correctamente desenhado, primorosamente
pintado.
Barcos. Um quadrito interessante,
onde ha dois barcos
que parece boiarem docemente nas aguas mansas do rio, sob
um ceu suave d'um azul transparente e bom.
Mais outros quadros ainda, todos elles confeccionados
com mestria; alguns estudos de desenho, cabeças
rigorosamente
estudadas nos seus claros-escuros.
E esta exposição não está a
abarrotar de exemplares,
mas toda ella comporta coisas lindas e boas.
Ao sahir d'ali, vem-se sob a impressão sincera de que
tudo aquillo é nosso, e muito nosso.
Vem-se tão bem disposto, que se fica com o desejo de
lá voltar muitas mais vezes.
Paisagem―arthur loureiro
Flora―Quadro de arthur loureiro
IV
Mais uma visita ao Atelier de ARTHUR LOUREIRO
Eu já disse algures que Arthur Loureiro era um poeta
na pintura e hoje o repito aqui, no desprendimento
sincero de quem o admira pelo seu talento. Os seus
quadros são
bucolicas de
côr e de luz. Ha-os que são como deliciosos
sonetos camoneanos. Ha-os que são verdadeiros poemas.
As pequenas telas veridicamente portuguezas, com a sua
côr e a sua luz d'aldeia, são como cantigas de
namorados entre
os rumorejos do trabalho campestre.
Arthur Loureiro, talvez, porque viveu muito tempo
longe da sua patria, ao voltar, como que tentou, n'um largo
sentimento de amor patrio, desforrar-se d'aqui não ter
vivido
sempre. E n'uma subtileza ideal desenhou e pintou a grande
alma portugueza, desde a Torre dos Clerigos, até ao mais
escondido
recanto do Minho. A sua obra é como que o grito
sentido do filho prodigo que volta ao fim de muito tempo á
casa paterna. E que foi elle senão um filho prodigo da Arte,
que andou por terras estranhas a expandir o seu talento em
grandes manifestações, e que ao voltar, um pouco
abatido da
grande lucta, nos mostrou que, se
alguem o
julgava já um
estrangeiro, a sua alma pulsava no mais sublime enthusiasmo
por tudo o que é nosso, por tudo o que era portuguez, desde
as suas paisagens até aos seus homens.
E agora mais uma vez fallemos dos seus quadros, e dos
do seu discipulo.
Antes porém de entrar na enumeração
dos seus trabalhos
ahi vae uma opinião.
Na occasião em que eu visitava a
exposição entravam
ali um grande pintor portuguez (Souza Pinto), um grande
actor portuguez (Augusto Rosa), e um grande actor francez
[142]
(Coquelin Ainé). Pois estes três cavalheiros
insuspeitos para
todos, depois de larga apreciação aos trabalhos
expostos, quedaram-se
em frente d'um quadro que ha muito está no atelier
A Primavera, e Souza Pinto, esse
artista cujo nome resôa no
estrangeiro como um clarim de gloria nacional na arte de
pintura, disse que se admirava que aquelle quadro ainda não
tivesse sido adquirido para o muzeu nacional como um especimen
de boa pintura e de soberbo desenho.
Tambem eu teria soltado o meu brado de admiração,
se
não soubesse que o Estado e as Camaras não teem
dinheiro para
essas cousas, e só o teem para
festejos
balofos, para
comesainas
opiparas
Pinheiros
arthur loureiro
e para
bolos rendosos aos
afilhados; para mais nada. A galeria
nacional de pintura no Porto
é talvez mais parca do que a
do mais pequeno amador. É uma
vergonha!!...
Adeante, que vamos gastando
muito tempo com considerações
philosophicas.
Pois os quadros expostos
de Loureiro, são 17 novos e uns
8 já vistos.
Dos antigos nada direi senão
que são soberbos, dos modernos,
d'esses alguma coisa mais
escreverei. Entre todos ha um
que me encanta profundamente.
É
O Pinhal!... Um dia
ouvi dizer
a alguem que o pinheiral era
um motivo que não dava nada
na pintura, pela sua fórma, pela
sua côr e pela sua uniformidade.
N'essa occasião, não me quiz manifestar,
eu não sou pintor e não
queria cahir em erro deante de
quem tinha obrigação de conhecer o assumpto
melhor do que
eu, mas, cá para mim mantinha a minha opinião
formada; o
pinheiro presta-se á pintura, a questão
é sabel-o desenhar e
pintar. E Loureiro com o seu quadro
Pinhal veiu completamente
[143]
preencher a minha modesta opinião. Alli, n'aquella
tela esguia, sob a correcção impeccavel de
desenho, erguem-se
uns pinheiros, que parecem balançar sob a pressão
do vento
que passa assobiando na sua ramaria.
A
Feira Nova―É uma
delicada
pochade verdadeiramente
caracteristica do que são as nossas feiras no Minho, sob
barracas de lona branca, que se prendem aos troncos das arvores,
com o borborinho de centos de lavradores e lavradeiras,
acotovelando-se na furia de serem os primeiros a vêr o que ha
alli para vender.
A
Carvalheira―Uma larga arvore de
folhas amarellecidas
que começam a cahir sob o ventinho frio do inverno;
é
deliciosamente estudada.
E a
Desfolhada, e a
Estrada do Gerez (sob a chuva), as
Alminhas e o
Caminho de Besteiros―e todos elles,
emfim,
como são tão verdadeiramente nossos,
tão sentidamente portuguezes,
verdadeiramente minhotos, nos seus verdes inconfundiveis,
na sua luz inimitavel.
Entre as tres
cabeças de
estudo, ha duas de uma velha,
que são um encanto. Traçadas na meticulosidade de
pormenores,
são feitas largamente com pulso de quem é um
verdadeiro
artista.
Além dos trabalhos do mestre, que são como sempre
magnificos, tomando uma das paredes do atelier, estão os
trabalhos
do discipulo, do snr. Manoel Maria Lucio Junior, que
ha unicamente um anno, estuda com Loureiro, desenho e
pintura.
Aos meus collegas da imprensa, como que tem passado
despercebido o trabalho d'este amador, que entra agora no
nosso meio artistico. Ora eu, que inegavelmente sou o mais
incompetente dos apreciadores dos quadros, sempre lhe quero
dispensar duas linhas.
Manuel Lucio é um rapaz da nossa fina sociedade, que
todos nós conhecemos como sendo um dos elegantes da nossa
terra.
Durante muito tempo julguei-o um
bon
vivant, dedicando
unicamente o seu espirito ao talho d'um
veston ou ao
feitio de uma gravata. Um dia, porém, entrando a visitar
Loureiro
no seu atelier-escóla encontrei lá este
cavalheiro dando
lição de desenho. Acabada a aula, Loureiro
mostrou-me trabalhos
de varios discipulos e abrindo uma arca artistica que
[144]
elle ali tem, tirou de dentro varios desenhos e
disse-me:―são
feitos pelo Lucio, é um rapaz de habilidade.―E de facto
os desenhos que elle apresentou, revelavam uma certa
disposição
para a Arte.
D. Adelia Ramos
Discipula de
Arthur Loureiro
Passaram-se tempos, o mestre foi
para fóra e ao voltar
encontrou-se em frente d'um discipulo
que lhe dá honra, porque Manuel Lucio,
dotado d'uma vontade de ferro em conhecer
o methodo de desenho e de pintura
tem trabalhado denodadamente e tem
conseguido com isso e com as bellas indicações
do professor o que muitos com idas
ao estrangeiro não tem conseguido.
Quatorze são os trabalhos expostos
por este intelligente discipulo de Loureiro.
Cinco trabalhos a oleo, cinco pasteis
e quatro desenhos a lapis.
Entre os desenhos notarei
O
Contador,
que é uma prova irrefutavel do modo
como elle interpretou as noções de perspectiva
indicadas; na pintura a oleo notarei
os
Cravos e um retalho de paisagem,
onde as côres e os
tons estão bem achados, resaltando os planos da chateza
vulgar,
propria dos estudos de amadores.
Aonde porém eu admiro a disposição
artistica de Manuel
Lucio é nos pasteis, especialisando uns
Effeitos d'agua,
um
Poente e um
Ceus
nublados.
Innegavelmente o discipulo dá honra ao mestre e o
mestre deve estar orgulhoso por ter achado, quem tão bem
tenha sabido comprehendel-o e tão sabiamente aproveite as
suas indicações. E recebam os dous, mestre e
discipulo a sincera
expressão do meu applauso.
1903 a 1904.
XIX
AMADORES PORTUENSES
MANUEL MARIA LUCIO JUNIOR
Discipulo de ARTHUR LOUREIRO
O Arthur Loureiro é um velho rapaz, pintor d'alma e
manuel lucio no
Atelier de arthur loureiro
coração, trabalhador infatigavel,
cavaqueador
ameno
e interessante,
amigo dedicado, e, acima de tudo
isto, professor
consciencioso
e sabedor.
Ora eu,
que gosto de
passar bem o
meu tempo,
vou muitas
vezes, e especialmente
aos domingos,
ao Palacio
de Crystal,
dar dous
dedos de cavaco
ao Arthur
Loureiro,
no seu delicado e interessante atelier. Appareço alli por
volta da hora e meia. É quando elle acaba de dar
lição ao
Manuel Lucio, que, quasi sempre, quando eu entro ainda lá
[146]
está dentro, com a sua
blouse vestida, paleta em punho,
dando
as ultimas pinceladas no modelo que copia.
Outro dia, copiava elle uma velha; quando entrei, estava
já limpando os seus pinceis e a paleta para se ir embora.
Nas faces de Arthur Loureiro pairava um alegre sorriso
de satisfação.
Que se teria passado de extraordinario para que elle estivesse
tão sorridente?!... Alguma boa nova da familia ausente,
ou grande bem estar na sua delicada saude?!... Talvez as
duas coisas juntas!? Quem sabe?...
―Esperemos os acontecimentos, disse eu commigo, avido,
no entretanto de conhecer o motivo d'aquella intima alegria.
O que fôr soará, pensei, porque o Loureiro com a
sua peculiar
franqueza, não occulta por muito tempo o motivo que
o faz estar assim satisfeito e alegre. E assim foi...
Mal o Lucio saiu, virou-se para mim e sem mais, disse-me,
indicando a porta por onde saira:―É um discipulo que
me ha-de dar honra, podes crer... Tem bastante
disposição e
é muito applicado... Ha-de dar muito se continuar assim, e
se
se convencer que isto de pintura não se aprende em dous
dias.
Queres vêr? E sem esperar resposta levantou o tampo
do seu divan-arca, saccou de lá de dentro uma pasta com
desenhos
e algumas pinturas a oleo, dizendo: são d'elle.
Eram de facto estudos que o Manuel Lucio tinha executado
em casa, longe das vistas do professor, mas sob a
orientação
e as lições que o Loureiro lhe dava, proficua e
sabiamente
aproveitadas.
Era especialmente por isso, porque tinha encontrado,
n'aquelles estudos que n'esse dia o discipulo trouxera á sua
apreciação, a boa vontade, a
applicação e a disposição
natural
de que elle era dotado, que Loureiro alegremente se sorria.
E elle tinha razão. Manuel Lucio, que eu tinha por um
exterior, um balofo, quando o via passar ostentosamente, as
suas sobrecasacas talhadas pelos ultimos figurinos, as suas
gravatas espaventosas e ricas, onde pousavam joias caras e
os seus chapeus altos sempre muito polidos e muito lustrados,
não era o que eu pensava.
Olhava-nos, parecia ter um ar sobranceiro de
enfant-gaté,
ou, como eu costumo dizer portuguesissimamente,
menino
bonito, e sentia-se por elle um quer que fosse, que
obrigava
a pôl-o, com uma certa reserva, na devida distancia a que se
[147]
põem sempre os infatuados, que não valem nada e
que julgam
ser verdadeiras notabilidades. Era um juizo errado aquelle
que eu fazia; reconheço agora que não o conhecia,
e nunca lhe
tinha encontrado nem podia encontrar predicados por que o
admirasse. Estava de sobre-aviso a seu respeito.
Marinha―manuel lucio
Hoje, porém, ponho de
parte essa opinião errada
que
d'elle fazia e isso porque
tendo acompanhado
com grande interesse
os estudos d'esse
discipulo, e o seu aproveitamento
n'aquella
risonha escola d'Arte,
que o bom Loureiro
tem no seu
interessante
atelier dos jardins
do Palacio de Crystal,
e como o reconheço digno
de ser notado entre
os amadores que
n'este momento ha pelo
Porto, vou dedicar-lhe
algumas palavras de incitamento, para que não
esmoreça
na empreza da Arte em que o seu bom gosto e as suas
disposições
artisticas o metteram. Não pense, porém, Manuel
Lucio
que eu vou incensal-o louvaminheiramente; não, vou
rapidamente
em duas leves pennadas dedicar-lhe algumas palavras
de elogio merecido e sincero.
Para isso, soccorro-me de alguns informes que Loureiro
me deu e fallaremos os dous conjunctamente, eu pelo que tenho
visto nas minhas visitas ao atelier-escola, e especialmente
na ultima exposição de trabalhos de discipulos,
elle pelo que
tem apurado do estudo que o discipulo tem feito e de como
tem recebido salutarmente as suas sabias lições.
Comecemos
pois.
Um dia, Arthur Loureiro que tinha aberto ao publico
a sua escola de pintura para senhoras, confiado no bom gosto
que ultimamente se estava desenvolvendo entre as
madames
para esta manifestação de Arte, viu entrar-lhe
pela porta dentro
este rapaz chic, que perguntava se elle quereria dar-lhe
algumas lições de pintura. Loureiro
immediatamente se promptificou
[148]
a isso, mas sob condição que elle
deveria começar
por onde todos devem começar, pelos rudimentos de desenho.
Só n'essas condições o poderia
acceitar como discipulo.
Accedeu o nosso amador immediatamente, pois farto
estava elle de saber que o pouco que tinha estudado com um
soi disant de nada lhe valia e logo
combinaram dar breve inicio
aos seus trabalhos.
Ao principiar estas lições, Manuel Lucio, vinha
cheio de
uma inegualavel boa vontade, um honroso desejo de vir a ser
na pintura, alguma coisa mais, do que as habituaes vulgaridades,
e por isso, pondo completamente de parte as
noções que
recebera de um insignificante professor, que d'isso só tinha
o
nome, pois emquanto ao resto era d'uma nullidade completa,
todo elle se dedicou a estudar e a cumprir as
instrucções que
Arthur Loureiro lhe ia dando.
E assim, foi desenhar, desde os primeiros rudimentos até
á perspectiva, e isto por longas
lições, sem nunca dar mostras
de cançaço ou aborrecimento, pelo contrario
sempre cheio
d'um grande prazer em traçar firme e rapidamente o contorno
e o claro-escuro dos objectos que copiava.
E ainda hoje continua e affincadamente, desenhando todos
os dias, mesmo a fóra dos esboços que fez para os
seus
quadros.
Depois de ter desenhado muito a lapis e a carvão, copiando
gessos e modelos, entrou então no desenho a côres,
(pastel) e fez a paisagem e a figura, isto tudo do natural, e fel-o
com uma tal garridice e um tal desenvolvimento que os seus
trabalhos mereceram os applausos, não só do seu
professor,
mas da critica conscienciosa e honesta de alguns entendidos.
Após isto passou a pintar a oleo, no atelier, e sob a vista
e a conceituosa informação de Loureiro,
lançou á tela flores
que estudou em todas as suas minudencias, sem comtudo fazer
dos seus trabalhos, rendilhados e lambidos quadros.
Não, Manuel Lucio, estudou as flores desenhando-as e
colorindo-as depois nos tons e nos valores que ellas deviam ter.
E emquanto no atelier-escola pintava flores sob a vista
do professor, lá por fora, sósinho, apenas com as
sabias noções
recebidas tentava a paisagem a oleo.
Eram estas algumas das que Loureiro me mostrava, e
de que eu vos dou umas gravuras.
Vieram em seguida os estudos a oleo de gessos, feitos
[149]
com muita consciencia e extraordinaria proficiencia, e hoje
estuda valentemente, como um verdadeiro amador de talento,
o modelo vivo, e ainda ha pouco n'uma exposição
de alumnos
que Loureiro promoveu no seu atelier, elle lá estava com 19
trabalhos a oleo entre os quaes alguns havia que eram verdadeiramente
maravilhosos de côr, de luz e de verdade, e 9 desenhos,
provas irrefutaveis de quanto elle trabalha e do bem
como trabalha.
Mas Manuel Lucio não é só um amador de
pintura consciencioso,
é tambem um burilador de litteratura
hors
ligne e um
entendedor de coisas d'Arte. Deve-se á sua pessoa o prefacio
do Catalogo da 1.ª Exposição de Alumnos
no
Atelier-Escola.
N'esse prologo o nosso perfilado discorre sabiamente sobre as
vantagens de desenhar perfeitamente para bem pintar. São
uma serie de considerações bem feitas e
profundamente estudadas,
que dão a verdadeira orientação do seu
modo de pensar
e proceder n'este genero de
sport
artistico em que se
metteu.
Depois, como tem muita leitura d'Arte, elle reune a um
bello amador, um cavaqueador agradavel e um conhecedor
cheio de saber.
Ahi fica em rapidas linhas o que eu posso dizer do discipulo
de Arthur Loureiro, o bello discipulo que faz honra ao
professor.
1904.
Barra, Foz do Douro―manuel lucio
XX
UMA EXPOSIÇÃO DE QUADROS
do Instituto de Estudos e Conferencias
No louvavel intento de desenvolver a Arte de pintura
entre nós, o Instituto de Estudos e Conferencias,
realisou no pateo da Misericordia mais uma outra
exposição. É pois d'este certamen
artistico que me vou occupar
n'este rapido artigo.
Sousa Pinto
Fui
lá, quando a exposição era vedada
ao publico. Unicamente
ali tinham entrada os socios do
Instituto e os delegados da imprensa, e
por isso muito á vontade me demorei
por lá umas duas horas a analysar.
Só o quadro de Sousa Pinto me
reteve boa parte do tempo. Que aquillo
é, para mim, o que se chama o requinte
da perfeição.
Não abalançarei opinião sobre tal
trabalho, porque me julgo infinitamente
pequeno para discutir obra tão magistral.
Sousa Pinto, tem o seu nome feito,
nome glorioso que se impõe lá fóra,
nos grandes centros artisticos,
como o
Salon, onde os seus quadros
são recebidos
com toda a consideração e premiados com as
melhores recompensas.
E a critica sabia e correcta dos grandes analystas da
Arte, essa critica que é indomavel como a
justiça, tem dito
que elle é um grande, um superior pintor. Gloriosa coisa
é por
isso, para nós, podermos admirar hoje na nossa
despretenciosa
exposição um trabalho de tão
requintada perfeição como o
[152]
Ferreiro de Sousa Pinto. Portanto,
antes de entrar na enumeração
dos trabalhos expostos, consinta a direcção do
Instituto
de Estudos e Conferencias que a felicite por ter, como vulgarmente
se diz, mettido esta lança em Africa; porque Sousa
Pinto não quer sujeitar-se á critica portugueza,
e n'estas condições
foge de apparecer nas nossas exposições.
Mas não nos demoremos mais, sigamos para diante, que
eu vim para lhe fallar do conjuncto da Exposição,
e não só de
um artista.
josé de brito no seu atelier
Aberto pois o catalogo acha-se inscripto como n.º 1 o
snr. Almeida e Silva, que desta vez me convence de que é
um artista. Eu estava mal impressionado com elle, os seus
trabalhos, talvez por muita meticulosidade de acabamento e
pelo recortado das figuras e dos assumptos, tinham o quer
que fosse de oleographico. Mas, n'esta exposição,
elle vem
mais pujante de execução, mais artista. E em
qualquer dos
generos em que se apresenta mostra aptidões definidas. Entre
[154]
esses trabalhos destacarei:
O Rio Pavia no
Outomno,
Manhã
d'Outubro,
Veterano de
Ormuz,
Tranquillidade,
Retrato do
snr. D. Diogo d'Almeida (Reriz). Ha mais alguns
quadros, mas
esses são inferiores.
Crepusculo Matutino―candido
da cunha
Segue-o José de Brito, com dous retratos a oleo de que
não gosto nada. No entanto noto o
Retrato
de Antonio Ramos
Pinto, a pastel, que é muito bem feito, e
as aquarellas, que
apresenta são todas bem tocadas, especialmente umas tres que
são um primor de execução.
As Margens do Leça, (2
quadros),
Caminho de Nevogilde e
Villarinha, especialmente.
Abel Cardoso, com quatro quadros, dos quaes destacarei
o
Tapada. Ha uma portinha vermelha a
destacar na linha
do muro da quinta, que dá uma nota interessante. O retrato
do militar esse, meu Deus, é phantastico.
Candido da Cunha. Sempre o sentimental artista que
desde sempre conheci. Tem tres quadros, qual d'elles o mais
bem feito, sempre com um ar nostalgico do pôr do sol,
que elle tão distinctamente pinta.
O
Crepusculo Matutino é
um delicioso encanto.
Paisagem―Marques d'Oliveira
D.
Alice Grillo, tem tres quadros, um de
Flores, outro
de
Rosas e fructos, e um
Estudo de velha. Para mim os dous
primeiros
são superiores.
As laranjas
são bem pintadas,
de bella côr
e as rosas e os
amores perfeitos,
são lindamente
tocados, d'uma
grande frescura.
Marques d'Oliveira.
Eis um nome
que se impõe
e que sempre que
se apresenta nos
deixa convencidos
de que é um
talentosissimo artista. Nos seus quadros, ha um certo quê que
demonstra a technica superior d'este mestre de pintura. E
embora alguns criticos queiram abocanhar o nome feito d'este
artista, elle supplanta toda essa inveja, que outra cousa
não
[155]
era o que eu ouvi dizer d'elle. Dos quadros expostos, pincelados
de uma fórma correcta e distincta, destacarei o
Rua de
Agueda,
Effeito da
tarde (Agueda),
Cães da
Ribeira,
Espinho,
Effeito da tarde (Espinho), o que
quer dizer que são todos.
Guardando vaccas―eduardo moura
D.
Julia
Molarinho. É
pintora da nova
ala que vae
dando a nota
do seu merecimento.
Os
seus quadros
Cabeça de preto,
Cabeça de
rapaz,
Poente
e
Pochade, são
bem feitos, especialmente
os dous primeiros. Tem mais quadros, que não
me prenderam a attenção.
Eduardo Moura. Apresenta-se com um só quadro, se
bem que pelas suas aptidões deveria ter exposto mais.
É um
trabalho bem feito, digno de ser admirado.
Thomaz de Moura. Com uma
Cabecita de
rapariga regularmente
executada. Ha tambem muito de monotono no
fundo, um azul indefinido.
D. Leopoldina Pinto. Tres quadros de
Flores e
fructos.
Tem um quadro de
Geranios que
está bem tocado, d'uma certa
frescura. Esta senhora é especialista n'esta qualidade de
flores.
Já n'outra exposição apresentou um
quadro de geranios
que era um assombro de perfeição. Os crysanthemos
esses não
são bons. No quadro
Fructos, ha umas uvas bem tratadas,
com
bastante transparencia.
Arthur Prat. É um pintor de côres retumbantes. Os
seus quadros são como fanfarras de luz. Gosto d'elles porque
me dão muito bem a nota estridula e alegre dos campos do
sul. Apresenta dez quadros, alguns d'elles regularmente feitos
e regularmente estudados.
Julio Ramos. Esse paisagista que tanto nos tem encantado
com os seus quadros, apresenta-se tambem d'esta vez
com muita distincção, se bem que me
não prenda a attenção,
como d'outras vezes que tem exposto.
[156]
Carlos Reis. Ora aqui está um pintor que é para
mim
um genial artista. Seguidor dos moldes de Silva Porto, apresenta-se
n'esta exposição com
cinco quadros que são uma maravilha.
julio ramos no seu
atelier
O
Idilio, é uma pintura
deslumbrante.
O retrato de
minha mãe, é tambem um superior
trabalho, feito com toda
a correcção, d'um verdadeiro
mestre.
Augusto Ribeiro, nos
seus quadrinhos
mignons apresenta-se
admiravelmente―até
nem parece o artista de outros
tempos. Agora mais socegado,
mais accentuado, fez-nos a pintura
do nosso Minho em paginas d'album, mas muito bem
feitas.
João Augusto Ribeiro. Com um quadro só, um
Estudo
de velho, primoroso de desenho e de côr,
flagrante de verdade.
Torquato Pinheiro
D. Aurelia de Sousa. Dous
trabalhos
a oleo de que não gosto e um
pastel―
N'um jardim antigo, que
está
muito bem executado.
D. Sophia de Sousa. Apresenta
quatro quadros, dos quaes destacarei
como mais digno de menção a
Paisagem.
É uma verdadeira artista.
Julio Teixeira Bastos. Seis telas
expostas. Destaco
O Melro, como
sendo
a que mais impressão me fez.
Torquato Pinheiro. É com toda
a correcção que se nos apresenta, n'este
certamen, este conceituado artista.
Dos seis quadros expostos notarei como
melhores os seguintes:―
Tarde no
Corgo, correctissimo,
Rua da
Pedreira
e
Crepusculo.
João Vaz. O superior pintor de marinhas, vem á
exposição
com tres quadros que são um encanto, especialisando a
Barra de Lisboa onde a agua
é tratada d'um modo irreprehensivel.―
Barracas
[157]de
Pescadores,
tambem muito bem feito. O
outro―
Margens do Sado, tem para mim
uma nota que o torna
desagradavel: é uma serie de piteiras que dão ao
quadro
um quê de bordado a missanga.
Eurico Ricardo Jorge. Apparece pela primeira vez em
publico e apresenta-se muito bem com o seu estudo a
pastel―
Cabeça
de velho.
José David. Tem algumas aguarellas que estão bem
manchadas.
E nada mais porque já vae muito longe este artigo.
Retrato de Bernardino Reaes
torquato pinheiro
XXI
Uma Exposição de Carneiro Junior
No Pateo da Misericordia
A Exposição Carneiro Junior é mais
uma confirmação
do talento de quem a organisa. Esse bello rapaz,
desde a primeira vez que com elle fallei logo
conquistou em extremo a minha simpathia.
Alma de poeta epico, idealisando sempre, n'um desejo
fremente de ser grande, quadros que prendam e enthusiasmem
quem os vê.
D'esta vez, no seu grande quadro, mais humano e mais
terreno, deve ter sido melhor comprehendido pelo publico que
tem visitado a exposição.
Assumpto de molde a prender bem a alma de todos os
que ainda tem um pouco d'amor á sua patria, é o
seu quadro
uma pagina flagrante de verdade e de movimento, arrancada
á Historia de Portugal. Figuras talhadas em moldes
verdadeiramente
portuguezes, agrupadas flagrantemente em posturas
naturaes, o seu quadro é, innegavelmente, uma bella obra.
A figura altiva, mas sem arrogancia, do hespanhol vencido
que recebe uma corôa de flores para collocar no punho
da espada, como para dizer que não a elle mas sim a ella se
deve qualquer gloria obtida, é bem estudada; e o portuguez,
que respeitosamente offerece como galharda dadiva de simpathia
a mesma corôa, é de soberba
concepção. Era primeira
intenção do artista dar outra
orientação a estas duas figuras,
mas fez bem em ter resolvido assim o problema. A fidalguia da
guerreira Hespanha não podia tomar
posição humilde deante
d'um portuguez illustre e valoroso que tinha a gentileza de
[160]
offerecer-lhe uma capella de flores, que mãos delicadas de
mulher
tinham composto.
Entrega de Evora―Quadro de antonio
carneiro junior
Ha no quadro figuras flagrantes de verdade. Os frades
dão-nos a impressão serafica d'homens que, entre
o latim e o
repasto, não quizeram tambem fugir á
manifestação imponente
que o povo fazia ao guerreiro vencedor.
Os cavallos estão bem estudados especialmente o que
tem a garupa virada ao espectador, cujo tom de côr
dá o verdadeiro
avelulado sedozo de um alazão fogoso e bem tratado.
A neblina que se percebe por entre a porta em arco da
cidade, no seu tom cinzento violaceo tem perfeitamente o tom
do amanhecer dos dias lindos do Alemtejo.
Este quadro, destina-se a ornamentar a escadaria do
sumptuoso palacio do snr. Barahona, d'Evora, um dos homens
que mais tem acompanhado e protegido a Arte nacional.
Destacam-se para mim depois, n'esta exposição, os
retratos.
Ha-os flagrantissimos de verdade taes como o do
Dr.
João Novaes, e do
Antonio
Cruz, esse velho rapaz que conheci
tal qual desde os tempos idos do
Jornal da
Manhã. O retrato
do auctor n'uma postura scismadora e triste, verdadeiro estudo
psycologico da sua individualidade; é soberbo. A figura
distincta e airosa da esposa do seu amigo Alberto d'Oliveira,
[161]
executada á noute sob a luz viva d'um largo candieiro de
petroleo,
é adoravel de côr e de
execução.
No
Retrato da Ex.ma Snr.a
D. Emilia de
Carvalho, executado
com primor e cuidado, ha um ar de ingenuidade deliciosa
e amiga que nos prende. A cabecita da pequenina Rachel,
com os seus olhitos vivos e o seu ar risonho, dá-nos a
tentação de um beijo todo amor, todo candura.
Notei na facção de todos os retratos um
quê do genio de
Columbano, mas um quê bom, sem aquella psychologia profunda
e doentia que o mestre dá ás suas
composições. Carneiro
Junior é a meu vêr mais humano, mais positivo.
Da paisagem destacarei para aqui, como tendo-me dado
mais viva impressão as seguintes:
Rio
Tamega (Amarante),
Crepusculo na montanha,
Leça (estudo),
No bosque (impressão),
O mar,
Um
poente e
Rua do
Bomfim (tarde de chuva), os quaes
são flagrantes de luz e de tom.
O
mar, com o seu fundo em iris
avermelhado é bello e a
Rua do
Bomfim, em tarde de chuva,
na sua meia nevoa, é deliciosa.
Os desenhos para o estudo do grande quadro são magnificos
de correcção e de justeza.
Baixo relevo (Bronze)
antonio
teixeira lopes
Cabeças
estudadas do natural,
nas suas linhas definidas, são primores de quem sabe e
muito da, para mim
difficilima, arte de
desenhar.
Ha na exposição
uma coisa que
me encanta sobre
todas as outras: são
as cabecitas dos filhos
do pintor, desenhadas
a sanguinea.
Não sei se por
ser essa a minha
côr predilecta, se
pelo bem executado
d'ellas. Naturalmente
por ambas
as circumstancias. São retalhos da alma d'esse poeta pintor
que elle copia com um carinho desusado. Já na sua outra
exposição
um dos quadros que mais me enthusiasmou pelo amor
e cuidado com que estava feito foi o retrato da esposa do artista,
[162]
aquelle que tinha uma grande abada de flores. Isto confirma
o que eu penso do homem, um
menager
todo conforto e
carinho. Ponto, porém, que eu não estou aqui a
fazer o retrato
psychologico do artista, mas sómente a resenha dos seus
quadros;
mais nada.
A Procissão―candido
da cunha
Fechando,
vou fallar do
esquisso final para o seu quadro
grande.
Elle chama-lhe um esquisso
definitivo, eu chamo-lhe
um quadro completo. Gosto
d'elle tanto ou mais do que do
grande. Se me permitte, chamar-lhe-hei
a miniatura do trabalho
que é o
clou da
exposição.
Que Carneiro Junior desculpe
este deslizar de cousas a
respeito do seu talento artistico
e da sua exposição.
E, a proposito d'esta e outras
exposições, não será mau
repetir que o meu fim não é
outro senão vêr se se obriga
o publico a interessar-se um
pouco mais por o nosso meio
artistico. Conheci alguns homens cheios de dinheiro e com
pretenções a ter bom gosto, que nunca na sua vida
gastaram
dez tostões, que fosse, em uma pintura, a não ser
na pintura
obrigatoria das portas e das janellas da sua casa. Têm,
quando
muito oleographias ricamente encaixilhadas nas suas salas de
receber.
Pois é preciso que esses homens que podem, venham
ás
exposições, puchem pelos cordões
á bolsa, comprem quadros
aos artistas que levam uma vida de trabalho e de estudo para
nos darem com palpitações flagrantes os retratos
que executam,
e com vibrações de luz e de côr as
paisagens que retalham
da grande Mãe Natureza para telas, que poderemos ter
no nosso quarto de trabalho, recordando-nos pedaços da nossa
querida terra, tão bella de paisagens, tão
deslumbrante de sol.
XXII
Notas ligeiras d'uma Exposição
Maio é o mez das flores, dos poetas e dos artistas. E
a comprovar o meu dizer lá se abriu n'este mez
das graças e das bençãos, a
5.ª
Exposição de Bellas-Artes,
que a prestante aggremiação Instituto
de Estudos e Conferencias, com o seu grande empenho de vulgarisar
entre nós o gosto pela Arte, promoveu.
D. Lucilia Aranha Grave
Como simples
informador d'um limitado publico lá
fui n'essa romagem artistica no primeiro
dia, mas, porque me vi rodeado
por todos os pintores portuenses, não
me atirei a tomar notas, nem a esmiuçar
detalhadamente tudo aquillo.
Dois dedos de conversa a este,
mais dous áquelle, ouvindo opiniões
que passavam no ar, n'um quasi sussurro
de confidencias, não podia o meu
espirito socegadamente fazer a apreciação
sentidamente minha, que eu
queria fazer. Depois, eu tenho a veleidade
de ter opinião, de pensar só... e
não fazer como muitos que se deixam
ir na correnteza do que lhe dizem os
espiritos santos de orelha.
Eu vou sempre umas tres ou quatro vezes ás
exposições
d'arte, e fico burguezmente, como um bom mercieiro, estatico
deante de todos os quadros... em alguns como n'uma
adoração
pelo bem executado, n'outros como n'um pasmo, do arrojo
da concepção e n'outros então,
assombrado, fulminado, ante
a imbecilidade com que elles são feitos. E depois,
serenamente,
[164]
sem
pretenções, nem vaidades, com a franqueza com
que fallaria
a um conhecido de ha muito, venho dizer ao publico a
impressão que tive.
Paisagem―aurelia de sousa
Não
levo a minha franqueza ao ponto de ser descortez
com os artistas
que conheço,
nem a incensar
bajuladoramente
aquelles
de quem sou
amigo: não...
sou um
critico
moderado...
sem
coterie, e
honestamente
independente.
O
vernisage
(eu estou
muito visto em
termos francezes,
não
acham?) esteve este anno, como em poucos, animado de artistas...
O
salon tinha um quer que era de
superior. Os artistas
tinham-se dado ali
rendez-vous...
Aos grillos―julio ramos
Uma coisa faltava para dar
a nota
chic, e fina... eram
os rostosinhos galantes d'algumas
das nossas damas. Se
ellas tem apparecido, poderia
dizer n'este artigo com
aquelle
meu gesto á Augusto Rosa,
que o outro me encontrou, que
a abertura da Exposição tinha
estado muito curiosa, muito
becarre.
Faltaram porém essas
notas estridulas de garridice
das senhoras, mas, em compensação
appareceram por lá magnificos tipos
caricaturaes e
grotescos!... Se até eu
estive lá!!!...
Agradou-me á primeira vista o conjuncto do
certamen,
[165]
se bem que de visita mais demorada, como a que em outra
vez fiz, não trouxe de lá a mesma
impressão.
Ahi está, se eu tivesse feito de afogadilho este artigo
teria dito que a exposição era geralmente boa, e
agora não,
não seria tão pessimista. Recortarei pois do
catalogo alguns
nomes como os de mais destaque.
Em primeiro logar, e affirmando cada vez mais a caracteristica
de um primoroso paisagista, Marques de Oliveira,
com as suas trese telas de paisagem e marinha, e ainda como
affirmativa de que elle toca com o mesmo saber a nota da figura,
uma primorosa
Cabeça de
velha, tão finamente tratada,
tão cuidadosamente desenhada e collorida que me maravilhou.
A seguir vem Candido da Cunha, esse delicioso poeta
nostalgico de pintura, que me suggestiona com os seus quadros,
poentes deliciosos, onde parece que, atravez d'uma doce
tonalidade de aldeia, se ouve o religioso toque das
Avè-Marias.
É Candido da Cunha um d'estes pintores que ao serem vistos
uma vez nos seus trabalhos, deixam ficar na nossa retentiva
o seu modo especial de pintar, para nunca mais se esquecer,
tal é o seu sentimento.
Paisagem―candido da cunha
Torquato
Pinheiro tambem se nos apresenta bem, com
uns nove quadros,
que a
não ser aquelle
seu tom
gris-violete,
tão seu, tão
peculiar, me
fariam uma
mais larga
impressão.
Destacarei
porém as
Lavadeiras
na
levada,
Á vista
do Marão,
Sol de tarde e
Fim de tarde (Real, Porto).
Julio Ramos, tambem nos dá quadros que demonstram
o seu saber, especialmente o
Fim da
tarde, que é, a meu vêr,
um explendido trabalho.
[166]
José de Brito vem á
exposição com dous retratos a oleo,
um pastel e algumas aguarellas. Dos retratos a oleo notei
como bem executado especialmente o de
D. Margarida G.
Oliveira.
Lavadeiras na levada―torquato
pinheiro
O seu pastel―
Retrato do
conselheiro Avides, é um
bello trabalho.
Este artista é
para mim um
dos melhores
desenhistas a
pastel. As suas
aguarellas são
bem feitas,
muito bem feitas.
João Augusto
Ribeiro.―Esse
bello
artista que conheci
como um
dos bons, vem
á exposição com seis quadros.
Destacarei
O Estudo (de troncos),
Depois da chuva,
A
Madrugada, que me parecem affirmar
d'uma maneira categorica que Ribeiro
é um bello artista.
D. Margarida
Costa Romão
Ha ainda Eduardo de Moura com
um quadrinho muito interessante
Um
interior de um aido, onde o assumpto é
estudado com cuidado, e pintado com
saber, dando a confirmação de que este
artista não é uma vulgaridade.
Mais alguns artistas ha na exposição,
mas, para não desviar o espirito
do leitor, nem lhe massar a paciencia,
não me occuparei d'elles, nem dos seus
trabalhos. Não é porque alguns não
mereçam a minha attenção especial,
mas, tenho que dedicar duas palavras
a algumas senhoras artistas, e aos amadores, e se fosse a gastar
muito tempo e espaço, pouco poderia dizer d'estes ultimos.
Quando entrei pela primeira vez na exposição,
logo me
saltou á vista um quadro de
Camelias, que eu julguei ser do
[167]
velho Costa o grande pintor de flores. Aproximei-me e com
surpreza vi que não era d'elle, mas, sim de D. Margarida
Costa
Romão, uma nova que ao apparecer nos diz logo quanto vale.
Mas, não admira, lá diz o dictado:―filho de
peixe sabe
nadar―e D. Margarida Costa é filha de um bello pintor, o
Julio
Costa. Pois esta senhora com os seus tres quadros dá-nos
a impressão sincera de que se continuar, como principia,
ha-de
ser uma grande artista.
D. Alice Grillo Lima. Já muito nossa conhecida como
uma verdadeira artista, tambem d'esta vez se nos apresenta
com muita correcção e saber. São bons
os seus dous quadros
de camelias.
D. Sophia de Sousa, n'esta exposição vem desfazer
uma
desagradavel impressão que me tinha ficado d'uma
exposição
anterior.
Agora, com pujança artistica, apresenta-me seis
quadros,
entre os quaes, com uma garridice soberba digna de nota,
o seu
Ao sol,
Ao Sol―sophia de sousa
que é um
trabalho largo, definido, cheio de luz,
de côr, de transparencia.
Uma
paisagem e o
Margens do
Ave,
são trabalhos
dignos de
menção.
Apparecem
n'esta exposição
alguns
amadores
entre elles,
um com muitos
quadros, o
sr. Hugemin,
que já em
tempos fez
uma exposição
só sua, onde
deu provas
evidentes de
que é um amador-artista
de valor.
Entre as amadoras está a snr.
a D.
Maria Afflalo, que
pela primeira vez expõe os seus trabalhos e que fazendo-o
prova que tem muitas aptidões artisticas e é uma
discipula
que honra sobremaneira o seu professor José de Brito.
[168]
D. Leopoldina Pinto, com o seu quadro
Flores e
fructos,
apresenta mais uma prova do seu saber pinturar.
D. Maria Afflalo
D. Clotilde Rocha Peixoto,
é uma discipula da Academia
de Bellas Artes que se apresenta com um largo quadro
inspirado na deliciosa poesia de Campoamor:
Quién supiera
escribir!
É um amplo trabalho executado
visivelmente com muita e muita proficiencia.
Ha uma das figuras (o padre)
que está traçado com
correcção e muita
propridade.
Poderei affirmar que esta amadora
é uma das novas que mais firmemente
demonstra que ha-de ser uma bella artista.
Ainda figuram na exposição mais
algumas senhoras, taes como: Viscondessa
de Sistello, Condessa de Alto Mearim, D. Maria Alto
Mearim, D. Beatriz Alto Mearim.
A condessa de Alto Mearim confirma de um modo justificado
o seu talento
hors ligne na
confecção
do bello quadro
Poveretta.
José Romão Junior
D. Beatriz Alto Mearim, apparece
com o seu estudo a pastel; tambem lhe
não fica a dever nada. É este seu trabalho
uma prova incontestavel do seu
muito merito artistico.
D. Maria Luiza Alto Mearim apresenta
duas cabecinhas interessantes e
regularmente bem feitas.
Viscondessa de Sistello, com tres
paisagens feitas com conhecimento de
Arte, especialmente uma, que é bellamente
feita.
Ha na exposição dois trabalhos de
esculptura, um de Fernandes de Sá,
Rapto de
Ganymedes, outro
de José Romão Junior,
Cabeça de estudo.
A respeito do primeiro artista já eu disse atraz n'um
[169]
desenvolvido artigo, o que pensava d'elle. Successor indiscutivel
de Teixeira Lopes, é um bellissimo talento.
Do segundo, Romão Junior, é a primeira vez que
vejo
trabalhos seus, e confesso que a
Cabeça de
velho que apresenta,
me dá uma magnifica impressão.
Poveretta―Condessa de
alto mearim
A figura lançada com
largueza tem
magnificos requisitos. É uma
demonstração
evidente de que Romão
Junior maneja o cinzel e o escopro
com proficiencia. Um novo de talento
que, de futuro, ha-de continuar
a affirmar que a raça dos esculptores
portuenses é das de primeira
ordem.
Na secção aguarella só figuram
os nomes de dois concorrentes
José de Brito, de quem atraz já
fallei e D. Isabel Lauer.
Esta ultima com dois quadrinhos
de figuras. Para mim não me
desagrada o operario, se bem que
nenhum d'elles por completo me
prenda muito a attenção. Bastante
amaneirados e muito exquisitos.
Com desenho a pastel apparecem
tambem só dois concorrentes: José de Brito,
artista consumado
n'este genero, e D. Beatriz Alto Mearim.
Falta fallar de duas secções, ainda: desenho a
claro-escuro
e arte applicada. Na primeira das secções ha um
trabalho
delicioso de Torquato Pinheiro, um fino desenho do
Convento
de Santa Clara de Villa do Conde, trabalho impeccavel
de correcção e firmeza.
Luiz Bastos, traz-nos retalhos d'essa linda Coimbra a
cidade dos Bachareis, apanhados em estudos varios do Choupal,
do Rio Mondego, de Santo Antonio dos Olivaes, etc. Alguns
feitos com mestria.
Na arte applicada, Jorge Collaço, o distincto caricaturista
do
Supplemento de O Seculo. Os seus
azulejos são interessantes
e dignos de nota, especialisando o grande quadro
Reviravolta, estudado com interesse
e executado com cuidado.
E eis, meu amigo publico, a impressão sincera de quem
[170]
viu a exposição com a independencia
caracteristica do seu
pensar e com a antecipada disposição de
não regatear merecimentos
a quem os tivesse, nem adular aquelles que, sendo
mediocres, aspiram á enfatuada bazofia de serem notaveis.
Sinceridade
e nada mais.
É provavel que os
verdadeiros entendedores
não pensem
como eu, mas lá diz o dictado:―que seria, do amarello se
não houvesse mau gosto.
Deveria fechar já aqui a minha
informação mas vejo lá
expostos uns azulejos,
panneaux,
etc., que se desculpam por
serem o reclame de uma fabrica de Ceramica, porque, se tem
sido apresentados como trabalhos artisticos, então deveriam
ser exautorados rigorosamente.
E adeus, que não tenho tempo para mais, nem sei mesmo
se alguem terá coragem de ler isto até ao fim.
Barcos de pesca―julio ramos
XXIII
AMADORES PORTUENSES
ALBERTO AYRES DE GOUVEIA
Discipulo de MARQUES DE OLIVEIRA
Este meu biographado não é precisamente um
amador;
poderia, sem receio ele ser contraditado, e sem medo
de errar, incluil-o francamente no numero dos nossos
mais distinctos pintores, e isso porque os seus trabalhos artisticos
são de molde a dar-lhe esse fôro.
Alberto Ayres de Gouveia
Alegro-me ao escrever este artigo,
e alegro-me porque
é sempre com consolo que me refiro
áquelles que, possuidores de algum valor,
se não deixam adormecer á sombra
ele alguns louros colhidos na paz doce
da mandria, antes tentam a mais e mais
fixar as suas aptidões, n'um trabalho serio
e proveitoso.
E, Alberto Ayres tem feito isto.
Desde que se emprehendeu a pintar
tem trabalhado com afinco e muitissimo
proveito.
Conhecia de ha muito este rapaz, que, pela sua avultada
fortuna, pelas relações de familia, e por viver
na alta roda,
onde se dava o prazer de ser um dos eleitos, eu tinha na conta
de um excellente cavalheiro, um fino homem de sala, cavaqueador
com espirito e mais nada!
Mas, enganei-me redondamente, o que não é para
admirar,
porque acontece a muito boa gente.
[172]
O meu biographado era tudo aquillo e ainda mais alguma
coisa:―um amador
enragé
da pintura.
Como soube eu isto e como tive emfim a
confirmação
do seu merecimento artistico? Vou tentar dizel-o em poucas
palavras.
Nas noites frias de inverno temos por costume reunirmo-nos
alguns amigos em cavaqueira alegre e discutimos
n'essas occasiões muitissimas coisas, problemas d'Arte,
mundanismo,
casos alegres do dia, philosophando de vez em quando
sobre politica, litteratura, celebridades, theatros, etc., etc.
Não é um cenaculo, nem uma academia, é
um
cercle algo espiritual,
onde a alegria tem especialmente o seu logar.
Pois n'uma d'essas cavaqueiras abordou-se o assumpto
pintores e amadores, e entre outros nomes veiu á tela da
discussão
o nome de Alberto Ayres de Gouveia, que um dos circunstantes
conhecia perfeitamente.
Elogiou-o, fez a historia da sua aprendizagem d'Arte e
eu fiquei como se costuma dizer com a
pedra no
sapato e, como
observador que sou, tratei immediatamente de me informar
do merecimento verdadeiro ou falso d'este amador.
De divagação em divagação e
de informe a informe,
vim a concluir que o meu amigo tinha muita razão e que
Alberto
Ayres era de facto um rapaz de incontestavel merecimento
artistico.
Mas, não só como pintor elle deveria ser
apreciado,
como auctor e amador dramatico tambem. Eu me explico.
Um anno, estando a banhos como de costume, na formosa
e aristocratica praia da Granja, alli deu as suas provas
de amador, desempenhando, n'uma festa de caridade, alguns
papeis de umas deliciosas comedias, que elle proprio tinha escripto,
e que, segundo entendedores do genero, eram verdadeiras
joias litterarias finamente buriladas.
E, com esta minha eterna mania de conversar, uma tarde,
no atelier do meu muito amigo e infeliz Manuel San Romão,
fallando-lhe dos divertimentos da Granja e a respeito do
baile Luiz XV que alli se dera, das finas recitas que a gentil
colonia alli a banhos, costuma realisar, o nome de Ayres de
Gouveia foi citado e eu disse como me tinham inspirado sobre
o seu merito litterario e artistico.
Manuel San Romão, com aquelle seu modo correcto e
fino e aquelle seu espirito ousado e emprehendedor, n'um
[173]
gesto todo de enthusiasmo fallou-me d'elle dizendo, que no
que elle era notavel era na pintura e citava um formoso retrato
do Snr. D. Antonio Ayres de Gouveia, então Bispo de
Bethesaida, hoje Arcebispo da Calcedonia e tecendo-lhe os mais
rasgados elogios, affirmou-me que elle era um amador que
havia de futuro marcar epocha entre os artistas (mestres) portuguezes.
A palavra do Mestre―alberto ayres
de gouveia
A opinião de Manuel San Romão, era para mim como
uma pagina do Evangelho; elle que lhe via merecimento era
porque na verdade o tinha.
O retrato se não era uma maravilha, dizia San
Romão,
era no entanto uma obra acceitavel e cheia de bellos predicados,
um verdadeiro quadro tocado com proficiencia, desenhado
com saber, d'um colorido doce e d'uma mais que regular
semelhança.
Ao ouvir isto, logo se me arreigou no espirito a ideia
de que elle tinha talento e me nasceu o desejo de ter de
vizu
a confirmação d'isso, o que só poderia
conseguir visitando o
seu atelier e a sua galeria, pois que elle, nem expunha, nem
vendia os seus trabalhos.
Como conseguir porém isto? Quasi impossivel, porque
o amador fugia á visita que eu tentava fazer-lhe, querendo
[174]
assim deixar-se ficar no encoberto mysterio d'uma modestia,
que não tinha razão de existir.
Passara-se tempo, muito tempo, sem que eu tivesse o
prazer de, encontrando-o, lhe manifestar o desejo que tinha
de n'uma visita ao seu atelier, vêr o que elle tinha
realisado
em Arte.
Em 1902, abre uma das exposições que o Instituto
de
Estudos e Conferencias tão proveitosamente tem organisado
e realisado no Pateo da Misericordia. Era um magnifico dia
de
vernisage, e eu ao entrar sou
immediatamente attrahido
d'um modo particular e suggestivo, por umas poucas de telas
que me saltam á vista impressionantemente. Tomo do catalogo
e folheando inquiri quem é o seu auctor. O nome de Alberto
Ayres de Gouveia era o que se lia por cima dos numeros
que eu procurava. Eram, de facto, de molde a impressionar
os trabalhos expostos. Á mente me saltou, como uma
doce recordação, a conversa que tivera com Manuel
San Romão
e immediatamente me convenci de que quem pintava
aquelles quadros não podia ser apellidado de simples amador.
Era indiscutivelmente muito mais do que isso, era um
verdadeiro artista e com trabalhos taes, que alguns pintores,
com nome feito, não desdenhariam assignar.
Em artigo que n'outro logar publíco a elles me referi e
alli disse alguma coisa do que pensava a tal respeito. Agora
porém que dedico ao seu auctor duas paginas do meu livro,
em especial, não será demais tornar a fallar
d'elles.
Eram para mim esses trabalhos primorosos, mas, se alguns
defeitos tinham eram elles por si tão insignificantes que
apenas mereciam o reparo ligeiro e unicamente indicativo,
sem que viesse aggravado com a investida descortez e brutal
de certa critica imperduravel e muitas vezes inconsciente.
Porque os trabalhos expostos eram indicados no catalogo simplesmente
como d'amador, mas d'amador distincto e correcto
em verdade.
E bastava só isto, que elles fossem de amador, mas feitos
firmemente com largueza de traço, precisão de
côr, correcção
de desenho e de perspectiva, definidos emfim como de verdadeiro
artista, para espantar a critica de campanario e os entendedores
bon marché.
E tudo isto porque? Porque habitualmente os amadores
quando apparecem em publico com trabalhos seus, são
[175]
estes tão banaes e tão simples que passam
perfeitamente desapercebidos
entre os trabalhos dos artistas, sem lhe fazerem
mossa, ou sem lhe provocarem confrontos.
Com Alberto Ayres, porém, não se dava isso,
apparecia
pela primeira vez, mas tão desassombradamente e com
trabalhos
de tal folego, que até houve quem não quizesse
acreditar
que eram d'elle. Mas eram e tão bons que poderiam entrar
com gloria em qualquer concurso, pois tenho a certeza que ao
seu auctor seria dada uma primeira classificação.
Christo morto―alberto ayres
de gouveia
Então é que mais e mais se me encasquetou na
cabeça
a ideia de observar toda a sua obra, conhecel-o no seu intimo,
na sua maneira de vêr e de pintar, e depois de um assedio em
forma consegui que elle me desse a honra de permittir-me
uma visita d'Arte. E visitei então a sua formosissima casa,
onde se espalham artisticos
bibelots
e bellos trabalhos de muito
valor artistico. Fiz esta visita cheio d'uma suave
uncção que
se deve aos templos onde se sacrifica a um Deus. N'aquella
casa sacrificava-se a Deusa Arte e por isso reverente alli me
conservei.
Conversando durante algum tempo contou-me a sua
iniciação na arte de pintar, e como, sob a
competente e abalisada
inspecção do grande Marques d'Oliveira,
pôde conseguir
o que fazia.
[176]
Desenhou muito, e quando lançava os seus vôos para
mais alto, sob indicações do professor, foi em
viagem artistica
pela Europa, aos paizes onde mais afincadamente se rende
culto á Arte e alli estudou nos museus e nas escolas de
pintura
alguma coisa que lhe désse conhecimentos uteis. E assim,
analysando e estudando os quadros geniaes dos mestres e
acompanhando os adeantamentos e os progressos das novas
escolas, percorreu os muzeus de Madrid, Paris, Londres e Italia,
não com a despreoccupação de um
touriste, mas com a
observação religiosa d'um crente, sob a
indicação e a companhia
de Marques de Oliveira, seu professor e que é entre os
que pontificam na Pintura, um dos que mais sabiamente sabem
vêr, porque é dotado d'um espirito critico
especial e finissimo.
Da visita que fiz ao atelier d'este distincto amador, ficou
a mais grata e a melhor das impressões.
D'entre as telas que vi, as que mais fundamente me
impressionaram foram a
Leitura das
prophecias,
Retrato do
Ex.mo e Rev.mo Snr.
Arcebispo de Calcedonia,
A palavra do Mestre,
Retrato do proprio auctor,
Retrato de A. Burnay,
Estudo,
Baixo imperio,
Appolo e
Cabeça d'estudo
(carvão), que são
admiraveis.
S. João lendo as prophecias―alberto
ayres de gouveia
D'alguns d'estes trabalhos, apresento as gravuras, que
[177]
pude conseguir, quebrando quasi á força a
modestia do meu
biographado.
El-Rei D. Carlos, n'uma visita que fez á
Exposição de
Bellas-Artes em Lisboa, fez menção especial dos
seus quadros,
chamando-lhe pintor notavel e de pulso.
E de facto El-Rei não se enganou porque Alberto Ayres
de Gouveia está na galeria dos artistas de pintura
portuguezes
mais distinctos.
Paisagem―candido da cunha
Estudo―joão augusto
ribeiro
XXIV
Uma Exposição de Estatuetas
FRANCISCO GOUVEIA
Já era tempo de dedicar algumas palavras de
justiça, ao
distincto artista Francisco Gouveia, ácerca da visita
que fiz á sua magnifica exposição de
esculptura, aberta
aqui no Porto, no Salão da Photographia Guedes, e
cumprir o dever gratissimo de corresponder á galanteria e ao
modo penhorante como elle me acolheu.
Francisco Gouveia
E faço-o, porque nunca
antepuz á
manifestação
de admiração pelos trabalhos de
qualquer artista de valor, outra qualquer
manifestação.
A Arte, para mim a mais sublime das
cousas, a mais insinuante das manifestações,
tem um logar tão alto, tão deslumbrante,
tão culminante que em frente d'ella
eu julgo-me insignificantemente pequeno, e
curvando-me reverente, fico depois extatico,
cheio d'uncção na mais santa e na melhor
das adorações.
Por isso, ao abalançar-me ao cumprimento d'um dever
sagrado, eu commetteria um crime de lesa-religião artistica
se
não dedicasse algumas paginas á deliciosa
exposição, que ha
tempos tive o prazer de visitar.
Já o tenho dito varias vezes e hoje o repito: eu sempre
que tenho ensejo de admirar uma obra de arte, pintura, esculptura,
musica, ou seja o que fôr, nunca falto; sou dos que
vou primeiro, e, quasi sempre, dos que sahem no fim.
[180]
É facil ficar perfeitamente embasbacado em frente
d'um quadro, ou d'uma esculptura, durante horas, alheio a
tudo quanto se passa em volta de mim, tal me tem succedido
ante as obras de Malhôa, Salgado, Carlos Reis, Marques de
Olivieira, etc., e como em nenhumas
outras, ante as extraordinarias
creações do sublime Teixeira Lopes.
Teixeira Lopes
f. gouveia
Por
isso, como um fanatico pela Arte eu accorri ao Salão
da Photographia Guedes a vêr os trabalhos,
já para mim conhecidos de nome,
do nosso querido concidadão Francisco
Gouveia.
Que este artista, como todos os
bons esculptores portuguezes, tambem
é filho do Porto.
Francisco Gouveia, era um nome
que se impunha já de ha muito á
consideração
e á admiração de todos nós,
porque
lá fóra, no estrangeiro, affirmava
exhuberantemente,
com os seus trabalhos,
que nós os portuguezes tambem somos
capazes de dar provas evidentes e definidas
de intellectualidade e aptidão artisticas.
Entre muitos dos seus bellos trabalhos destacarei, para
fazer notar aqui, o seu
Beatriz de
Portugal, que marcou d'uma
fórma confirmativa e energica o seu saber e o seu modo de
esculpir.
Este trabalho ao apparecer em Paris, de tal nomeada
foi cercado, que mereceu a honra de ser reproduzido em diversas
illustrações estrangeiras, onde se fizeram
referencias
honrosamente dignas ao nome do nosso artista.
Mas, como diz Xavier de Carvalho n'um pequeno esboço
critico a respeito de Francisco Gouveia: «quiz ser o artista
naturalista no minucioso detalhe, começando por nos dar um
Eça de Queiroz apanhado
n'uma
pose verdadeiramente natural
e sincera. Depois temos a serie das suas esplendidas estatuetas,
tão cheias de vida plastica, d'um correctissimo desenho,
mesmo quando o esculptor passa da maneira emocional
do seu mestre querido Injabert á larga
ébauche de Rodin que
mesmo chegou a attingir na silhueta do grande artista
rebelde».
[181]
E de facto assim é. Francisco Gouveia realisou este
desideratum
e ao abrir ao publico indifferente e á critica honrada
e honesta d'uns, venenosa e malsinada d'outros, a sua
exposição, fel-o, sem aspirar as louvaminhiches
dos primeiros
nem temer boas ou más apreciações dos
segundos. Fel-o como
affirmação publica do seu talento artistico e da
sua persistencia
do trabalho, fel-o como era justo que o fizesse.
Para isso traz-nos 78 trabalhos qual d'elles o mais fino,
qual d'elles o mais correcto, qual o mais bem estudado, e
mais bem executado.
Desde a estatueta séria á estatueta caricatural,
desde os
medalhões graves ás mascarasitas patinados, nada
ha alli que
não seja correcto e que não seja perfeito.
Estudos regularmente anatomisados, dando o individuo
em todo o seu ser, em todo o seu aspecto, com todo o ar natural,
parecendo mover-se regular e compassadamente, vivificados,
com movimentações naturaes, expressão
definida no
rosto. E tudo isto em estatuetas que variam
entre 40 e 60 centimetros d'alto.
Eça de Queiroz
f.
gouveia
Mas,
ha para mim, entre todos os
trabalhos expostos, um, que é dos mais
extraordinarios―a caricatura psychologica
do grande morto
Eça de
Queiroz!―Fulgurantissima
de genio. Vemos n'ella,
n'aquelle bronze, atravez da esgrouviada
figura do romancista que nos assesta o
monoculo n'uma persistente meticulosidade
de observador a sua alma analysta,
com um quê de sarcastico, como sorrindo-se
interiormente de toda esta nossa sociedade,
que elle olha atravez da sua impertinente
lente. É simplesmente assombroso.
A minha vontade era fazer notar
uma a uma as estatuetas, as composições, as
caricaturas, as
medalhas, mas isso é impossivel e portanto, em mais duas
palhetadas
vou fechar este artigo.
Entre os trabalhos
estatueta-retratos, muitos d'elles
de
pessoas nossas conhecidas, ha alguns com quem appetece conversar
um pouco. A do
Marcos Guedes, a do
Pae Ramos, (ambos
estes collegas do
Janeiro), a do
Snr. Caetano Pinho da
[182]
Silva, a do nosso querido
Teixeira Lopes, a de
Guedes d'Oliveira
são magnificas. Ha tambem um retrato do grande poeta
Guerra Junqueiro (phantasia), que
é muito interessante. Guerra
Junqueiro é apresentado com uma tunica que lhe cae
sumptuosamente
como a um propheta, tendo o braço direito levantado
em menção de quem préga o Evangelho, e
no braço
esquerdo as taboas
da lei. É delicioso
de concepção
e de execução.
Marcos Guedes―Guedes d'Oliveira―Guerra
Junqueiro―Pae Ramos―
francisco
gouveia
Na
estatueta-composição
destacarei:
A viajante,
A primeira esculptura,
A parisiense,
A tristeza,
Meditações,
Grupo
de leitoras,
Saudades
e
Ama parisiense
(do jardim de Luxemburgo).
Mas que estou eu aqui a destacar, se todas ellas são
boas, se todas ellas me encantaram?!...
As outras, terras-cotas, bronzes, etc., são, como estas,
deliciosas obras, que merecem ser vistas e apreciadas devida
e detalhadamente.
Não é esta exposição de
molde a ser visitada como uma
exposição de quadros, onde as côres nos
venham de longe em
varias tonalidades, á vista. Não, aqui precisamos
de parar,
analysar feições, expressões, linhas,
tudo, emfim. É preciso
deixar a vista pousar durante um pouco, para examinar toda
aquella perfeição, toda aquella
correcção, que não se póde
vêr
á
vol d'oiseau.
É preciso fazer como eu fiz, estar lá horas e
voltar
lá mais vezes, que de cada vez que se lá volta
novas cousas
se descobrem nos trabalhos expostos. Quem vê só
uma
vez, quasi sempre não vê nada.
Vou acabar por aqui, antes, porém, devo dizer que Francisco
Gouveia é um d'estes rapazes insinuantes, com quem se
sympathisa logo que se falle com elle uma vez.
[183]
Modesto em extremo, é um trabalhador de verdadeiro
merito, e um espirito lucidissimo. E eu, ao fechar o meu artigo
para as
Notas d'Arte,
aqui lhe
deixo significadas, ainda
que muito pallidamente, a minha admiração ao seu
grande
talento artistico e a convicção de que o seu nome
tem o direito
indiscutivel de figurar a par do dos nossos primeiros artistas,
pois exuberantemente conquistou um dos primeiros logares,
como sacerdote magno, no templo da sublime Arte
Portugueza.
Paisagem―lucilia aranha grave
Teixeira Lopes
Caim―teixeira lopes
XXV
MANUEL MONTERROSO
Tenho para mim este modo de pensar, talvez exotico,
mas convicto, de que a caricatura é um maravilhoso
remedio para muitas doenças sociaes.
Bem sei que nem sempre a cura se faz e a caricatura é
applicada sem resultados praticos.
Manuel Monterroso
Mas, muitas vezes, a maior
parte d'ellas, a applicação adquada,
d'uma caricatura, no momento psychologico,
produz tal revolução no
meio onde é lançada, que a doença
social desapparece como por encanto.
Com todos os remedios acontece
a mesma coisa. Quantas vezes um
illustre clinico applica um caustico,
cheio de confiança, convencido que
dentro de duas horas a pelle do doente
estará levantada e suppurante, e
apesar do medicamento estar em pleno
effeito, o caustico falha, ou porque
o doente já não dá
reacção para
que o resultado seja satisfatorio, e
n'esse caso está morto, ou então por
que a pelle é de tal fórma grossa e
callejada que não ha nada que a possa atravessar e remover!
As doenças da sociedade são tal qual as
doenças dos homens.
E ella propria tambem tem anomalias como qualquer
doente.
Uma sociedade morta, ou quasi a dar o ultimo suspiro,
póde ser causticada com caricaturas, que não
resurgirá. E o
mesmo succederá se ella pela desfarçatez dos seus
caracteres
[186]
fôr uma sociedade
estanhada, endurecida e callejada.
Mas se
entre essa sociedade alguma coisa houver ainda que vitalmente
sinta as picadas ardentes da caricatura, então ella
resaltará
e viverá pondonorosamente espurgada do mal que a
amortecia e definhava.
Dr Leopoldo Mourão
Caricatura
de manuel monterroso
Publicada na Voz Publica
A mesma
revolução se faz na
vida social dos homens isoladamente.
Caricaturados por um lapis mordaz,
mas fino, que os apresente á irrisão
publica, sob qualquer dos seus
aspectos ridiculos, elles remorder-se-hão
na sua vaidade intima e, procurarão,
embora disfarçadamente, curar-se
dos seus defeitos, se é que o
mal da desfarçatez os não contaminou
tão intimamente, que os tenha
posto por completo fóra da acção
benefica,
embora torturante do medicamento.
Muitos, muitissimos factos poderiam
ser apontados como provas
indiscutiveis e irrefutaveis, se quizessemos
d'um modo affirmativo e terminante
impôr a nossa opinião. Mas,
não, não temos nem esse desejo, nem
essa vaidade. Ao delinear estas linhas,
simplesmente o fazemos como
o
avant-propos á
apresentação que
tentamos fazer d'um dos mais distinctos medicos portuenses,
e no momento presente o primeiro caricaturista portuguez.
Hoje que infelizmente perdemos o maior de todos os
nossos caricaturistas―o grande, o incomparavel mestre―Bordalo
Pinheiro, posso dizer abertamente que Manuel Monterroso
é entre nós o unico capaz de seguir
tão gloriosamente
como o Mestre, as suas deslumbrantes pisadas e seu genio fulgurante
e radioso.
Uma pagina da Parodia―manuel
monterroso
E, não quero que Monterroso me agradeça estas
verdades
sinceras que me saltam da penna, ditadas pelo pensamento,
espontaneamente, lealmente, taes como as sinto. Não, nem
o meu fim é esse. Se lhe dedico algumas palavras
é porque na
minha pequenez de insignificante amador de Arte, tenho por
[188]
elle, pelo seu lapis fino e caustico e pelo seu muito talento
artistico,
uma profunda admiração.
Extasiava-me diante das
caricaturas de Bordalo com a
veneração adoravel de verdadeiro admirador, do
engraçado,
do mordaz, do bello e do correcto.
Hoje ante o traço fino, seguro, preciso e mordaz de
Monterroso
tambem me permitto ficar extasiado. E tudo isto porque
o considero um optimo caricaturista, um perfeito desenhista.
Incapaz, como sou, de faltar á verdade, não
escrevia
que o achava grande, nem o diria tão afoitamente, se
não estivesse,
como estou, convencido de tal.
Não digo isto, é bom que se saiba, para me dar
ares; digo-o
porque rebuscando e procurando na pequena galeria dos
caricaturistas portuguezes, não
encontro nenhum que possa passar-lhe
adiante.
João Oliveira Ramos
Caricatura de manuel monterroso
Publicada na Voz Publica
Nem mesmo o
Manuel Gustavo, que ainda assim,
para, mim, é um dos melhores.
Pois, nem mesmo esse, que
tão intimamente conviveu com o
Mestre, que tão de perto recebeu
as suas lições, póde dizer ousadamente
a Manuel Monterroso:―eu
valho mais do que tu... o primeiro
logar pertence-me...
Por que de facto não vale.
Manuel Monterroso tendo a intuição
natural de
fazer bonecos, (como
elle diz), conhecendo anatomicamente
o homem (ou elle não
tivesse sido um dos bons discipulos
do terrivel Lebre
[1],
possuidor
d'uma retentiva verdadeiramente
photographica, elle, vendo
uma vez um individuo, apanha-lhe immediatamente, não
só
[189]
as linhas geraes, mas os mais pequenos detalhes caricaturaes:
e, n'estas condições, com estes predicados e alem
de tudo isto
uma boa dóse de talento, realisa desenhando verdadeiras
obras
primas.
Raphael Bordallo Pinheiro
Caricatura em barro
de manuel monterroso
Fulgurantissimas
de graça são as varias paginas,
que
muitas vezes, de collaboração com os
litteratos Campos Monteiro e Guedes
d'Oliveira, viram a luz na
Parodia.
Notavel como trabalho de verve
fina e delicadissima a caricatura que foi
offerecida ao Dr. João Pereira Dias Lebre,
professor de anatomia da Escola
Medica do Porto, no anno em que elle
se jubilou.
Notaveis os seus trabalhos, que
tem distribuidos por amigos, em amistosas
dadivas.
Caricaturas avulsas de typos conhecidos
feitas em intimas camaradagens
e que o grande publico nunca teve
o prazer de vêr, mas que eu conheço
perfeitamente bem. Não fallando nas caricaturas
que a largos traços de carvão
elle lança rapidamente sobre o papel
branco que friamente apparece ao publico,
quando em algum concerto de caridade
elle vem tambem coadjuvar o luzimento
d'essa festa, com a irradiação do seu genio
repentista
e correcto.
N'essas occasiões é que elle tem mostrado mais
publicamente
a facilidade com que retem e executa o desenho caricatural
dos typos apresentados.
A todos quantos tenho visto fazer este genero de trabalho,
tenho notado uma coisa: elles ao apresentarem-se em publico
trazem já no seu cerebro estudados e desenhados os typos
a executar, e assim invariavelmente nos atiram com o
José Luciano, o Hintze Ribeiro, o Burnay, o Zé
Povinho, o
Rei de Inglaterra, o Rei de Portugal e outros personagens,
cujo perfil está de ha muito conhecido e estudado, perfis
que,
a maior parte das vezes, eu mesmo, leigo em desenho e em
caricatura, ia desenhar depois de uma leve
recordação.
[190]
Manuel Monterroso, não faz assim. Uma vez no palco
ou estrado, lança a vista por sobre a plateia, e com
aquelles
olhinhos vivos e penetrantes fóca um individuo. Olha-o duas
vezes e em seguida, costas voltadas ao publico elle ahi vae,
carvão em punho, traçando, rapida e precisamente
o typo que
escolheu. É assim que elle faz; nunca trouxe de casa, no seu
caderno de apontamento, as notas
typicas dos
individuos a
desenhar.
Mas, não só como desenhista e caricaturista a
lapis ou
a aguarella, elle é notavel. Ha alguma coisa mais a notar no
meu artista.
Como ceramista tambem é para ser notado e muito.
O Rei da Peça―Caricatura de manuel
monterroso
Publicada no Primeiro de Janeiro
―Ora? dirá o leitor!
Como
ceramista? Pois não lhe conhecia
essa prenda?!
―Nem eu! Mas ha tempos
em conversa, a rirmos sobre mil coisas
diversas e muito especialmente
sobre
bonecos, Manuel Monterroso
disse-me á queima roupa: Sabe, vou
fazer
bonecos em barro, caricaturas
de outra especie.
―Você está a brincar, disse-lhe
eu.
―Não estou, não, verá. E a
primeira ha-de ser a do Bordalo
(ainda elle era vivo). Dito isto, despediu-se
de mim, e, bem contra minha
vontade, não o tornei a vêr durante
uns poucos de dias.
Nem mais me tinha lembrado
d'isso, quando uma bella manhã
vejo entrar o Monterroso pela
porta dentro
com
um embrulhosito
na
mão, dizendo:―Cá
está a
obra.
Os Donos da Casa―Caricatura de manuel
monterroso
Publicada no Primeiro de Janeiro
[192]
Corri apressado ao seu encontro, obrigo-o a mostrar-me
o embrulhito e... ante a apparição que se fazia
deante dos
meus olhos eu ficava estasiado.
Uma delicada, uma fina maquete da figura em corpo
inteiro do grande mestre da Caricatura, apparecia diante de
mim, admiravelmente lançada, sabiamente estudada e medida,
bellamente executada. Não parecia
o primeiro trabalho de um amador,
não. Era o trabalho de quem
sabe e muito, como o barro se espalma
e se contorna, como se
modela e
como se vivifica.
José Ribeiro―Caricatura
em barro
de
manuel monterroso
Não penseis que
faço o
elogio
balofo d'uma insignificancia. Faço
simplesmente a resenha verdadeiramente
sincera de uma das mais notaveis
manifestações do talento do meu
querido caricaturista.
Não resisti, abracei-o, felicitando-o
e pedi-lhe que continuasse n'aquelle
novo systema de caricaturar
os homens notaveis do nosso tempo,
e do nosso conhecimento. Prometteu-me
continuar mas, a sua medicina e
os seus muitos afazeres, não tem consentido que os meus
olhos
possam vêr mais d'aquellas deliciosas obras.
A reproducção em bronze da
maquete, em que fallei foi
elle, como manifestação da sua muita
admiração e amizade
pelo grande mestre, levar-lh'a a Lisboa, onde Bordalo, como
eu, se extasiou ante a disposição artistica de
Monterroso e a
execução d'aquelle trabalho.
E, posto isto, posso fechar o artigo porque já provei bem
á evidencia que Manuel Monterroso é
innegavelmente um rapaz
de indiscutivel talento.
Mas, perguntará o leitor: a que veiu aquelle prologo
em que se fez jogar a medicina e a caricatura como meios curativos
da sociedade e das gentes?!
Eu explico. É que se não tivesse gasto tanto
tempo
ainda vos havia de dizer como é que o Manuel Monterroso
póde ser ao mesmo tempo um grande caricaturista e um bello
medico. Isso porém fica para segundas leituras.
XXVI
A BAIXELLA BARAHONA
Venho cheio d'um sincero enthusiasmo fallar-vos agora
exclusivamente d'um dos maiores acontecimentos
para a arte de ourivezaria portugueza, e não
só para ella como para a Arte,
na verdadeira accepção da
palavra; da Baixella Barahona!
Columbano Bordallo Pinheiro
É
esta já bem conhecida
em todo o Portugal, pelo que
d'ella tem dito os jornaes de
Lisboa, mas um brado mais,
d'um sincero amador, nunca
faz mal para engrossar o côro
de hossanas, que em volta de
tão magnificente obra, se tem
levantado por todos quantos
a tem visto.
A casa Leitão & Irmão,
innegavelmente os primeiros
joelheiros e ourives portuguezes,
levaram a cabo a execução
da obra mais monumental
e mais artistica no seu genero,
que se tem feito em Portugal
ha cem annos para cá.
E estou bem certo que será
preciso passar um incalculavel numero de annos para que se
faça uma outra obra assim.
Dous são os motivos, que me levam a acreditar n'esta
profecia: «A falta de homens de gosto e de dinheiro, como o
[194]
dr. Francisco Barahona; e a falta de comprehensão da maior
parte da gente, de que a Arte é a
manifestação mais bella e
mais brilhante do desenvolvimento espiritual e intellectual
d'uma nação».
Serpentina da Baixella Barahona
Mas,
como não me julgo com competencia para
divagações
philosophicas sobre
Arte,
Dinheiro e
Gosto, vou entrar
no meu assumpto―A Baixella Barahona―da
qual estão em exposição
o
Centro de meza, e as
Duas
serpentinas.
São estes tres monumentos,
deixem-me assim chamar-lhe, uma
coisa phantastica. Delineados sobre
motivos esculpturaes do tempo
de D. João V, harmonisou-se n'uma
contextura brilhante, encantadora,
fazendo-nos passar, como que em
revista as decorações architectonicas
dos monumentos da epocha, os
escudos d'armas da casa real de D.
João V, as talhas douradas dos
conventos, as conchas nacaradas
dos mares, que nós portuguezes dominamos
nos nossos tempos de navegadores,
e as aguas espraindo-se
nas nossas formosissimas praias onde
o mar bate altisonante, cantando ainda restos das nossas
passadas glorias.
É como que a orquestração muda d'uma
epopeia de
deslumbramento e de luxo. Mereciam um poema, tal é o seu
primor e a sua riqueza.
Por ambas as vezes, que fui vêr estas deslumbrantes
obras de arte, fiquei estasiado algumas horas, na
contemplação
d'ellas, e cada vez que as olhava novos encantos
lhe achava; aqui eram os festões de flores que pareciam
baloiçar ao sopro da aragem, pendentes das mãos
torneadamente
papudas dos deliciosos amores; mais em baixo,
os golphinhos com as suas fauces escancaradas d'onde jorram
torrentes d'agua que se espraiam pelo enconchado da base;
de todos os lados, as nacaradas conchas encurvadas caprichosamente
n'um anichamento sublime de preciosidades do fundo
[195]
do mar, e contornando tudo isto n'uma justeza de fórma, n'um
carocolar de serpente, d'um brunido admiravel, como que uma
fita de seda que mãos delicadas de fadas se entretivessem a
dispôr alli, como cercando aquella serie de deliciosas
coisas.
Alguem que tenha visto a Baixella, dirá: e as figuras
que alli existem onde as deixará ficar o chronista?
As figuras essas são deslumbrantes de contextura, e se
me deixei ficar para o fim a fallar n'ellas, é, que
tão fundo
me feriram no espirito que lhe reservo um logar mais ao fim
do artigo para que quem me ler nunca se esqueça d'ellas.
Centro de meza da Baixella Barahona
O centro, como muito bem diz o nosso amigo M. Oliveira
Ramos, na memoria escripta expressamente para ser
distribuida pela casa Leitão aos seus convidados,
compõe-se
d'uma taça oblonga de amplo bojo, enfunada para a base e
recordando talvez na sua fórma, o casco dos nossos
galeões
do periodo aureo.
De cada lado d'esta taça e como sentados no rebordo,
ha duas figuras; um Fauno e uma Bachante.
O Fauno, tendo n'uma das mãos uma frauta de Pan, ri
brejeiramente para um amor que parece ter-se deitado na base
a analysar aquelle typo tão caracteristico e tão
bem delineado.
E a Bachante com um exhuberante cacho d'uvas, tenta o
outro amor que, deitado tambem, nos dá a
impressão suave
d'um delicioso
bébé a quem
uma nympha estivesse fazendo
negaças com em brinquedo.
Mas, é tal o deslumbrante das fórmas e o rigor da
anatomia
[196]
d'estas figuras, tão primorosamente modeladas e
tão
assombrosamente executadas que parece que aquella fria prata,
de que são feitas, se anima e palpita. Todo o conjuncto
é
bello, mas as figuras extasiaram-me.
Columbano Bordallo Pinheiro, ao modelar aquelles primores
de arte, (talvez isto seja uma heresia), fez, a meu vêr, um
dos seus trabalhos mais geniaes,
a manifestação mais
ampla do seu muito talento.
Magdalena
columbano bordallo
pinheiro
Porque é preciso ter-se
muito talento para se realisarem
obras d'aquellas.
Ficarei por aqui, se
bem que não era esse o meu
desejo, mas a falta d'espaço
e de tempo, a isso me obrigam.
Antes porém de fechar
cumpre-me fazer, por este
meio, o que já fiz pessoalmente,
dar um aperto de
mão, a quem se abalançou
a uma empreza como esta e
saudar enthusiasticamente
com o meu fraco appoiado os
grandes collaboradores d'esta
manifestação de arte portugueza,―o
dr. Francisco Barahona, o verdadeiro patriota
que sabe como ninguem comprehender para que serve o
dinheiro,―Columbano
Bordallo Pinheiro, que para essa obra
deu parte do seu
eu
artistico―Augusto Luiz de Sousa e Francisco
Ignacio Cardoso os dois artistas ourives sob a
direcção
dos quaes se executou tal obra.
Aos snr. Leitão & Irmão um bravo! Um
bravo enthusiastico
d'um humilde admirador.
E para fechar, folgarei immenso ouvindo dizer que esses
tres monumentos vão mostrar ao mundo inteiro, na
Exposição
de Paris, que em Portugal ha verdadeiros artistas e homens
de arte.
Lisboa, 31-4-900.
XXVII
CONCLUSÃO
Fechando este volumesito despretencioso e vago, que
fiz publicar, não com a vaidade de escriptor ou critico
d'Arte,
O Desterrado―soares
dos reis
mas
simplesmente para reunir
n'um mólho, pequenos e
insignificantes artigos,
que escrevi em dias socegados
e alegres, e que appareceram
em revistas e
jornaes diarios após visitas
feitas a Ateliers, Escolas
e Exposições d'Arte,
onde tive o superior
prazer de passar algumas
horas boas e distrahidas,
julgo ter prestado um pequenissimo
serviço ao
meu paiz e á sua Arte.
São estas paginas
simples notas de um amador.
Nem ellas desejaram
nunca ser mais do que
isso. Escrevi-as sincera e
desapaixonadamente sem
interesses ligados aos artistas,
nem o desejo de ser
amavel para com elles.
Fil-o como conversador
inveterado que sou,
[198]
e que, no desejo constante de conversa, escolhi o grande publico
para lhe expôr as minhas impressões pessoaes e
quem
sabe, faltas de sciencia e talvez de criterio.
Tenho dito mil vezes, n'essas paginas atraz o digo, e
não ficará mal ao ir-me embora, repetil-o mais
uma vez:―eu
não sou um critico d'Arte, nem tenho
pretenções a isso.
E, n'essas condições, sob uma tal ordem de
ideias, interessando-me
pelas exposições d'Arte, pelo desenvolvimento
pintural dos discipulos e pelo engrandecimento dos professores,
excitando os que começam para que breve se ponham ao
lado dos que já vão na vanguarda, animando o
publico e
creando-lhe aos poucos o gosto pela Arte, dando noticias resumidas
d'algumas exposições, destacando alguns artistas
e
amadores dos que mais em fóco tenho encontrado, embora
sem aquelle
tino especial de critica
hors ligne, como convinha
para tal emprehendimento, julgo no entanto, que contribuo
dentro das minhas forças, para o desenvolvimento do gosto
pela pintura e pela esculptura entre os meus compatriotas,
com estes artigos.
N'um paiz como o nosso tão cheio de poesia, tão
cheio
de sol, tão cheio de côr, com costumes
tão typicos e figuras
tão accentuadamente caracteristicas, com pedaços
de natureza
(paisagem e marinha) tão cheia d'um extraordinario encanto,
d'um collorido tão nosso, tão genuinamente bello,
necessario
se torna que elle seja sabiamente estudado e proficientemente
transplantado á tela e vá mundo em
fóra, fazer
esta grande affirmação: que no nosso paiz,
caracteristicamente
pittoresco, que como poucos é dotado de bellezas naturaes
dignas de serem admiradas por todo quanto em
tourismo
dá a volta ao mundo, ha uma pleiade de artistas,
verdadeiramente
grandes, e que valem tanto como os que ha bons
lá pelo estrangeiro.
Se eu, debaixo d'este ponto de vista, apontando, notando,
frizando, destacando e elevando, entre os que trabalham
n'esta bella obra, aquelles que a meu vêr mais dignos
são de
menção, conseguir excitar os outros para que
trabalhando
honradamente, gloriosamente se possam collocar ao lado d'elles,
darei por bem empregado o meu tempo.
E como não quero que se diga que esqueci os que mais
gloriosamente teem batalhado n'esse combate da Arte, aquelles,
que emquanto vivos produziram genialissimas obras, e
[199]
seriam assombrosamente grandes em qualquer parte do mundo,
aqui deixo ficar, nas ultimas paginas do meu livro, tres
copias de tres trabalhos sublimes dos sublimes mestres, d'esse
trio sagrado de sacerdotes magnos do templo da Arte―Soares
dos Reis, Silva Porto e Raphael Bordallo Pinheiro.
E nada vos direi de taes genios artisticos porque para
isso seria preciso escrever tres volumes, e acho que quem é
tão pequeno como eu não se deve
abalançar a empreza tão
ardua e tão difficil, pois que para fazer o elogio d'estes
sublimes
mestres, exige-se pelo menos ser tão grande como elles na
litteratura e na critica.
Conduzindo o rebanho―silva porto
Por isso simplesmente, como significação de
respeito e
muita admiração ao seu grande talento, aqui lhe
deixo significado
o sentimento da minha muito grande veneração.
Havereis de ter notado n'este meu livro faltas extraordinariamente
grandes, bem sei. Mas, que quereis, quem dá o
que tem não é obrigado a mais.
Desejaria ainda fazer um catalogo, biographico e artistico
dos nossos melhores artistas e das suas obras com sabias
notas descriptivas, mas isso era trabalho largo de mais
[200]
para quem tão fracamente maneja a
penna e tão leves conhecimentos tem
em tal assumpto.
Vinte annos depois
raphael
bordallo pinheiro
Se um dia, porem, lá
para o futuro,
me achar com coragem de emprehender
empreza de tal bojo e tanta responsabilidade
prometto-vos que o farei o
mais larga e o mais desenvolvidamente
possivel.
E os artistas que me perdoem
então tal arrojo e tal atrevimento.
Por hoje apenas estas leves notas
reportivas d'um insignificante amador
de Arte.
Como estou em maré de desabafos, não
será de todo
mau que antes de terminar o mandato que a mim proprio impuz
não deixe de dizer alguma coisa a respeito d'alguns erros
que apparecem nas
Notas d'Arte.
Por isso, com a maior franqueza
declaro que, não querendo seguir as pisadas d'uma
grande parte dos nossos litteratos, imputando aos pobres typographos
erros que só cabem aos auctores como maus revisores
d'aquillo que escrevem, dou o seu ao seu dono affirmando que
todos os erros que surgem pelo volume fóra só
podem ser attribuidos
á ligeireza com que tracei todas essas rapidas
Notas
d'Arte que, a meu vêr, apesar dos seus
defeitos tem a grande
vantagem de mostrar o grande amor que tenho á arte sublime
do Bello e o desejo ardente de vêr galardoados os meritos
dos artistas e dos amadores portuenses.
A illustração e a benevolencia do leitor, pesando
bem a
senceridade das minhas palavras, supprirá todos os erros
remediando
assim o velho costume de finalisar com
emendas.
É certo que ninguem vae ao céo sem
emenda, mas uma
vez que se faz uma
confissão
expontanea o
penitente fica perdoado
dos seus
peccados.
30 de Novembro de 1906.
INDICE
dos
artigos |
Pag. |
No Limiar |
|
1 |
Impressões
d'uma
Exposição |
|
5 |
Pintores
Portuenses.―Julio Costa |
|
9 |
Pintores
Portuenses.―Antonio Carneiro
Junior |
|
17 |
Thadeu Maria
d'Almeida Furtado |
|
21 |
Pintores
Portuenses.―Arthur Loureiro |
|
25 |
Esculptores
Portuenses.―Fernandes de Sá |
|
31 |
Exposição
da Sociedade de Bellas-Artes de Lisboa |
|
39 |
Pintores
Portuenses.―Manuel San Romão |
|
67 |
A Mulher Artista |
|
73 |
Novas
Exposições d'Arte |
|
81 |
Uma
Exposição de Aguarellas organisada por
Amadores |
|
89 |
Pintores
Portuenses.―Thomaz de Moura |
|
93 |
Amadores
Portuenses.―D. Joanna Andressen Silva |
|
97 |
Pintores
Portuenses.―Antonio José da Costa |
|
105 |
Em frente d'um
Cartaz!... |
|
113 |
Na Cruz |
|
117 |
Amadores
Portuenses.―D. Margarida Ramalho |
|
119 |
Novos quadros de
Arthur Loureiro: |
|
|
I |
― |
No Atelier do Palacio de Crystal |
|
127 |
II |
― |
Arthur Loureiro e os seus discipulos |
|
131 |
III |
― |
Arthur Loureiro e a Academia de Bellas Artes |
|
135 |
IV |
― |
Mais uma visita ao Atelier de Arthur Loureiro |
|
141 |
Amadores
Portuenses.―Manuel Maria Lucio Junior |
|
145 |
Uma
Exposição de quadros do Instituto de Estudos
e Conferencias |
|
151 |
Uma
Exposição de Carneiro Junior |
|
159 |
Notas ligeiras
d'uma Exposição |
|
163 |
Amadores
Portuenses.―Alberto Ayres de Gouveia |
|
171 |
Uma
Exposição de Estatuetas.―Francisco Gouveia |
|
179 |
Amadores
Portuenses.―Manuel Monterroso |
|
185 |
A Baixella
Barahona |
|
193 |
Conclusão |
|
197 |
INDICE
Retratos |
Pág. |
|
Quadros |
Pág. |
S. M. a
Rainha |
|
73 |
― |
Estudo de
creança
(aguarella) |
|
75 |
El-Rei |
|
39 |
― |
Paisagem
(pastel) |
|
40 |
|
|
|
|
Guarda
arabe
(pastel) |
|
66 |
Alberto
Ayres
de
Gouveia |
|
171 |
― |
A
Palavra do
Mestre |
|
173 |
|
|
|
|
Christo
Morto |
|
175 |
|
|
|
|
S.
João lendo as
Profecias |
|
176 |
Adelina
Barros
(D.) |
|
144 |
― |
|
|
|
Alfredo
Keill |
|
|
― |
A
chegada da
deligencia aos Valles em Ferreira do Zezere |
|
61 |
Alice Grillo Lima
(D.) |
|
79 |
― |
Orchideas |
|
80 |
Antonio
José da
Costa |
|
105 |
― |
Chrysanthemos |
|
7 |
|
|
|
|
Guarda
Fiel |
|
103 |
|
|
|
|
Rosas
e
Pionias |
|
106 |
|
|
|
|
Outros
tempos |
|
107 |
|
|
|
|
No
Pinhal |
|
108 |
|
|
|
|
Camelias |
|
109 |
|
|
|
|
Junquilhos
e
Camelias |
|
110 |
|
|
|
|
Junto
do
Cruzeiro |
|
111 |
Arthur
Loureiro |
|
25-127 |
― |
Barra―Foz
do
Douro |
|
26 |
|
|
|
|
Frontal
d'uma
arca |
|
27 |
|
|
|
|
O
Passado |
|
28 |
|
|
|
|
Não
voltará
mais |
|
29 |
|
|
|
|
Retrato
de Sá de
Albergaria |
|
129 |
|
|
|
|
Retrato
do Dr. Francisco
Anthero |
|
132 |
|
|
|
|
Tigres |
|
134 |
|
|
|
|
Só
no
Mundo |
|
136 |
|
|
|
|
De aldeia em
aldeia |
|
138 |
|
|
|
|
Paisagem |
|
139 |
|
|
|
|
Flora |
|
140 |
|
|
|
|
Pinheiros |
|
142 |
Aurelia de Sousa
(D.) |
|
74 |
― |
Paisagem |
|
164 |
Branca Assis
(D.) |
|
|
― |
Tia
Bertha |
|
76 |
[203]
Candido da
Cunha |
7-88 |
― |
Impressão
de
Paris |
125 |
|
|
|
|
Crepusculo
Matutino |
|
153 |
|
|
|
|
A
Procissão |
|
162 |
|
|
|
|
Paisagem |
|
165 |
|
|
|
|
Paisagem |
|
177 |
Carlos
Reis |
|
|
― |
Mendiga |
|
44 |
|
|
|
|
Retrato de
El-Rei |
|
55 |
|
|
|
|
Olaia em
flor |
|
57 |
Carneiro
Junior |
|
17 |
― |
Retrato |
|
18 |
|
|
|
|
Entrega de
Evora |
|
160 |
Columbano Bordallo
Pinheiro |
|
193 |
― |
Tomando
chá |
|
53 |
|
|
|
|
Candelabro |
|
194 |
|
|
|
|
Centro de
meza |
|
195 |
|
|
|
|
Magdalena |
|
196 |
Condeixa |
|
|
― |
Cabeça
d'estudo |
|
41 |
Condessa d'Alto
Mearim |
|
78 |
― |
Poveretta |
|
169 |
Duqueza de
Palmella |
|
|
― |
Cabeça
de
negra |
|
4 |
Eduardo
Moura |
|
88 |
― |
Guardando
vaccas |
|
155 |
Fernandes de
Sá |
|
31 |
― |
Desafio |
|
32 |
|
|
|
|
Camões |
|
33 |
|
|
|
|
Beijo
Materno |
|
35 |
|
|
|
|
Busto de
Antonio
Cano |
|
37 |
|
|
|
|
Rapto de
Ganymedes |
|
63 |
Francisco
Gouveia |
|
179 |
― |
Teixeira
Lopes |
|
180 |
|
|
|
|
Eça
de
Queiroz |
|
181 |
|
|
|
|
Marcos Guedes,
Guedes d'Oliveira, Guerrra Junqueiro, Pae
Ramos |
|
182 |
Joanna Andressen Silva (D.) |
|
97 |
― |
Salão
do Palacete de D.
Joanna |
|
98 |
|
|
|
|
Canto do
Atelier |
|
99 |
|
|
|
|
Busto de
Mademoiselle Elisa
Andressen |
|
100 |
|
|
|
|
Busto de
Mademoiselle Ramos
Pinto |
|
101 |
|
|
|
|
Busto de
Mademoiselle Joanna
Andressen |
|
102 |
João Augusto
Ribeiro |
|
8 |
― |
Estudo |
|
178 |
João
Vaz |
|
|
― |
Marinha |
|
45 |
Joaquim
Marinho |
|
89 |
― |
|
|
|
José
de
Brito |
|
6-152 |
― |
Vaga |
|
47 |
|
|
|
|
Cabeça
de estudo
(pastel) |
|
91 |
José
Malhôa |
|
5 |
― |
Que grande
calamidade |
|
6 |
|
|
|
|
Barbeiro
d'aldeia |
|
42 |
José Romão
Junior |
|
168 |
― |
|
|
|
José Teixeira
Lopes |
|
88 |
― |
Paisagem
(aguarella) |
|
90 |
Julião
Machado |
|
|
― |
Cartaz |
|
114 |
Julio
Costa |
|
9 |
― |
Retrato do
Conselheiro João
Franco |
|
10 |
|
|
|
|
Retrato de
Oliveira
Martins |
|
11 |
|
|
|
|
O
Calvario |
|
14 |
|
|
|
|
A Ti
Anna |
|
15 |
|
|
|
|
Na
Cruz |
|
118 |
[204]
Julio
Ramos |
88-156 |
― |
Aos
Grillos |
164 |
|
|
|
|
Barcos de
Pesca |
|
170 |
Leopoldina Pinto
(D.) |
|
|
― |
Flores |
|
84 |
Lucilia Aranha Grave
(D.) |
|
163 |
― |
Na
Eira |
|
30 |
|
|
|
|
Paisagem |
|
183 |
Manuel Maria Lucio
Junior |
|
145 |
― |
Marinha |
|
147 |
|
|
|
|
Barra―Foz do
Douro |
|
149 |
Manuel
Monterroso |
|
185 |
― |
Caricatura do
auctor das Notas
d'Arte |
|
1 |
|
|
|
|
Cartaz |
|
115 |
|
|
|
|
Dr. Leopoldo
Mourão |
|
186 |
|
|
|
|
Uma pagina da
Parodia |
|
187 |
|
|
|
|
João
Oliveira
Ramos |
|
188 |
|
|
|
|
Estatueta de
Raphael Bordallo
Pinheiro |
|
189 |
|
|
|
|
O Rei da
Peça |
|
190 |
|
|
|
|
Os donos da
Casa |
|
191 |
|
|
|
|
Estatueta de
José
Ribeiro |
|
192 |
Manuel San
Romão |
|
67 |
― |
Na
espectativa |
|
68 |
|
|
|
|
Paisagem |
|
69 |
|
|
|
|
Paisagem |
|
70 |
|
|
|
|
Uma
sevilhana |
|
71 |
Margarida Costa Romão
(D.) |
|
166 |
― |
|
|
|
Margarida Ramalho
(D.) |
|
119 |
― |
Castanheira |
|
122 |
|
|
|
|
Cabeça
de
velho |
|
123 |
Maria Afflalo
(D.) |
|
168 |
― |
|
|
|
Maria Augusta Bordallo Pinheiro
(D.) |
|
|
― |
Um
lenço de
rendas |
|
23 |
Marques
d'Oliveira |
|
83 |
|
Paisagem |
|
43
|
|
|
|
|
Entre o
almoço e o
jantar |
|
59 |
|
|
|
|
Paisagem |
|
154 |
Raphael Bordallo
Pinheiro |
|
|
― |
Vinte annos
depois |
|
200 |
Silva
Porto |
|
|
― |
Conduzindo o
rebanho |
|
199 |
Soares dos
Reis |
|
|
― |
O
Desterrado |
|
197 |
Sophia de Sousa
(D.) |
|
82 |
― |
Ao
Sol |
|
197 |
Sousa
Pinto |
|
151 |
― |
|
|
|
Teixeira
Lopes |
|
184 |
― |
Busto
de
inglesa |
|
51 |
|
|
|
|
Santo
Isidoro |
|
65 |
|
|
|
|
A
Caridade |
|
85 |
|
|
|
|
Baixo relevo
(Saudade) |
|
161 |
|
|
|
|
Caim |
|
184 |
Thadeu Maria de Almeida
Furtado |
|
21 |
― |
|
|
|
Thomaz de
Moura |
|
93 |
― |
|
|
|
Torquato
Pinheiro |
|
156 |
― |
Retrato
de minha
Mãe |
|
8 |
|
|
|
|
Retrato
de Bernardino
Reaes |
|
157 |
|
|
|
|
Lavadeiras na
levada |
|
166 |
Velloso
Salgado |
|
49 |
― |
Panneaux
para o Palacio da
Bolsa |
|
87 |
|
|
|
|
Panneaux
para o Palacio da
Bolsa |
|
95 |
Zéo Wanthelet Batalha
Reis |
|
|
― |
Quem espera
desespera |
|
77 |
Notas:
[1]
Um dos mais distinctos professores da Escola
Medico-Cirurgica do Porto, já
fallecido.
Lista de erros corrigidos
Aqui
encontram-se
listados todos os erros encontrados e corrigidos:
* Índice alterado de acordo com legendas das imagens da obra.
As variações de nomes próprios foram
mantidas de acordo com o original.