*** START OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK 30424 *** *Nota de editor:* Devido à quantidade de erros tipográficos existentes neste texto, foram tomadas várias decisões quanto à versão final. Em caso de dúvida, a grafia foi mantida de acordo com o original. No final deste livro encontrará a lista de erros corrigidos. Rita Farinha (Nov. 2009) JOSÉ BARBOSA As relações luso-brasileiras LISBOA 1909 JOSÉ BARBOSA As relações luso-brasileiras (A immigração e a «desnacionalização» do Brasil) LISBOA EDIÇÃO DE JOSÉ BARBOSA RUA DO LORETO, 56, 1.^o D. 1909 TODOS OS DIREITOS RESERVADOS LISBOA TYPOGRAPHIA DO COMMERCIO Rua da Oliveira, 10, ao Carmo 1909 _Amicus Plato sed magis amica veritas..._ INTRODUCÇÃO O Brasil já foi uma região mal conhecida. Hoje já o não é. Em todos os centros civilizados deixou de ser ignorado. Existe, emfim! E não existe sómente por ser riquissimo de climas, de flora e de fauna, nem por offerecer, nos seus terrenos inexplorados, largo campo ás ambições insatisfeitas dos povos do Velho Mundo, nem sequer por haver desenvolvido de maneira collossal as suas producções. Tudo isso torna conhecido o Brasil. Mas o que mais lhe propaga o nome é a surpreza causada pela sua cultura, ainda ha pouco representada de modo inolvidavel e memorando pelos seus delegados na Conferencia de Haya e no Congresso de Hygiene de Berlim, Ruy Barbosa e Oswaldo Cruz. O que, além disso, não escapa a ninguem é a supremacia que lhe cabe entre as nações sul-americanas, é a funcção de arbitro da paz do continente, em que o investiram os estadistas da Republica, entre os quaes se tem de destacar a excelsa figura de Rio Branco. Para o Brasil de hoje convergem todos os olhares. Deixou de ser a terra do ouro e dos diamantes para se transformar em vasta arena aberta ás mais levantadas especulações da intelligencia e ás mais audazes e fecundas iniciativas materiaes. O estudo e o trabalho congregam-se para o seu progresso. A liberdade e a paz social acolhem e protegem os desherdados que alli vão buscar pão e esperanças... As sociedades européas, imbuidas de preconceitos e avassalladas pelos privilegios, trancam o futuro ás classes trabalhadoras. Que lhes resta, senão o recurso da expatriação? O caminho é o Oceano; a Chanaan é a America, a livre e egualitaria America, onde o trabalho é toda a nobreza. Nós, os portugueses, acompanhamos o movimento geral. A nossa America consiste principalmente no Brasil. Nem podia deixar de ser assim. A raça e a lingua são factores decisivos na escolha do destino. Nenhuma raça revéla maior resistencia do que a nossa, nenhuma é mais soffredora e tenaz. Como, porém, estamos desapparelhados para a lucta hodierna pela falta de diffusão do ensino, só excepcionaes qualidades ethnicas[1] explicam a posição que ainda cabe á nossa colonia no Brasil. Seria, no emtanto, indigno occultar, neste momento, que essa colonia se encontra sériamente ameaçada pelos nossos concorrentes. Está, aliás, na consciencia de todos esta verdade, que uns calam para lisonjear a nossa colonia no Brasil e outros por não lhe vêrem solução deante da criminosa pertinacia com que os governos dão tudo ás clientellas politicas e negam, por systema, a esmóla do ensino primario aos filhos do contribuinte faminto e esfarrapado! A obra da escola não se concilia com os interesses do regimen, não ha duvida; mas recusem ao povo, forçado a emigrar para não morrer de fome, a instrucção indispensavel para competir com os outros estrangeiros no Brasil e esperem o resultado no volume das remessas de numerario com que acudimos ao nosso balanço economico! O recurso das remessas do Brasil e a exportação que para esse paiz fazemos tornaram-se essenciaes á vida portuguesa. E, como nada se fez para dispensar tal dependencia e nada se procurou para assegurar aquelle estado de coisas, a nossa gente laboriosa, conscia dos riscos que corremos, mas sem noção exacta do problema, recebe com esperança e enthusiasmo todas as idéas apresentadas por pessoas bem intencionadas. Isso bastaria para explicar o côro das adhesões á proposta do sr. Consiglieri Pedroso[2], se não interviessem, no lance, a especial categoria, a illustração e o talento do emérito professor. Discordando, em varios pontos, desse plano de approximação luso-brasileira, dirigi a s. ex.^a uma _carta aberta_ a que o _Mundo_ deu a sua larga publicidade e na qual se lia: «O estreitamento das relações de Portugal com o Brasil, dada a vontade que nesse sentido revelam os dois povos, é mais do que facil, porque é inevitavel, porque está nos destinos de ambos. Imaginar, porém, como deduzo dos considerandos de v. ex.^a que, precisando nós da _seiva_ do Brasil, temos meio de lhe conferir uma compensação primacial, qual seja a de evitar o risco da desnacionalização que esse povo corre pela entrada cada vez maior de outros elementos ethnicos, é erro profundo que os factos condemnam de maneira formalissima. E, sobre ser um erro, esse juizo levantará contra Portugal e contra os portugueses a hostilidade das outras colonias e das outras raças, alli na mais intima convivencia e na mais constante fusão com a gente lusitana e luso-brasileira. Com tal motivo, qualquer esforço de approximação resultará contraproducente. Não posso, desde que se parte dessa base, dar a minha insignificante collaboração a uma tentativa que tenho por inefficaz, pelo menos. O Brasil precisa de milhões de estrangeiros. Não lhos podemos dar. Ha de procural-os em outros paizes. Mas, como é um paiz que se sabe governar e que nunca, nem sob este nem sob o antigo regimen, deixou de demonstrar sentimentos patrioticos e ardor civico, não corre o perigo, que v. ex.^a entreviu na colonização italiana e alleman, de se desnacionalizar. Com mais vagar, em um opusculo, hei de deixar demonstrado quanto estão afastados da realidade os que pensam como v. ex.^a. Se houvessemos de iniciar negociações com a idéa de evitar esse supposto risco, creia v. ex.^a que os brasileiros, cuja hospitalidade tive durante dezeseis annos e cujo espirito conheço, não agradeceriam o aliás generoso empenho, porquanto nelle veriam menos apreço pelas qualidades de intelligencia e de patriotismo, de que, com justiça, se ufanam muito mais do que das riquezas naturaes da sua patria. Sei que v. ex.^a, meu illustre correligionario, só é movido por altos e nobres estimulos. Estou convencido de que só á falta de documentos directos e de observação propria se póde attribuir o desvio do seu grande espirito critico em materia em que estudos especiaes dão a v. ex.^a merecida auctoridade. Felizmente, porém, entre muitas idéas de real utilidade que constam da proposta de v. ex.^a, vejo uma que me garante que o problema, nas suas linhas mestras, tem em v. ex.^a o paladino ao lado do qual se poderão alinhar os soldados da democracia portuguesa e os cidadãos da grande Republica Brasileira. Refiro-me á idéa de procurar approximar os dois povos pela adopção de um espirito commum na legislação de ambos. Nesse ponto estou enthusiasticamente com v. ex.^a, porque, não podendo a democracia pura, que é a Republica dos Estados Unidos do Brasil, seguir a evolução regressiva, essa aspiração impõe-nos, a nós portugueses, a marcha progressiva para a situação juridica do Brasil--o que só poderá ser conseguido por uma transformação politica e social, tão almejada por mim quanto por v. ex.^a. E comprehendo com que intimo constrangimento quem assim sente teria de obedecer ás regras protocolares do cargo ao pedir ao joven rei D. Manuel a sua cooperação para um emprehendimento que só póde ser levado a bom termo pelos dois povos e que só se desentranhará em realidades promissoras quando a realeza portuguesa constituir méra recordação historica. Faço votos por que v. ex.^a veja em breve realizadas as nossas aspirações communs. Se, porém, o nosso esforço interno não chegar para tanto, creia v. ex.^a que, para não falharem os seus destinos historicos, o Brasil e Portugal se hão de approximar cada vez mais e cada vez mais intensamente a democracia brasileira ha de exercer fatal acção sobre a nação portuguesa, abreviando os dias do regimen monarchico e apressando o advento da Republica Portuguesa. Não ha mais eloquente lição do que a dos factos. Não ha mais violenta propaganda do que a comparação antithetica dos povos brasileiro e português. E, cada português, que volta á patria, não tarda em sentir a magnitude da acção da Republica no Brasil e em reconhecer a falta das instituições a que lá se afizera. Garanto-o a v. ex.^a: se não fizermos a revolução, o Brasil ha de republicanizar Portugal. V. ex.^a conhece melhor do que eu o poder da osmose social.» Eis a origem deste trabalho. Julguem brasileiros e portuguêses se as convicções, que elle traduz, carecem de fundamento. I A PROPOSTA CONSIGLIERI PEDROSO Eis a proposta do presidente da Sociedade de Geographia: «Considerando que na evolução politica do mundo contemporaneo é facto historico, que se não póde contestar, a irresistivel tendencia para a unificação moral dos grupos ethnicos, que falam o mesmo idioma, podendo até por isso definir-se o dominio da lingua, na sua funcção social, como a patria espiritual de uma nacionalidade; Considerando que nem os mais poderosos Estados logram eximir-se a esta universal tendencia, como o prova o movimento de concentração que no momento actual se está operando nos povos anglo-saxonicos, nos germanicos propriamente ditos e mesmo nos povos slavos, apezar das differenças de religião e de linguagem que separam estes ultimos entre si; Considerando que, em virtude desta tendencia, é legitimo prevêr-se como irremediavel, em futuro relativamente pouco distante, se não o desapparecimento, pelo menos a desintegração das pequenas nacionalidades que não consigam defender-se, pela massa dos seus habitantes, da absorpção, consequencia fatal da lucta pela existencia, cada vez mais implacavel entre as grandes nações, que na sua ancia de açambarcamento inquietam os agrupamentos secundarios, embora muito adeantados em cultura; Considerando que Portugal e Brasil, pela sua origem, historia e tradições, pela lingua que ambos falam, pela raça a que pertencem e pelos multiplices interesses que os ligam, sem embargo do glorioso facto consummado da independencia brasilica, e, não obstante, portanto, serem duas soberanias politicas separadas e perfeitas, constituem na realidade, em face das outras agremiações nacionaes e exoticas, um grupo áparte, nitidamente delimitado, com individualidade distincta e, por conseguinte, com um destino historico completamente autonomo, circumstancia a que o direito internacional não póde ficar estranho; Considerando que, na situação de isolamento reciproco, em que se encontram, as duas nações estão compromettendo a grandeza do papel primacial que deviam representar no mundo, com grave prejuizo dos interesses proprios e apenas com vantagem para as nações rivaes, que se estão aproveitando habilmente da desunião de ambas; Considerando que a grande nação brasileira, não obstante os quasi illimitados recursos de que dispõe e as brilhantes qualidades dos seus filhos, que se estão impondo á consideração universal pela sua intelligencia e illustração, pelo seu patriotismo e pela sua actividade, corre o risco de se ir desnacionalizando pouco a pouco pela introducção, cada vez em mais larga escala, de elementos de immigração estranhos ao seu carater historico e até antipathicos á sua idiosyncrasia ethnica--provaveis causadores de futuras perturbações e de inevitaveis perigos para a União; Considerando que este sério risco de desnacionalização lenta, mas segura, sómente o Brasil póde conjural-o pela approximação e relações cada vez mais estreitas com Portugal, possuidor ainda hoje de um rico e vastissimo imperio em Africa, de territorio reduzido na Europa, não ha duvida, mas berço de uma robusta e prolifica população largamente espalhada pelo mundo, de extraordinarias faculdades de adaptação e resistencia, população indispensavel--e não substituivel por outra--para a conservação e pureza da raça nacional do Brasil; Considerando mais que o problema da gradual e progressiva fusão da numerosissima colonia portuguesa, que vive no Brasil, com a terra que lhe dá tão generosa hospitalidade é para os futuros destinos da nacionalidade brasileira de capital e decisiva importancia, mas sómente de solução integral possivel quando as duas nações, hoje separadas e quasi estranhas uma á outra, se harmonizarem no superior interesse de uma fecunda approximação; Considerando, por outro lado, que a economia nacional portuguesa só ao contacto intimo da exuberante seiva brasileira póde robustecer-se e tonificar-se, sendo, além disso, fecundissimo campo para a nossa actividade material e progredimento moral as vastas regiões cobertas pela gloriosa bandeira auri-verde; Considerando por isso como verdade evidente, sem possibilidade de discussão sequer, que a resolução definitiva do problema economico português depende grandemente--quaesquer que sejam os esforços, a sinceridade e a intelligencia que para ella se empreguem dentro das nossas estreitas fronteiras--de plenamente se realizar um forte e largo accordo luso-brasileiro, formula de renascimento mundial da nossa commum nacionalidade; Attendendo a que a tradicional alliança de Portugal com a Inglaterra, base da nossa situação politica internacional, assim como intimas relações de cordealidade com as tres nações latinas, nossas irmans, e com a Allemanha, nossa cooperadora em Africa, em coisa alguma são prejudicadas pela unificação moral de Portugal com o Brasil n'um pacto superior, permanente e _sui generis_, tal como o impõem os especialissimos laços fraternaes existentes entre as nações que falam a lingua portuguesa; E, attendendo, finalmente, a que á Sociedade de Geographia de Lisboa, pelos seus fins, pela sua constante tradição e pelo logar proeminente, tão excepcionalmente em evidencia, que occupa na vida nacional portuguesa, compete, nesta hora difficil para a patria, cooperar, quanto em si caiba, no movimento de renovação do nosso querido Portugal; Tenho a honra de propôr que, nos termos do artigo 40.^o dos estatutos, se crie uma commissão geral permanente com o titulo de «Commissão Luso-brasileira» a qual terá, entre outros, os seguintes fins: 1.^o--Estudar a forma mais adequada de se realizarem congressos periodicos luso-brasileiros, que devam, em prazos a fixar, reunir-se alternadamente em Lisboa ou Porto e no Rio de Janeiro ou outras cidades brasileiras com o intuito de discutir todos os assumptos de ordem intellectual e economica que interessem em commum e exclusivamente as duas nações, e onde haja de fazer-se a propaganda das deliberações que pelos mesmos congressos e pelos governos dos dois paizes tenham de ser tomadas a beneficio de ambos os povos, respeitando-se escrupulosamente a independencia de cada um delles e evitando-se toda e qualquer interferencia, por minima que seja, na vida interna e no modo de ser dos dois paizes reciprocamente; 2.^o--Estudar a forma de se negociar um tratado de incondicional arbitragem entre Portugal e as suas colonias de um lado e o Brasil do outro e de se realizar a conveniente cooperação das duas nações em assumptos de caracter internacional; 3.^o-- Estudar a fórma de se ultimar, com a urgencia que razões obvias aconselham, um tratado de commercio, ou antes um largo entendimento commercial entre as duas nações, procurando-se a maneira, até onde fôr possivel vencer as difficuldades naturaes inherentes ao assumpto, de que uma á outra concedam respectivamente vantagens especiaes que deixem de ser transmittidas aos outros Estados, não sendo, portanto, attingidas pela clausula de nação mais favorecida, inscripta actualmente nos tratados já existentes tanto de Portugal como do Brasil com os paizes estrangeiros; 4.^o--Promover a creação de uma linha de navegação luso-brasileira entre os dois paizes, sob o alto patrocinio de ambos os governos; 5.^o--Promover a fundação em Lisboa de um entreposto central para o commercio do Brasil na Europa e de um entreposto central no Rio de Janeiro para o commercio português na America, podendo, no caso de isso ser conveniente, fundar-se outros dois entrepostos, um no Porto e outro no Recife, ou onde mais convenha ao Brasil; 6.^o--Promover a construcção de dois palacios, um em Lisboa e outro no Rio de Janeiro, destinados á exposição e venda permanente dos productos nacionaes de cada um dos dois paizes no outro; 7.^o--Promover, sempre que fôr possivel, a unificação ou pelo menos a harmonização da legislação civil e commercial dos dois paizes; 8.^o--Promover a approximação intellectual--scientifica, literaria e artistica--dos dois paizes, dando aos professores e diplomados brasileiros em Portugal e aos professores e diplomados portugueses no Brasil os mesmos direitos com equivalencia dos respectivos titulos de habilitação; 9.^o--Promover visitas regulares de excursionistas e de estudo--de intellectuaes, de artistas, de industriaes e commerciantes portugueses ao Brasil e brasileiros a Portugal e ás suas mais importantes colonias; 10.^o--Estudar a maneira de se fundar em qualquer das duas capitaes, ou simultaneamente em ambas, uma revista que seja o orgão para servir de interprete permanente a este movimento de approximação luso-brasileira; 11.^o--Promover mais intimas e continuadas relações entre a imprensa brasileira e a imprensa portuguesa pela troca de collaboração e pela instituição de reuniões periodicas dos editores de livros e dos representantes do jornalismo de ambas as nações; 12.^o--Promover a intelligencia entre si, respectivamente, das sociedades scientificas, artisticas, de instrucção, de beneficencia, de gymnastica, de tiro, de natação e outros desportos maritimos e terrestres, etc., pertencentes aos dois paizes, assim como das associações academicas brasileiras e portuguesas, creando-se tambem bolsas de viagem para os estudantes de cada um dos dois paizes no outro; 13.^o--Promover o movimento de approximação luso-brasileira no Brasil, ou por intermedio de alguma das sociedades alli existentes, como a Sociedade de Geographia ou o Instituto Historico Brasileiro, que, á semelhança da Sociedade de Geographia de Lisboa, queira no territorio da União pôr-se á frente deste movimento, ou contribuindo para a fundação no Rio de Janeiro de uma liga luso-brasileira, com os mesmos intuitos que os da commissão permanente cuja creação aqui se propõe; 14.^o--Finalmente, estudar a maneira de se fazer da benemerita colonia portuguesa no Brasil a activa intermediaria da approximação moral dos dois povos, approximação que terá como symbolo da realidade da sua existencia a formosa lingua de Camões e Gonçalves Dias a falar-se dos dois lados do Atlantico e a servir, em duas patrias fraternalmente enlaçadas, de vinculo inquebrantavel á raça luso-brasileira, cujo destino historico, assim engrandecido, deverá, a bem da civilização, alargar-se triumphante pelas mais bellas regiões do globo, ás quaes o immortal genio latino, representado pela nossa commum nacionalidade, imprimirá, com o supremo encanto da forma, o estimulo da sua energia eternamente creadora.» II O PROBLEMA LUSO-BRASILEIRO O problema luso-brasileiro é uma realidade. Não está definido, não se lhe conhecem com precisão os termos; mas existe. Affinidades, claras e logicas umas, e outras obscuras e inconscientes, sollicitam os dois grupos sociaes e politicos, que compõem a _gens lusitana_, se assim se póde exprimir o conjuncto ethnico em elaboração nas terras sob a soberania portuguesa e sob a soberania brasileira. Existe o problema luso-brasileiro, como existe o hispano-americano, como existe o anglo-saxonio. Paizes que derivaram dos povos colonizadores por excellencia e que mantêem com elles intimas relações e permanente convivencia, ha tres nucleos de estados americanos que constituem, á maneira que se desenvolvem e á maneira que prosperam, não já simples e justificados motivos de orgulho para aquelles povos, mas poderosas engrenagens a cuja sorte elles não podem, de maneira nenhuma, ser estranhos. Sentimos vagamente que ha laços insoluveis que nos prendem ao Brasil. Dia a dia, hora a hora, reconhecemos que existe uma verdadeira interdependencia na vida luso-brasileira. O Brasil influe sobre Portugal e Portugal influe sobre o Brasil. Como e em que espheras das respectivas actividades se exercita essa acção? Eis onde surgem, cá e lá, as divergencias; eis onde collidem as opiniões e onde mais nitidamente se manifesta a complexidade do problema luso-brasileiro. Ha quantos annos Castelar lançou a idéa de estreitar os vinculos hispano-americanos? Ha mais de quarenta e, todavia, o problema ficou sem solução... Dizia Emilio Castelar: «Reunir as idéas de todos os nossos escriptores; communicar ao Novo Mundo o espirito hespanhol sob todas as suas formas raras e variadas; lembrar-lhe todos os dias, sob todos os tons da nossa lingua, que aqui vivem homens que são seus irmãos; mostrar a seus olhos o ideal de um futuro de paz, em que pela reunião das nossas forças e das nossas intelligencias poderemos fazer germinar nas entranhas dessa infeliz America, ferida pela tempestade, e no seio desta desgraçada Hespanha consumida pelas cinzas das suas ruinas, uma sciencia nova e uma literatura nova; fazer tudo isto com uma constancia, que lembre o nosso antigo caracter, e fazel-o sem outra recompensa além da satisfação da nossa consciencia, é um dos maiores e mais positivos beneficios que se podem conceber para a nossa raça abatida.» A iniciativa do sr. Consiglieri Pedroso no tocante ás relações luso-brasileiras relembra a de Castelar no que concerne ás hispano-americanas. A cultura historica, em ambos fortalecida pelas sciencias politicas e sociaes, levou esses dois espiritos de eleição a encararem o mesmo problema sob aspectos quasi identicos. Ao lusitano, como ao hespanhol, affigurou-se indispensavel a _seiva americana_ ao caule ibérico. Era, nos dois casos, a verificação confessada de factos insophismaveis da economia da peninsula hispanica; mas problemas economicos têm de ser resolvidos economicamente. Ora, se Castelar queria que se puzesse em pratica todo o seu programma com a só recompensa da consciencia satisfeita, o sr. Consiglieri Pedroso, mais positivo, estabeleceu um programma em que prevalece o _do ut des_, a troca de vantagens e serviços capazes de apertar os laços que prendem a patria de Camões á de Gonçalves Dias. A forma pela qual se virá a tornar effectiva essa solidarizacão decorre forçosamente das bases que se adoptarem para a conseguir. O estadista hespanhol Francisco Silvela, abordando o problema hispano americano, dizia que, «para a renascença das forças da sua patria», era indispensavel «luctar nos mercados» das antigas colonias, que considerava mercados naturaes da Hespanha; mas, no seu plano, que ia até uma confederação ibero-americana, entendia que «o mercado hespanhol» devia «uma legitima reciprocidade ao commercio, á industria e á agricultura desses povos irmãos». Como dar realidade ao ridente projecto? Não nol-o soube ensinar Castelar, não nol-o mostrou Silvela: morreram e tudo continua como antes... Oxalá seja mais proveitosa a nossa iniciativa. O sr. Consiglieri Pedroso, com todo o seu saber, labóra num engano. Á sua perspicacia deve ter causado impressão a simples lista dos brasileiros que, com representação official, assistiram á sessão da Sociedade de Geographia. Alli esteve o primeiro secretario de legação, sr. Alvaro de Teffé, filho do almirante barão de Teffé, cuja familia, _von Hoonoltz_, se me não affigura lusitana, embora aos serviços do almirante deva o Brasil a mais grata recordação de patriotismo; e, dos quatorze officiaes de marinha presentes, um era Burlamaqui, outro Bardy, outro Lindenberg, outro Wegylin, outro Costallat... Este facto bastaria, numa representação tão diminuta, para nos desilludir ácerca da idéa corrente em Portugal de que sómente os filhos dos portugueses adoptam a nacionalidade brasileira. Antes, estivera no porto de Lisboa o _destroyer_ «Piauhy», commandado por Pedro Frontin, tendo por immediato Armando Burlamaqui. E por Lisboa têm passado Filinto Perry e Octavio Perry, officiaes de marinha e filhos de outro illustre official, e tantos outros, a quem nem o nome nem a origem attenuam o sentimento nacional. Lauro Müller, filho de colonos allemães de Santa Catharina, é senador e coronel do exercito e foi ministro da viação no governo Rodrigues Alves. Olavo Bilac, Escragnolle Taunay, Pardal Mallet, Clovis Bevilacqua, Henrique Oswald, Felix de Otero, H. Chiaffitelli, Rodolpho e Henrique Bernardelli, Ludovico Berna, Elyseu d'Angelo Visconti, o architecto Stahlembrecher, o pintor Chambelland, nas letras e nas artes; Raja Gabaglia, Lima Drummond, Alfredo Pujol, Vergueiro Steidel, G. Hasslocher, Wanderley Araujo, no direito; Chapot Prévost, Monat, Chardinal, Seidl, Niobey, Alberto Muylaert e Rebello Kock, na medicina; Paulo de Frontin, José e Jorge de Lossio Seiblitz, Estanislau Bousquet, Victor Villiot, Everardo Backeuser, Henrique Kingston, Julio Delamare Koeler, Van Erven, Dunham, na engenharia; Gaffrée, Guinle e Street, na industria--para citar só de memoria e para pôr de lado aquelles que remontam a um passado já distante--são nomes que ninguem póde crêr usados por pessôas alheias ao espirito nacional brasileiro. Quem foi o ministro da marinha do governo provisorio? Wandenkolk. E quem é o actual ministro da guerra? Bormann. De sangue italiano são os filhos do insigne jornalista, hoje presidente do Senado, Quintino Bocayuva; têm sangue francês os filhos do extraordinario patriota que se chama Rio Branco. E, apezar de toda esta fusão de raças, o sentimento brasileiro nada soffre! E, apezar de quaesquer receios de desnacionalização, o que se vê é que cada vez se vae robustecendo mais a nacionalidade! E, se é certo que a lingua é o mais poderoso elemento caracteristico das nacionalidades, é evidente que, dentro do Brasil, todos os exoticos são absorvidos e assimilados pela massa luso-brasileira, que forma a sua força ethnica preponderante. O dr. Bulhões Carvalho, director geral da Estatistica, no prologo do «Boletim Commemorativo da Exposição Nacional de 1908», dizia: «Em relação á naturalidade, é extraordinario o predominio do elemento nacional do Brasil. Em 1872, o numero de estrangeiros era de 383.546 para 9.728.515 brasileiros; em 1890 o total dos estrangeiros era de 351.545 para 13.982.370 brasileiros; em 1900 a cifra dos estrangeiros attingia a 1.240.264 para 16.078.292 brasileiros.» III O SUPPOSTO PERIGO Onde existe o perigo da desnacionalização? Diz o sr. Consiglieri Pedroso, no seu 7.^o considerando, que «o Brasil corre o risco de se ir desnacionalizando pouco a pouco pela introducção, cada vez em mais larga escala, de elementos de immigração estranhos ao seu caracter historico e até antipathicos á sua idiosyncrasia ethnica--provaveis causadores de futuras perturbações e de inevitaveis perigos para a União». A immigração não portuguesa--eis em que consiste o perigo, no dizer do eminente professor. Ora, a verdade, falada pelos numeros, póde ser sem brilho, mas é irrecusavel. Em todo o periodo que vae de 1820 até 1907, diz-nos a estatistica (_Bulhões Carvalho_, trabalho citado) que, nos portos do Brasil, entraram 1.213.167 italianos, 634.585 portugueses, 288.646 hespanhoes, 93.075 allemães, 56.892 austriacos, 54.593 russos, 19.269 franceses, 11.731 turco-arabes, 11.068 ingleses, 9.086 suissos, 3.780 suécos, 11 belgas e 165.590 de outras nacionalidades. Ao todo entraram 2.561.482 immigrantes. Tirando os portugueses, temos 1.926.897 immigrantes, não sabemos se todos «estranhos ao caracter historico e antipathicos á idiosyncrasia ethnica» do Brasil. É claro que não constituiu a sua superioridade numerica causa de perturbações nem de perigos para a nação... Esses elementos encontraram na sociedade organizada o meio propicio á adaptação. Foram assimilados. E, como a emigração não representa a cultura, porque é recrutada entre as classes mais desprotegidas dos paizes europeus, essas ondas humanas foram fecundar as terras de Santa Cruz e lá puderam proporcionar á sua próle o bem-estar, a instrucção e a educação que, deste lado do Atlantico, ella desconheceria; mas não lhe modificaram a cultura: quando muito, integraram-se nella. Desses immigrantes ficaram os nomes. Os cruzamentos, o ambiente e a evolução peculiar da sociedade nova em que foram incorporados, formaram um typo nacional, em que predominam as caracteristicas portuguesas, mas que, sob alguns aspectos, tende a differenciar-se do nosso. Por que se deu esse predominio? Pelo facto politico-social da posse e da soberania, em primeiro logar; depois pela acção eugenica dos portugueses sobre os elementos indigenas e africanos; e, finalmente, pela continuação d'essa influencia na descendencia mestiça. Quando, ha oitenta e tantos annos se iniciou a corrente immigratoria não portuguesa para o Brasil, já lá havia uma consideravel população com a nossa cultura, com as nossas tradições e com as nossas instituições. Era a nossa raça? O brasileiro era o luso? Sylvio Romero nega que o fosse. Acha que a historia do Brasil não é a «historia exclusiva dos portugueses na America», nem a dos tupys, nem a dos negros. «É, antes, a historia de um typo novo.» Esse typo novo não podia deixar de ter com o português--elemento superior da sua formação inicial--affinidades mais intimas do que com qualquer outra nacionalidade. Os destinos de um povo dependem dos seus elementos ethnicos superiores. Assim foi que, dada a implantação da civilização européa na America, as nações, que vieram a constituir-se n'esse continente, se tiveram de modelar e pautar pelas de que promanavam, reproduzindo, além da medida exacta do sangue, as qualidades essenciaes das raças originarias superiores. É sob este ponto de vista que o brasileiro é o português da America, onde o Canadá ainda representa o francês e o inglês, o americano do norte prolonga a modalidade britanica, e os demais povos conservam inconfundiveis traços do hespanhol. Limitando-nos ao caso que nos respeita, quer isto dizer que o brasileiro se encontra apparelhado pela consciencia nacional e pelas energias de ordem legal, moral e material, que dão realidade aos gremios nacionaes, para proseguir na sua marcha evolutiva independente, apezar de quaesquer nucleos extra-lusitanos que para o Brasil emigrem. Os factos corroboram a nulla acção desnacionalizadora dos immigrantes não portugueses. De 1824 a 1859, anno em que os allemães deixaram de ir para o Brasil em virtude do rescripto famoso do ministro prussiano Van der Heydt, esses colonos, espalhados pelas provincias do sul, não logravam attingir a cifra de 30.000. A Allemanha, reconhecendo que cresciam extraordinariamente, apezar de prohibida a emigração, as populações germanicas no sul do Brasil, procurou conserval-as unidas á _Vaterland_ por meio do ensino: creou escolas e na lingua tinha um vinculo precioso e poderosissimo. São conhecidos por _teutos_ esses brasileiros, que, se puderam ser motivo de preoccupações, deixaram de o ser desde que, á escola e á lingua allemans se oppuzeram a escola brasileira e a nossa lingua. Quinhentos mil _teutos_, muito prolificos, em incessante incremento, constituirão esse perigo? Ou serão os quasi cem mil que, nesse total, conservam a nacionalidade alleman? Ou serão esses, mais os dois milhões e meio de italianos e filhos de italianos e mais outro milhão de pessoas de outras linguas? Quatro milhões dos seus dezoito a vinte milhões de habitantes não podem desnacionalizar o Brasil. E ai de nós se o pudessem fazer! Que remedio lhe poderiamos dar com os nossos seis milhões de habitantes, em que só não são analphabetos 1.200.000, quando esses paizes para lá mandam gente muito menos ignorante? O perigo da desnacionalização não existe realmente. A actual população possue capacidades triumphantes de resistencia á invasão exotica. Quem o reconhece não somos nós, são os proprios allemães e italianos. A illusão desfez-se. O _Deutschthum_ falliu na sua execução sul-americana. A _Nova Italia_ foi fantasia logo batida pela realidade. E, como, afinal, á falta de melhor, basta, a quem faz negocios, não os perder, a politica dos povos emigrantistas, isto é, dos que precisam ir conquistar a terras novas o pão que as velhas lhes negam, transformou-se; e em novas aspirações praticas passou a traduzir-se. Diz o allemão dr. Robert Jannassh: «O immigrante que aqui vive e trabalha, tem de se tornar brasileiro, deve aprender a lingua do paiz, esforçando-se por se exprimir n'ella tão bem como em seu proprio idioma, sem o que não poderá tomar parte na vida publica em beneficio da collectividade.» Diz o professor Siever, da Universidade de Giessen: «Se o imperio allemão quer recuperar a sua antiga preponderancia no concerto das potencias, procure adquirir, na America do Sul, real influencia; mas não sob a forma de annexações e sim na base de relações commerciaes, industriaes e pecuniarias...» O professor Vincenzo Grossi, da Universidade de Roma, aconselha egualmente que os emigrados adoptem a lingua e a nacionalidade dos paizes em que se installam. O remedio, está-o applicando a Republica dos Estados Unidos do Brasil: é a escola, é a legislação tendente á absorpção do estrangeiro. Assim prevenido, o Brasil ha de receber, sem risco algum, as enormes lévas de trabalhadores, que o seu progresso material e a sua missão no equilibrio sul-americano reclamam e que Portugal, já com escassas energias no ponto de vista demographico, não lhe póde offerecer. IV OS ESTRANGEIROS NO BRASIL Chegou a haver no Brasil uma forte corrente de opinião contraria á immigração italiana e alleman. Não ha negal-o; mas a verdade é que essa corrente deixava de encarar o problema tal qual era na verdade, para vêr unicamente um facto apparentemente grave para a existencia nacional, qual era a formação de poderosos nucleos de lingua italiana e alleman nos Estados do sul da Republica. Esses nucleos não encontravam meio favoravel á conservação das suas nacionalidades de origem. É certo que para onde convergiam os italianos, como em S. Paulo, acorriam outros italianos, da mesma fórma que os allemães se congregavam no Rio Grande do Sul, Santa Catharina e Paraná. Era tal a força das affinidades nacionaes que em algumas regiões 80 a 95% da população era _teutonica_; e, como era natural, os _teutos_, por lá, eram os que tinham de desempenhar todas as funcções publicas e de exercer todas as fórmas da actividade segundo as tendencias da sua raça e de accordo com as conquistas da propria civilização. Mas a verdade dos factos é que esses agglomerados ethnicos perdiam o espirito nacional á maneira que os filhos entravam na vida brasileira e á medida que a prosperidade no novo _habitat_ os prendia á terra de adopção. E adopção dizemos porque, de facto, os estrangeiros idos para o Brasil até 1890--anno em que, com a autonomia aos estados dada pela Republica, entrou a crescer de modo consideravel a immigraçao[3]--eram absorvidos, incorporados na massa nacional. Affirma-o a estatistica. O censo de 1890 accusa, com effeito, 351.545 estrangeiros para 13.982.370 brasileiros. Quer isto dizer: 1.^o que os filhos de immigrantes tinham adoptado a nacionalidade brasileira; 2.^o que a propria gente exotica, em grande parte, tinha acceitado a naturalização tacita, porquanto só nos annos de 1880 a 1889, a entrada no Brasil--de todas as origens--tinha passado de 300.000 estrangeiros. É, porém, verdade que alguns homens, aliás eminentes, do Brasil tiveram receio dos grandes grupos de população de lingua estranha. Desse facto, nem sempre apreciado com justeza de criterio, resultou a noção de um _perigo allemão_ e de um _perigo italiano_, que, se existiram algum dia, foi pela possibilidade de conflictos internos de gentes de culturas divergentes em fusão, e não pela ameaça de desviar a nacionalidade dos seus destinos resultantes de tendencias acima de tudo definidas pela lingua. A Republica, ao ser proclamada, encontrou-se deante de «sérios problemas», neste terreno melindrosissimo. Falava-se no espirito monarchico dos _teutos_; dizia-se que, a um aceno de Silveira Martins, se ergueriam dezenas de milhares de _teutos_; havia quem acreditasse--na Europa principalmente!--que o Brasil se ia dividir em tres estados: ao norte, a Amazonia; ao centro uma nação em que viriam a preponderar os italianos; ao sul, uma nova Allemanha, que, lá para 1999, devia ter 30 a 35 milhões de habitantes... Andou isto pela imprensa francesa, inglesa e alleman, que, sobre um artigo do _Tempo_,[4] de Lisboa, bordou longas e arbitrarias considerações historicas e ethnologicas e se perdeu em estopantes dissertações de direiro. Os «sérios problemas» existiam, em todo o caso. Era preciso introduzir trabalhadores no Brasil! Esse é que era o maximo problema. Faltavam os braços á lavoura. Aonde ir buscal-os, senão aos paizes que os podiam fornecer em maior abundancia? Aonde, senão aos paizes de lingua estranha, já que Portugal só lhe dera 24.000 colonos em 1888 e 28.000 em 1889? Aonde, se, apesar de todos os esforços, o estado de S. Paulo só conseguiu, de 1890 a 1904 exclusivé, pouco mais de 36.000 portugueses contra 190.000 italianos? A immigracão subsidiada pelo Estado obedecia a uma imperiosa necessidade economica. Tinha de ser feita, com as raças que offerecessem mais braços disponiveis. Mas, se já na epoca das fracas lévas exoticas se falára em «perigos», que não seria depois de abolida a escravidão, depois de mudado o regimen politico?... Mais do que nunca havia que cercar a nacionalidade de meios de defeza. Foi por isso que o governo provisorio tratou, logo nos seus primeiros dias, de decretar a grande naturalização. O decreto de 15 de dezembro de 1889, que deu a nacionalidade a todos os estrangeiros que, estando no Brasil em 15 de novembro, a quizessem, teve alcance muito maior do que se imagina, embora os protestos de Portugal, Hespanha, Inglaterra e Hollanda contra a lei tivessem attenuado, de certo modo, a sua efficacia. No debate deste assumpto, no seio do governo provisorio, propondo que se mantivesse a lei, dizia Quintino Bocayuva, ministro das relações exteriores, que «a par da energia» que devia manter o governo para com as nações estrangeiras, «devia tambem usar de certa delicadeza» porque o Brasil «_dependia do problema, maximo da immigração_».[5] Observou-se a delicadeza. Manteve-se a lei. Os resultados de tal politica estão no censo de 1890, como já vimos; mas vinha de longe esse esforço. O partido republicano, tantas vezes accusado, depois do novo regimen, de hostilizar o estrangeiro, sempre advogára as mais liberaes medidas para a naturalização. E essa pretensa hostilidade sómente significava justificado espirito nacionalista. Já em 1881, ao dirigir-se aos eleitores de S. Paulo, o grande cidadão, que se chamou Francisco Rangel Pestana, dizia (_Programma dos Candidatos_) que o seu partido tinha, no seu manifesto de 1880, tomado nessa materia um compromisso solemne, que impunha «uma reforma na legislação de modo a ser facilitado ao estrangeiro domiciliado no Brasil o meio de entrar, _sem vexame e com o conhecimento exacto das necessidades do paiz_, na communhão social» brasileira. E, depois de criticar a legislação então vigente na materia e de mostrar as necessidades que havia para o bom exito da medida, dizia: «Nem especialmente em relação ao augmento da corrente de immigração, nem em relação ao progresso moral e material do paiz, a propaganda em favor da naturalização trará resultado seguro e vantajoso, se outras reformas não vierem mudar _este estado de coisas que entristece os bons pensadores de todos os partidos_.» Entendia Rangel Pestana que o estrangeiro não procuraria adoptar a nova patria se não reconhecesse que havia nella «garantias para os seus direitos civis e mesmo para os politicos». A Republica não faltou aos seus compromissos. V O POVOAMENTO E A NACIONALIDADE Os systemas geralmente adoptados para a acquisição de braços foram todos experimentados no Brasil. Desde a immigração subsidiada ás multiplas formas de colonização, não houve processo que, em maior ou menor escala, deixasse de ser ensaiado. Tratava-se realmente do problema maximo. Os elementos naturaes não bastam, as riquezas de todos os generos e os mais vastos territorios de nada servem quando falta a população. É o homem que fecunda e valoriza tudo. Escrevia, em 1901, o Dr. Luiz Pereira Barretto:[6] «Variedade de climas; numerosos e volumosos cursos de agua irradiando de um admiravel planalto central que convida a humanidade futura a alli vir derramar 400 milhões de habitantes; exuberantes florestas; uma flora e uma fauna de suprema belleza; riqueza de sólo; immensas jazidas de mineraes de toda a sorte: 1.200 léguas de costa; portos abundantes e tocando ao ápice da perfeição ideal como largueza, segurança e elegancia e attingindo alguns a proporções colossaes; tudo, tudo possuimos na mais vasta escala. Não seremos capazes de fazer valer tantos e tão excepcionaes recursos?» O Brasil, para fazer valer os seus recursos, em verdade excepcionaes, precisou sempre, precisa hoje, e precisará amanhan de augmentar a sua população, cujo crescimento vegetativo é insignificante para o seu territorio, com gente das regiões em que a lucta pela vida é mais dura. A immigração é o processo de crescimento que se lhe impõe. Foi, com esse intuito que o estado subsidiou a introducção de trabalhadores, fez as concessões dos burgos agricolas, creou os nucleos coloniaes, e, por fim, organizou um vasto e completo systema de povoamento do sólo. A experiencia ensinou que era indispensavel preparar o meio para attrahir e prender o estrangeiro. A esta orientação obedeceram recentes medidas governativas, de entre as quaes podemos destacar: as leis que declararam privilegiadas as dividas provenientes de salarios de operarios agricolas (janeiro de 1904, dezembro de 1906 e março de 1907); a organização do serviço de Propaganda e Expansão Economica do Brasil no Estrangeiro (outubro de 1907); a regulamentação do serviço de povoamento do sólo (leis de 30 de dezembro de 1906 e 19 de abril de 1907); as instrucções para a fundação de nucleos coloniaes e localização de immigrantes por conta da União (portaria de 21 de dezembro de 1907); o decreto de 5 de janeiro de 1907, que creou os syndicatos e as cooperativas--instituições correntes em alguns paizes emigrantistas. As vantagens e garantias constantes de todas estas medidas são obvias; todavia ha que lêr o regulamento do serviço de povoamento para comprehender o espirito que guiou, nesta materia, o governo brasileiro. É preciso fixar muita gente: por isso, «a União promove o povoamento, mediante accordo com os Estados, emprezas de viação ferrea e fluvial, companhias ou associações e particulares» (Art.^o 1.^o); os immigrantes, cuja moralidade e cuja saude são fiscalizadas (art. 2.^o), constituem nucleos em lotes de terras escolhidas, em bôas condições de salubridade e com transporte facil e installam-se nos nucleos como proprietarios (art.^o 5.^o), e só excepcionalmente (art.^o 4.^o)--porque é preciso admittir as surprezas de uma exploração que se inicía--os immigrantes poderão ser introduzidos sem acquisição de terras; pelo Estado ou pelas emprezas serão fornecidas gratuitamente, aos immigrantes, ferramentas e sementes (art.^o 7.^o, alinea V); os lotes em regra terão casa para a familia do immigrante e terreno preparado para as primeiras culturas (art.^o 21.^o); os lotes serão vendidos a prazo ou á vista; os adquirentes dos lotes terão (art.^o 36.^o), durante os seis primeiros mezes, o auxilio indispensavel á sua manutenção e á da sua familia; terão, durante um anno, pelo menos, (art.^o 27.^o), serviços medicos e pharmaceuticos; se o adquirente morrer, depois de pagar tres prestações, (art.^o 43.^o) serão dispensadas as outras em favor da viuva e dos orphãos; o Estado (art.^o 96.^o) restituirá aos immigrantes espontaneos, que fôrem agricultores, a importancia das passagens do porto de embarque ao de destino, dar-lhes-ha (art.^o 97.^o) desembarque, agasalho, alimentação, medico e remedios até seguirem para o seu destino, com transporte gratuito; será concedida repatriação a viuvas, orphãos e inutilizados por doença ou accidente, os quaes (art.^o 131.^o) poderão vender os seus lotes; aos melhores immigrantes com mais de tres e menos de seis annos de posse dos lotes serão concedidos (art.^o 132.^o) premios de viagem ao seu paiz do origem. Basta este insignificante extracto para se avaliar o intelligente esforço que o Brasil faz para fixar o estrangeiro. Bem dizia o ministro Calmon, no seu relatorio de 1908, que esse regulamento revelava «a preoccupação de assegurar ao immigrante elementos de feliz exito e garantias de bem-estar e liberdade». E, justificando as medidas que resumimos, ponderava que a «suprema ambição do proletario que se expatria é tornar-se proprietario.» Introduzir immigrantes não é, porém, o unico fim da lei a que nos estamos referindo: tem ainda em mira _povoar_ o Brasil, isto é, preparar novas forças de crescimento vegetativo; e não deixa de attender á questão da nacionalidade. Como? É o que vamos vêr resumindo outros dispositivos da lei. O art.^o 19.^o manda reservar, em cada nucleo, lotes para grupos escolares. O art.^o 44.^o estabelece aulas de ensino primario gratuito; o art.^o 57.^o manda applicar o art.^o 44 aos nucleos fundados pelos governos dos estados; o art.^o 57.^o impõe essas obrigações ás emprezas de viação, as quaes têm de promover o povoamento das terras marginaes ou proximas das suas linhas. Temos, pois, o ensino da lingua portuguesa, como meio de nacionalização, aliás adoptado, de ha muito, em todas as regiões onde se agglomeram massas de immigrantes. Onde se abriu uma escola estrangeira, não raro em um pardieiro, surgiu sempre um edificio lindo, com bellos jardins, para a escola nacional. Mas ha outras providencias com o mesmo intuito nacionalizador. Assim, os lotes são vendidos a prazo só aos immigrantes com familia, os quaes podem adquirir segundos lotes contiguos aos primeiros (art.^os 26.^o, 27.^o e 28.^o). Ao immigrante estrangeiro que contrahir casamento com brasileira ou filha de brasileiro nato, ou ao agricultor nacional que se casar com estrangeira aportada ha menos de dois annos como immigrante, será concedido (art.^o 29.^o) um lote de terra com titulo provisorio, que se substituirá por outro definitivo de propriedade, _sem onus algum para o casal_, se este tiver durante o primeiro anno, a contar da data do titulo provisorio, convivido em boa harmonia. E se, após o casamento, quizer adquirir um lote a titulo definitivo (art.^o 30.^o) ser-lhe ha feita a venda por metade do preço estipulado. Em todos os nucleos (art.^{os} 46.^o e 53.^o) serão dados 10% dos lotes a nacionaes. Sempre que n'um nucleo houver 300 lotes de estrangeiros será organizada (art.^o 46.^o) uma secção de lotes para agricultores nacionaes. O mesmo poderão fazer as emprezas contractantes de colonização (art.^o 78.^o). E sempre que «a necessidade publica o exigir e o Estado interessado não os pudér organizar, a União fundará nucleos coloniaes destinados exclusivamente a agricultores nacionaes. Julgamos que estas disposições legaes falam com sufficiente eloquencia. Ainda ha outras precauções com identico fim. A constituição, que só véda ao naturalizado a presidencia da Republica, estatue que a navegação de cabotagem tem de ser nacional (art.^o 13.^o § unico). A recente lei das successsões é de intuitos nacionalistas. A lei dos syndicatos profissionaes, os quaes (art.^o 2.^o) para gosarem de personalidade civil têm de ter direcções formadas por brasileiros natos ou naturalizados, tambem é um elemento de attracção para o operariado dos paizes mais cultos, que nesse estatuto encontra os conselhos, a que está habituado, de conciliação e arbitragem e as associações de previdencia, assistencia e mutualidade, que lhe são indispensaveis. VI A IMMIGRAÇÃO PORTUGUESA Ha porventura melhor immigrante do que o português? Direi, sem receio de contradicta, que, para o Brasil, é o melhor, apezar das condições especiaes em que tem estado a nossa patria quanto á instrucção publica. No Annuario de Estatistica demographo-sanitaria de 1895, Bulhões Carvalho, aliás nem sempre justo com a nossa colonia, reconhece que o português é o immigrante «que tem mais inclinação para se fixar no paiz». É certo. Patriota até onde póde elevar-se esse sentimento, o português, em regra, não se naturaliza. Affeiçôa-se ao novo domicilio; não elege nova patria. Não significa o seu proceder menos estima ao Brasil, senão mais acendrado amôr a Portugal. Para elle ha um paiz sem egual: é o seu, que não tem defeitos, que é o mais intrépido e o mais feliz do mundo... O sentimento exalta-se-lhe com a distancia. A recordação dos mais tenros annos amplifica a sua visão saudosa. Mas é preciso reconhecer que, mesmo quando revê a sua terra, a nossa, tão bella e tão infeliz, a dôr que lhe causa o descalabro geral não consegue arrancar-lhe do intimo esse ardente amôr. Póde a evidencia dos factos transformar-lhe as aspirações, rasgar-lhe horisontes fulgentes para o lado que antes se lhe affigurava caliginoso. Que importa? O seu sonho é a felicidade de Portugal. E ou tenha visto e sentido o mal, ou tenha ficado alheio á verdade da situação portuguesa, permanece português. O seu domicilio é que já não é Portugal. A sua vida, em geral, adaptou-se ao meio brasileiro. Fixou-se. A sua próle é brasileira; os costumes, que contrahiu, criaram-lhe segunda natureza. O Brasil só lhe póde ser grato porque elle lhe dá o seu trabalho indefesso e honrado e porque os seus filhos são brasileiros. Elle cumpre a missão do homem que se expatria para melhorar de fortuna. Não concordamos com a affirmação de Bulhões Carvalho, no Annuario referido, quanto á pretendida tendencia dos portugueses para afastarem, dos logares em que dominam, qualquer outro elemento estrangeiro. Existem, é certo, nucleos de portugueses e em alguns pontos póde um exame superficial permittir a supposição de que se encontram sós por haverem expellido os outros immigrados. Não é essa a razão do phenomeno, que tambem se manifesta com os italianos, os allemães e os hespanhoes. Um inquerito minucioso demonstraria que esses agrupamentos não se limitam ás nações, descem ás provincias, ás regiões e até ás villas e aldeias. Não se comprehenderia a immigracão espontanea, que não é quantidade desprezivel, sem o reencontro de parentes, visinhos e conhecidos. Um parte porque o outro partiu antes. Assim se congregam os trabalhadores em todos os paizes americanos. Assim tinha de acontecer com os nossos patricios no Brasil. Forçoso é convir que o director geral da Estatistica tem razão quando affirma que «o progresso na industria, no commercio, nas letras e nas artes é mais bem representado por outros povos do que pelo velho Portugal com as suas grandiosas tradições historicas». Ha mistéres para todos, mesmo para os mais atrazados, num paiz novo: os mais humildes cabem aos menos preparados para a lucta pela vida. O accrescimo physiologico não soffre com essa inferioridade. O que é claro é que dahi decorre a imminente subalternização da nossa colonia. O aviso do distincto funccionario brasileiro mereceria a nossa gratidão official, se acaso nas regiões do poder se olhasse a sério para os interesses nacionaes. É um brado affectuoso: «Olhae para os vossos competidores. Defendei-vos!» Defender nos... Como havemos de nos defender, se o regimen tem medo do _a b c_ ? A miseria impelle para o mar os camponios analphabetos e elles lá vão, heróes obscuros, trabalhar pela Patria! E como trabalham alegres, confiantes e esperançados! A America, disse um publicista italiano, é, pelo menos, a esperança. A esperança move os que emigram, e emigra quem é capaz de luctar, quem se sente disposto a não mendigar e a não morrer de fome. É a regra, com as naturaes excepções. Ora, sendo assim, os povos emigrantistas perdem energias preciosas, que não sabem ou não podem utilizar, e que, bem ou mal, feliz ou infelizmente, são compensadas pelas remessas de dinheiro e pelo consumo dos seus productos. É o nosso caso. Lévas de emigrantes vão para o Brasil, onde se fixam e de onde nos auxiliam. Convém ao Brasil o trabalhador português? Convém, pelas affinidades dos dois povos, e principalmente porque, graças a essas affinidades, é o que mais se fixa no paiz. Todavia o elemento emigratorio português é insufficiente para o povoamento do Brasil. Se constituissemos uma grande massa humana, mesmo atrazada e de pequena cultura, o Brasil não recorreria a outras raças. Não temos, porém, seis milhões de habitantes... A colonia portuguêsa no Brasil, cuja importancia se nos affigura tanto maior quanto menor é o numero dos que a compõem e acodem, ao nosso balanço economico, está muito áquem dos dois milhões a que o rei D. Carlos se referiu. Os dados estatisticos que pudémos colher e conferir em documentos officiaes dos dois paizes dão as seguintes entradas de portuguêses nos annos de 1890 a 1908, e são os de maior emigração de Portugal: 1890 ................... 25.174 1891 ................... 32.349 1892 ................... 17.797 1893 ................... 28.989 1894 ................... 25.773 1895 ................... 40.390 1896 ................... 23.998 1897 ................... 17.793 1898 ................... 20.131 1899 ................... 13.348 1900 ................... 14.493 1901 ................... 14.489 1902 ................... 15.003 1903 ................... 14.527 1904 ................... 21.448 1905 ................... 24.815 1906 ................... 26.147 1907 ................... 31.483 1908 ................... 37.628 -------- 445.775 Nos 19 annos de maior movimento emigratorio de Portugal, entraram, pois, no Brasil 445.775 portugueses. A média annual do periodo de maior emigração é, segundo esses algarismos, de 23.461 pessoas. Se imaginarmos que o português vive no Brasil até a edade de 70 annos--o que é absurdo; se suppuzermos que a edade em que se emigra é de 11 annos--outro exagero; se admittirmos--novo absurdo--que nenhum português morreu desde 1850, no Brasil, nem de lá voltou; e se, afinal, dermos de barato que ha 59 annos a média dos immigrantes nossos patricios é alli a dos ultimos annos (e nos 40 annos de 1850 a 1889 foi muito menor) poderemos dizer que ha no Brasil: 59 X 23.461 = 1.384.199 portugueses. Muito menos do que os taes dois milhões. Ora, o retorno é de 25% a 30%; a edade média dos emigrantes é 28 annos; a média da vida é de 65 annos; e em 1906, depois do saneamento, a média da mortalidade no Brasil foi de 20,74 por mil habitantes. Já em um artigo de imprensa[7] tivémos occasião de dizer que a média da emigração portuguesa para o Brasil não excede 18.000 e que o total da nossa colonia não chega a 700.000 pessoas. Diziamos, então: «Isto não diminue, senão que augmenta o beneficio feito pelos portugueses domiciliados no Brasil á economia da sua patria, visto que são menos a mandarem esses 18.000 contos de réis, que são, segundo o sr. Anselmo de Andrade, a nossa salvação, o «dinheiro que melhor nos serve para saldar a parte do deficit geral em ouro que o dinheiro das outras proveniencias deixa a descoberto». E depois de analysar as avultadas remessas que os colonos de todas as origens fazem, concluiamos: «É evidente que esta situação economica é transitoria. Um paiz em formação, como o Brasil, cujo povoamento se está fazendo com intensas correntes immigratorias, tem de pensar em impedir este escoamento de ouro, que lhe sangra constantemente as energias. Quer por instituições legaes tendentes a nacionalizar os estrangeiros, quer por medidas que fixem o colono á terra tornada sua, quer finalmente por providencias de franca defesa, esse é o caminho de todos os povos para cujo rapido crescimento é aproveitado o excesso de população ou de pobreza de outros paizes». VII A PERMUTA COMMERCIAL A unica razão sólida que hoje determina os tratados de commercio e, portanto, os favores que as nações fazem umas ás outras, é a capacidade que ellas offerecem para o consumo reciproco de producções. Estamos longe dos tempos em que não se realizavam estes pactos por motivos utilitarios, mas por méras combinações derivadas de relações dynasticas. Nos nossos dias prevalece a reciprocidade, tanto quanto tal criterio póde ser adoptado para populações deseguaes, de habitos differentes e de producções em parte similares ou identicas, e tanto quanto o permittem as distancias entre os concorrentes, distancias que influem no custo dos transportes e, em ultima analyse, no dos artigos. Fala-se de ha muito e a proposta apresentada á Sociedade de Geographia agora insiste na necessidade de um tratado de commercio com o Brasil. Não querendo entrar em conjecturas, parece-nos que essa aspiração exige minucioso estudo, antes do julgamento das difficuldades oppostas até aqui á sua realização. Apesar de tudo quanto dizem os politicos de soluções retumbantes, a nossa producção gosa de tratamento amistoso no Brasil. Ha annos, quando o sr. Campos Salles foi presidente da Republica, o ministro das relações exteriores ia enveredando por um caminho que, sem fundamentos consistentes, tendia á exigencia de fortes augmentos de consumo. Era impossivel tal coisa; e logo se adoptou orientação mais logica, deixando o Brasil, que consumia bastante do Uruguay e de Portugal e pouco lhes vendia, de pensar em levar a exportação dos seus artigos para esses paizes a proporções compensadoras, reconhecendo que os seus generos exportaveis eram de natureza impropria a operar esse equilibrio. O que os factos nos dizem é que o brasileiro, de origem lusa ou exotica, tem o habito de consumir os productos da nossa terra. Esses productos possuem, por isso uma situação realmente privilegiada no mercado brasileiro. Tanto basta para que, na competencia com os outros povos, tenhamos--como temos, de facto--vantagens indiscutiveis. A actual situação da permuta commercial entre os dois paizes deixa muito a desejar. O Brasil podia importar muito maior volume de productos portugueses e Portugal podia consumir mais productos brasileiros e preparar-se para vir a ser cliente muito maior ainda da nação irman. No anno de 1906, ultimo de que temos dados officiaes para confrontar com os do Brasil (de onde ja possuimos os de 1907 e 1908) os principaes artigos de lá exportados foram: Algodão, 31.668 toneladas; areias monaziticas 4.352 tonel.; assucar, 84.948 tonel.; borracha, 31.643 tonel.; café, 13.965.000 saccas[8]; cacáo, 25.135 tonel.; farinha de mandioca, 6.644 tonel.; tabaco, 23.630 tonel.; herva matte, 57.796 tonel.; manganez, 121.331 tonel.; caroços (oleaginosos) 30.904 tonel.; couros, 32.765 tonel.; ouro nativo, 4.548 kilogrammas. O nosso consumo de artigos brasileiros cresceu de 244.549 libras esterlinas a 312.755 ou 27,89%, de 1901 para 1906; mas o consumo dos nossos no Brasil cresceu mais intensamente: cresceu 34%, ao que se vê do relatorio das finanças relativo a 1907. Não se póde, portanto, gritar que o trafico luso-brasileiro decáe: médra e de maneira sensivel. Ora, querendo nós, como se diz todos os dias, melhorar essas relações por um convenio commercial com o Brasil, e, não sendo licito, hoje, negociar taes instrumentos diplomaticos sem clara noção das reciprocas concessões, occorre naturalmente investigar o que podemos offerecer e o que pedimos, o que o Brasil nos offereceria e o que desejaria. Visto que a iniciativa nos pertence, vejamos o que podemos offerecer e o que queremos conseguir. Analysemos a producção brasileira exportavel neste momento: compõe-se dos artigos que acima mencionámos com as quantidades respectivas. Olhemos para a nossa estatistica de 1906. 1.^o _Algodão._ Importámos n'esse anno 13.013 toneladas, no valor de 3.123 contos, de algodão em rama ou em caroço. Tendo industria de algodão, e industria protegida pela tarifa, só poderiamos importar do Brasil a materia prima, a rama. O Brasil não está em condições de exportar fios e tecidos de algodão visto que ainda os importa. Da sua materia prima, 85% tem mercado na Inglaterra. Os 15% restantes destinam-se a outros paizes manufactureiros. A sua producção póde crescer muito; mas poderemos nós adquirir quantidade sensivel desse accrescimo? Eis o que convém saber. Note-se que, em 1906, os 15% do algodão não collocado na Inglaterra montavam em 4.752 toneladas, das quaes Portugal importava 4.717--quasi o total dos 15%. As nossas colonias começam a cultivar o algodão. Em 1906 recebemos: de Angola, 55.493 kilos; de Moçambique, 1.491 e da India, 2.600. 2.^o _Areias monaziticas._ Os seus mercados serão, por muitos annos, a Gran-Bretanha e a Allemanha. 3.^o _Assucar._ Temol-o das colonias. Consumimos, em globo, 32.700 toneladas. O assucar colonial tem auxilio pautal. Em 1906 recebemos das colonias quantidade insignificante; mas o desenvolvimento da lavoura da canna nas colonias, em especial na de Moçambique, é consideravel. Nesse anno, do Brasil recebemos 159 toneladas. Para a exportação brasileira, que tende a crescer muito, o nosso mercado seria bom. Este genero, apezar da producção colonial, póde entrar nas bases de uma negociação intelligente, não para escorraçar de golpe os demais fornecedores, mas para ir modificando a situação das permutas no sentido de garantir parte do nosso mercado ao Brasil. 4.^o _Borracha._ O nosso consumo não é em bruto e é pequeno. A producção colonial tende a avolumar-se, em especial a de Angola e Guiné. 5.^o _Café._ O consumo português em 1906 não chegou a 3.103 toneladas, sendo do Brasil quasi 460 toneladas. Das colonias exportaram-se, para outros paízes, 4.177 toneladas, que, com 2.388, consumidas no reino, representam uma producção colonial superior ao dobro do consumo. Portugal é um dos paízes de menor consumo de café, _per capita_. Tendo menos de seis milhões de habitantes, pode dizer-se que cada português não consome mais do que meio kilo de café por anno. Se o consumo subisse ao dobro, o café colonial sobraria ainda. Na Allemanha o consumo é de 3 kilos por habitante.[9] 6.^o _Cacau._ A nossa producção, em 1906, de vinte e cinco mil toneladas, foi egual á do Brasil. O nosso consumo orçou por 145 toneladas, das quaes só uma procedia do Brasil. 7.^o _Farinha de pau._ Importámos, em 1906, para consumo quasi 1.364 toneladas, não chegando a uma tonelada a parte proveniente de fóra do Brasil. É consideravel, mesmo para a exportação desse paíz. 8.^o _Tabaco._ O consumo é importante. Está naturalmente indicado para a exportação brasileira o nosso mercado. Aqui está um artigo em que poderiamos offerecer vantagens ao Brasil, que, directamente pelo menos, nos fornece pouco, sob o actual regimen de exclusivo. 9.^o _Herva matte._ Consumo inaprehensivel, mas que se podia criar, substituindo parte do chá, que entrou no paiz por um valor de 315 contos no anno de 1906. 10.^o _Manganez._ O seu mercado é a Inglaterra. 11.^o _Caroços_ (oleaginosos). Consumimos 20.812 toneladas, das quaes perto de 11.000 são das colonias. Devia se encaminhar a exportação brasileira para Portugal, onde ella foi representada, em 1906, por 11 toneladas. 12.^o _Couros._ O Brasil está batendo, em Portugal, os mais concorrentes; sobre 2.371 toneladas de pelles diversas que importámos, em 1906, pertenciam-lhe 1.040. 13.^o _Ouro nativo._ É insignificantissima a entrada. A exportação brasileira é para a Inglaterra. Além destes artigos exporta o Brasil muitos outros em menor escala. Desses, diremos quaes podem ser dirigidos, após as negociações precisas, para Portugal, enumerando-as pela nossa pauta: Fibras texteis; fructas; canhamo em rama; madeira em bruto (genero em que o Brasil podia e devia quasi monopolizar o nosso mercado); madeira das diversas categorias da pauta; paus, raizes e cascas córantes; milho (cuja producção cresce espantosamente no Brasil); amido em pó; especiarias; melaço; mariscos; carne secca e em conserva--além de outros que dentro em pouco tempo o Brasil poderá exportar, como o arroz. Offerecemos pouco? Não se nos affigura que o Brasil pense em obter de um paiz com a nossa população o que seria licito esperar de vinte milhões de habitantes. É certo que o Brasil nos compra muito. Em 1906 o vinho entrado no Brasil representou 1.628:854 libras esterlinas: a metade dessa quantia coube ao nosso paiz. É consideravel, sem duvida. O Brasil nesse anno consumiu, da nossa exportação global de 908.492 hectolitros, 435.652--quasi metade! A população portuguesa, se todo o seu mercado pertencesse ao café brasileiro, não representaria mais do que 60.000 saccas de consumo, e se este subisse ao triplo, não chegaria a 200.000 saccas, quantidade que não pesaria sobre uma exportação que anda por 13 milhões de saccas... Exigir de Portugal, com menos de seis milhões de habitantes, compensações que só com dezoito ou vinte milhões poderia dar, fôra absurdo. Não ha que receiar que o Brasil pense em semelhante coisa. O grande perigo reside na perda da nossa clientella pela concorrencia dos outros productores de generos similares, pela falta de perfeição do preparo e do acondicionamento dos nossos e pela inefficacia da nossa organização mercantil. A esse risco acudiriam algumas das idéas lembradas pelo sr. Consiglieri Pedroso, na sua proposta e, dentre ellas, citaremos as constantes das _alineas_ 1.^a, 4.^a, 6.^a e 9.^a.[10] Quanto ao conselho da _alinea_ 3.^a discordamos delle por completo. Porque entendemos que o tratado de commercio, ou como se lhe queira chamar, não póde, em hypothese alguma, dar-nos «vantagens especiaes que não sejam attingidas pela clausula de nação mais favorecida» concedida pelo Brasil a outros paizes. Sem poder citar os accordos que o Brasil tem, julgamos, todavia, manifesto que, se os tem com concorrentes nossos, não seria possivel collocar esses competidores de Portugal em tamanha inferioridade. Por quê? Pela razão singela de que _business is business_ e elles são maiores compradores dos generos brasileiros do que Portugal... Não se leve á conta de mau patriotismo esta franqueza. Julgamos que não faremos coisa alguma neste terreno se procurarmos favores especiaes, que ponham em perigo interesses collossaes do Brasil... Cumpre estudar o problema, nos seus termos de puro negocio e não esquecer que a nossa vantagem, aquella que nenhum outro povo póde ter, é só isto: o Brasil prefere os nossos productos, como qualquer pessôa vae á loja de um negociante, porque o estima mais do que aos seus concorrentes. VIII A SITUAÇÃO REAL O Brasil é o melhor dos grandes freguezes da nossa producção exportavel. Em 1906, ao passo que para a Inglaterra exportavamos 11.440 contos, para a Allemanha 6.651 e para a Hespanha 6.290, mandavamos para o Brasil 5.961 contos. Mas, em compensação destas vendas, compravamos ao Brasil só 1.965 contos que, com os generos em transito, baldeação e reexportação, ascendiam a 2.025 contos; e dos outros paizes recebiamos, em contos de réis: Inglaterra ................... 19.864 Allemanha ................... 11.173 Hespanha ................... 5.948 Da França importámos 6.836 contos contra uma exportação de 1.299, e dos Estados-Unidos 4.960 contos contra 974 de exportação. O Brasil foi, pois, então, o que sempre tem sido, o nosso melhor freguez. Ao crescimento do commercio universal com o Brasil é que não corresponde a nossa exportação actual. Do relatorio do sr. David Campista, ministro da fazenda do Brasil[11], em 1907, resulta que de 1902 para 1906 a importação proveniente de Portugal cresceu 34,9%, contra o augmento, em egual periodo, de: 35,6% para a do Chile; 41,8% para a da Gran-Bretanha; 45,6% para a da Hespanha; 49,5% para a da França; 68,4% para a da Argentina; 83% para a da Allemanha; 86,5% para a da Suissa; e 132,5% para a da Belgica. Os valores livres no Brasil, em mil réis, ouro, moeda brasileira, dão, no anno de 1906, os algarismos seguintes para essa importação: Procedencias Importação em contos de réis Portugal ................... 19.330 Chile ................... 393 Gran-Bretanha ................... 82.619 Hespanha ................... 2.379 França ................... 27.176 Argentina ................... 31.190 Allemanha ................... 43.316 Suissa ................... 2.660 Belgica ................... 11.432 Italia ................... 9.274 Bastaria este quadro para não acreditarmos que os outros paizes emigrantistas nos deslocaram, no fornecimento de artigos similares aos nossos. A Italia, que é a maxima fonte da colonização brasileira actual, teve, de 1902 a 1906, um augmento de 28,4% na sua exportação para o Brasil. E quanto exportou? 9.274 contos, em 1906--metade do que exportámos! A Hespanha, que fornece tambem muitos trabalhadores, tem uma exportação ainda insignificante para o Brasil. Da Austria-Hungria, que viu, de 1902 a 1906, crescer 19,3% a sua exportação para o Brasil, de 4.556 contos de valor, a corrente emigratoria com o mesmo destino egualmente é importante. Dessas nações só podemos considerar concorrentes, por terem varios artigos similares aos nossos, a França, a Hespanha, a Italia e a Austria-Hungria. Ora, que nos diz o estatistica brasileira? Diz-nos que, em 1906, a exportação, para o nosso e para esses paizes, foi: Augmento ou Destino Valor em £ diminuição de 1901 para 1906 França 6.507.470 + 36,66% Hespanha 196.839 + 217,61% Italia 510.118 + 34,90% Austria-Hungria 1.821.959 + 60,58% Portugal 312.755 + 27,89% Isto quer dizer que, de todos esses paizes, aquelle que manifesta menos tendencias para augmentar o consumo dos productos brasileiros é o nosso. Falam os numeros, affirma-o a estatistica, que, como diz o professor Rodolfo Benini, é o unico meio de verificar nos phenomenos collectivos o que ha de typico na variedade dos casos, de constante na variabilidade, de mais provavel no apparente acaso, e de decompôr, até onde o methodo o permitte, o systema das causas ou forças de que taes phenomenos são resultantes...[12]. Não ha que negar a conclusão: a estatistica é o unico processo logico de estudo dos phenomenos sociaes, pondéra Rameri.[13] O Brasil está, portanto, deante de varios paizes, como productor que precisa de escoadouros para os seus artigos. O que tem de medir, não nos illudamos com devaneios romanticos, é a capacidade acquisitiva, que ha nesses paizes, para os seus productos. Porque produzir presuppõe a idéa de vender. Porque vender implica a existencia de quem compre... O utilitarismo não é uma doutrina, no sentido philosophico da palavra. É uma necessidade, é uma imposição da lucta pela vida. Para não morrer é preciso a qualquer povo guiar-se por necessidades uteis, nunca deixar de ter em vista os seus interesses e conveniencias. O utilitarismo é o systema que a experiencia aconselha aos povos, que querem viver nesta hora da evolução humana, para as suas relações com os outros povos. _Deinde philosophari..._ Sejamos francos. Concordemos em que não nos move o receio da desnacionalização do Brasil, que não nos ameaça porque não ameaça o Brasil; mas sim o presentimento de que as relações economicas desse grande mercado estão evolvendo de modo que nos poderá vir a ser desvantajoso. Tratemos, em summa, de nos salvar e deixemo-nos de fantasias salvadoras em beneficio alheio. Deante do crescimento espantoso das energias do povo brasileiro, o nosso mal é a estagnação em todas as fórmas da actividade humana. Só o poder enorme dos elementos estaticos das sociedades e a resistencia da inercia social explicam a posição que ainda temos no commercio do Brasil. Nós, pelos nossos governos e pela nossa imprevidencia, graças á autophagia historica que permitte que nos alimentemos de glorias de um passado visto por nós ao bruxolear da mais pallida lamparina critica de que ha exemplo, e graças ao espirito providencialista de latinos communarios, tudo fizémos, ou deixámos de fazer, para perder essa posição. Neste momento, o que nos cumpre é reconhecer o feliz conjuncto de circumstancias de vária ordem que ainda sustenta esse estado de coisas e aproveital-o, com energias, que hão de ser creadas, com intelligencia, que precisa ser educada, e com bom-senso, que unicamente os factos pódem nortear. Aspirar a grandezas e prosperidades e preparal-as com elementos de ruina e pobreza é simples e puramente um absurdo, de que deveriamos esperar, como resultado, o suicidio nacional. Ser patriota não é rufar tambores de preconicio em torno dos desvarios da patria. É, antes, mostrar, sem medo de affrontar alheias opiniões e sem intuitos de captar popularidade, os vicios e erros proprios, para que tenham, na medida do possivel, remedios efficazes. Nenhum povo se deixa levar por boas palavras, mas pelas suas conveniencias e pelos seus interesses, com a restricção natural do respeito pelas conveniencias e interesses justos dos outros. A perda do mercado brasileiro seria, hoje, para Portugal, a ruina. Confessemol-o. Por que não, se é a verdade? Ruina definitiva? Não vem a pello discutir se o seria. Basta que saibamos que seria, neste momento, a ruina, para que o nosso dever seja evitar essa contingencia aterradora. Embora tenhamos de nos preparar para um futuro menos dependente de uma só nação, é de crêr que o Brasil continuará a representar, para o nosso commercio externo, cifras pelo menos eguaes ás presentes. No seu progresso e na sua expansão economica e demographica, cabe bem á vontade a diminuta quota com que contribuimos. E ha muito logar para a augmentarmos. Assim saibamos e possamos fazel-o! Outro não é o perigo real, o perigo das coisas, está claro... IX A NOSSA RAÇA «AT WORK» Permitta-se-nos, para a comprehensão exacta, da importancia que o Brasil vae assumindo deante de todos os povos e do português em especial, uma rapida analyse do seu desenvolvimento material, que explica assás a unanimidade de attenções de que é objecto. A exportação do Brasil em 1889, anno em que caiu o imperio, foi de 24.160.000 libras esterlinas. Vejamos o que ella foi de 1901 a 1906. Annos Valores em libras 1901 ................... 40.621.993 1902 ................... 36.437.456 1903 ................... 36.883.175 1904 ................... 39.430.136 1905 ................... 44.643.113 1906 ................... 53.059.480 Para avaliar a força de expansão productora dada ás antigas provincias pela autonomia concedida pelo novo regimen federativo aos seus estados, basta que comparemos a exportação de 1901 com a de 1906. A differença, n'esse curto espaço, é de pasmar. Vejamol-a: Augmento Estados Valores em £ ou diminuição 1901 1906 Matto Grosso 356.180 376.023 + 5,57% Amazonas 4.688.477 6.643.050 + 41,69% Pará 4.053.264 6.665.191 + 64,44% Maranhão e Piauhy 192.604 652.485 + 238,77% Ceará 139.595 822.586 + 489,27% Rio Grande do Norte 34.376 58.342 + 69,72% Parahyba 92.561 540.535 + 483,98% Pernambuco 1.472.105 1.333.127 - 9,44% Alagoas 489.820 514.095 + 4,96% Sergipe 8.849 Bahia 3.133.103 3.706.617 + 18,30% Espirito Santo 553.195 784.726 + 41,85% Rio de Janeiro e Minas 7.857.423 7.481.159 - 4,79% S.Paulo 16.140.742 20.282.593 + 25,66% Paraná 653.039 1.310.832 + 100,73% Santa Catharina 145.264 315.522 + 117,21% Rio Grande do Sul 620.247 1.563.748 + 152,12% Só diminuiu a exportação de dois estados: Rio de Janeiro e Pernambuco. É devido este facto á baixa de um dos seus principaes artigos, o assucar, que de 71 réis, ouro, em 1901, passou a vender-se a 60 réis, em 1906, por kilo. Apezar desta depreciação ser de 15,59%, a diminuição representou, para Pernambuco, 9,44%, e, para o Rio de Janeiro, 4,79%, o que indica que houve augmento na exportação global. Nesse periodo a importação, que significa a acquisição de conforto e de instrumentos de progresso, tambem teve sensivel marcha ascendente. Não houve estado em que a importação diminuisse de 1901 para 1906. Cresceu 31,9% na Bahia; 33,1% em Pernambuco; 32,6% no Rio de Janeiro e Minas Geraes; 42,3% em S. Paulo; e 55,9% no Rio Grande do Sul--para citar sómente os mais importantes da região central e da do sul. Em globo, a importação cifra-se nos seguintes valores em libras esterlinas: 1901 ................... 21.377.270 1902 ................... 23.279.418 1903 ................... 24.207.810 1904 ................... 25.918.428 1905 ................... 29.830.050 1906 ................... 33.204.041 Estes algarismos contêm uma relevante indicação e vem a ser que as facilidades de vida augmentaram, porque, não tendo havido, de 1901 a 1906, nem sequer dez por cento de crescimento na população, houve augmento de mais de 50% na acquisição de artigos estrangeiros. O que, porém, demonstra mais clara e elequentemente essa affirmação é a importação de farinha de trigo. É o que garante e prova que a vida melhora no Brasil. Com effeito, em 1901, a importação do trigo--que é o classico pão!--era de 200.000 toneladas, e em 1906 foi de 320.000! Um augmento de 60%, em seis annos! A população, nesse periodo, não podia ter accrescimo que nem de longe influisse nesse facto. A quota, _per capita_, de trigo é que augmentou; o numero _dos que o podem comer_ é que passou a ser maior... Fala-se muito na má administração de Republica, nos seus primeiros annos. Não a negaremos. O mecanismo era novo e as experiencias foram duras. Houve _deficits_; precisou-se de recorrer ao credito, até quasi ser fechada essa porta. Mas, com patriotica energia, souberam os governos emendar a mão e iniciar obras fecundas, apparelhar, emfim, o paiz para a prosperidade. Erraram; mas resgataram os seus erros. Outros ha que só erram e só querem errar... Os orçamentos do imperio[14] tiveram _deficits_ desde 1857, ininterruptamente. Antes, houvéra alguns saldos, que sommados, desde a independencia até 15 de novembro de 1889, perfazem 32:625 contos, contra um total de 891.960 contos de _deficits_, tambem de 1823 a 1889. Os _deficits_ de alguns annos da Republica não são de estranhar, não só porque os tivesse o imperio, mas tambem porque o desenvolvimento do paiz e a crise politica, motivada pelas tentativas de destruição do regimen popular, impuzeram pesados sacrificios á nação. A Republica, creando producção, fomentando riquezas, assentando linhas ferreas de penetração, fazendo portos e saneando o Brasil--soube, porém, realizar o que o imperio não soubéra, soube armar o povo brasileiro com meios seguros de pagar os seus saques sobre o futuro. É interessante a nota da receita e da despeza dos annos de 1899 a 1907, expressa em contos de réis, ao cambio de 15 dinheiros por mil réis: Anno Receita Despeza 1899 ................... 333.105 295.363 1900 ................... 353.607 448.160 1901 ................... 318.559 334.513 1902 ................... 343.814 298.691 1903 ................... 408.589 378.187 1904 ................... 433.802 439.553 1905 ................... 463.765 451.977 1906 ................... 495.910 483.568 1907 ................... 483.744 472.478 Em 1889 a despeza não chegava a 200.000 contos, e o _deficit_ era pequeno. As despezas publicas subiram consideravelmente; mas as receitas tambem subiram. Das visinhanças dos 200.000 contos em 1889 foram ás dos 500.000 em 1906. E note-se que a Constituição republicana conferiu aos estados da federação os impostos de exportação, os impostos sobre os immoveis ruraes e urbanos, sobre a transmissão de propriedade e sobre industrias e profissões, ficando a União nacional unicamente com os direitos de importação e os impostos de consumo. O balanço economico de 1906 é assim formulado pelo ex-ministro Campista, no seu relatorio de 1907: *Activo* Exportação £ 53.000.000 Capital novo 4.000.000 ------------ £ 57.000.000 *Passivo* Importação £ 33.600.000 Despezas do governo federal 5.600.000 Serviço das dividas dos Estados e municipios 1.231.940 Juros de capitaes estrangeiros 3.200.000 Passageiros para o exterior 600.000 ------------ 44.231.940 Saldo £ 12.768.060 ------------ 57.000.000 É uma situação de prosperidade. Na propria America, só os Estados Unidos do Norte têm melhor situação, apezar da Argentina ser muito mais rica do que o Brasil, dadas as respectivas populações e producções. A Argentina, em 1906, exportou £ 58.000.000, mas importou £ 53.565.000. O serviço dos juros do capital estrangeiro é lá muito maior do que no Brasil. E, nesse anno, o seu balanço economico não podia apresentar saldo. Força é, porém, reconhecer a incomparavel riqueza da Argentina, que possue a terça parte da população do Brasil, se não menos, e cuja producção cresce em saltos prodigiosos. Com os Estados Unidos não ha parallelo possivel. Em 1906, importavam 271 milhões esterlinos e exportavam 369 milhões. O Canadá, com uma exportação de £ 45.791.000, importava 54.000.000. Cuba exportou £ 22.638.000 e importou 19.482.000. O Mexico exportou £ 24.724.009, e importou 17.997.000. O Chile offerece-nos, para essas duas parcellas do seu commercio, respectivamente, £ 16.200.000 e 11.787.000. O Brasil figura nesse anno com £ 53.059.480 exportadas e 33.204.041 importadas--quasi vinte milhões de saldo a seu favor nas permutas internacionaes de mercadorias! Estará, porém, esta situação prejudicada pelas condições financeiras do Brasil? Longe disso. Em 1906, a divida interna e externa do Brasil--incluindo a divida estadoal e a emissão de papel moeda, era de £ 195.581.677 ou £ 10-3-10 _per capita_. A capitação do norte-americano era de £ 5-9-3; a do japonês de £ 6; a do egypcio de £ 9-17-2; a do canadense de £ 9-7-4. Quasi todos os outros paizes devem mais _per capita_. A Argentina figura com o coefficente de £ 14-2-4; a Hespanha com o de £ 13-2-6 e o nosso Portugal, como compete ao seu desgoverno, inverte os algarismos da nação visinha e estadeia a capitação de £ 31-18-6. Bem sabemos que outros paizes supportam coefficientes mais altos do que Portugal. Não na Europa, em todo o caso... O prussiano contenta-se com £ 12-8-3; o inglês com £ 18-1-6; o italiano com £ 15-7-10; o austriaco com £ 14-11-1; o francês com £ 27-19-9; o hollandês com £ 17-6-4; o belga com £ 17-16-8. O Brasil, paiz que progride e inicia melhoramentos, que se povoa e coloniza, está, como a Argentina, em outras condições: saca sobre o futuro, porque o tem nos braços que acodem todos os dias ás suas plagas. Nós estagnámos. Elles recebem vida nova com o advento dos immigrantes; nós golfamos vida na emigração. O mal está principalmente na applicação da divida, não na pequenez da população. Vêde as colonias britanicas da Austrália: população, 5 milhões de habitantes; divida, £ 292.401.351, em 1906, devendo hoje estar em 300 milhões esterlinos! O coefficiente de capitação é de 60 £, numeros redondos. Mas que importa, se 200 milhões foram empregados em caminhos de ferro, obras de portos, resgate de serviços publicos--e se, em tudo isso, as rendas supportam o serviço de juros e amortização do capital! Mas... estavamos a tratar do Brasil. Os onus do Brasil são annualmente, para resgate e juros da divida, 82.000 e tantos contos--20% da receita. Outros paizes--um dos quaes muito bem conhecemos--fazem o serviço da divida com quasi 50% da receita... Portugal pagaria a sua divida com o producto integral de 13 annos da sua receita. O Brasil faria o mesmo serviço em 6 annos. Tal é, em linhas largas, o estado do paiz, que saiu do nosso e que hoje é o principal mercado da nossa producção e o nosso melhor fornecedor de numerario. X. MEDIDAS PROPOSTAS Não é de estranhar que o desenvolvimento da nação brasileira motive excogitações patrioticas de alguns portugueses. Ha um século vivia a então nossa colonia americana numa inferioridade manifesta de cultura. Escreveu Eduardo Prado que «a intelligencia nacional do Brasil,» no começo do reinado de D. Pedro II, era talvez inferior á de Portugal no começo do século...»[15] Entretanto--o espirito partidario não nos céga--o reinado desse imperador contribuiu para o progresso intellectual e material do Brasil. E tanto assim é que o novo regimen poude adoptar uma constituição que, no dizer do professor de direito Almeida Nogueira[16], «compendiou em suas paginas os principios mais adeantados do direito publico moderno» e poude fomentar, nas proporções que vimos, os recursos do paiz. Essa nação, que assim prosperou, pertenceu a Portugal, foi obra de portugueses na civilização e no povoamento; e, durante um largo transcurso de annos, constituiu para o nosso povo uma especie de _eldorado_, em que era tão facil grangear a vida que, apezar de todo o nosso atrazo, se nos affigurava terra mal empregada em mãos de possuidores a nosso vêr indolentes e sem energias redemptoras. Foi desse juizo falso, a que nos guindára a ignorancia presumida, que caímos ao fundo da realidade. Era a humilhação. Se tivérmos patriotismo ha de se converter em grande estimulo--porque é uma lição de coisas... Á nossa ruina contrapõe-se a prosperidade da ex-colonia? Imitemol-a. Á estagnação das nossas forças responde o Brasil com provas de actividade? Trabalhemos, com o cerebro e com os musculos, sejamos fortes de intelligencia e de vontade. É o nosso dever. A economia portuguesa depende do estrangeiro. Estamos roidos de todos os males de uma politica desleixada, egoistica e corruptora. Falta-nos o necessario ao abastecimento do paiz. Produzimos artigos para que não encontramos bastantes mercados e procuramos mercados para que não temos artigos adequados. É a anarchia, de alto a baixo. Mas não é a ruina definitiva, porque queremos viver e é indispensavel que não nos deixemos morrer miseravelmente. O Brasil é, como dizia Silvéla dos povos hispano-americanos para a sua patria, o nosso mercado natural. O futuro do Brasil é immenso. Toda a nossa expansão economica póde e deve acompanhar o crescimento fatal desse enorme paiz. Todavia, para que isso se realize, é preciso que Portugal saiba o que é possivel fazer e deixe de lado chiméras e utopías. Que queremos, em ultima analyse? Queremos que o Brasil continue a comprar os productos da nossa terra; queremos que a nossa exportação para lá cresça sempre; queremos que os generos portugueses sejam bem acolhidos pelo consumidor brasileiro. Sob o ponto de vista material--é quanto desejamos. Moralmente aspiramos á mais perfeita intelligencia com os brasileiros. Ignora-se em Portugal o que se havia de offerecer ao Brasil no dia em que porventura se iniciassem negociações garantidoras dos nossos _desiderata_. Quem procura vantagens tem de contar com esta pergunta natural: «E que compensação nos dá?» Ora, na proposta do sr. Consiglieri Pedroso, nada, absolutamente nada, existe que possa equivaler á troca de concessões, á permuta de vantagens. Bem sabemos que, muitas vezes, as negociações commerciaes assentam, por uma parte, em favores materiaes e, por outra, em apoio diplomatico e até de caracter militar; mas, na hypothese vertente, parece mais facil darmos favores da primeira especie do que da segunda. O Brasil, na proposta Consiglieri, não encontra bases de reciprocidade commercial. Nem é crivel que a procure. Não lha poderiamos dar, devido á identidade que ha entre muitas das suas producções e as das nossas colonias. Approximação, sim! Amemo-nos; conheçamo-nos; abramos as nossas fronteiras intellectuaes uns aos outros; firmemos tratados de arbitragem e de reconhecimento de titulos de habilitação profissional; promovamos congressos periodicos luso-brasileiros; fundemos uma linha nossa, luso-brasileira, de navegação; construamos palacios de exposição dos productos de cada um dos dois paizes no outro; promovamos a fundação de revistas, o estreitamento dos laços que prendem a imprensa de um á do outro paiz; entendam-se as nossas sociedades scientificas, artisticas, etc.; visitemo-nos; enlacemo-nos fraternalmente. Quanto a negocios, porém, meditemos, porque o Brasil não os faz sem meditar. E é bom que se saiba que, se o sr. Wenceslau de Lima tem visto baldados todos os seus esforços no sentido da realização de um tratado de commercio com o Brasil, não é porque esse paiz nos hostilize, mas sim porque não tem reconhecido a conveniencia, nem a utilidade desse tratado. Conveniencia para os seus interesses, utilidade para os seus interesses--é claro. Não procurou ainda o Brasil accordo comnosco. Mas procurou-o, por exemplo, com os Estados Unidos--mercado de café e de borracha e seu fornecedor de muitos artigos, entre os quaes figura o trigo. Portugal é que deseja o tratado de commercio. Portugal é que precisa garantir o seu mercado no Brasil, como o Brasil precisava assegurar a clientella _yankee_. Negocios tratam-se como negocios. O vendedor é que se esforça por trazer o consumidor satisfeito... Esta é a verdade. De nada serve disfarçar os factos. O tratado de commercio é irrealizavel? Não iremos até lá. A diplomacia consegue, ás vezes, coisas espectaculosas, mas sem real alcance. Far-se-á, talvez, o tratado de commercio; mas, em hypothese alguma, o Brasil nos concederá «vantagens especiaes que deixem de ser transmittidas aos outros estados, não sendo, portanto, attingidas pela clausula de nação mais favorecida inscripta nos tratados do Brasil com paizes estrangeiros». E o café? E a borracha? E o tabaco? E o cacau? E toda a producção brasileira, no valor de 57 milhões de libras? Lembremo-nos de que não consumimos meio milhão esterlino de productos brasileiros... Ponderemos as represalias alfandegarias a que o Brasil se exporia... Amemo-nos; mas convém ter bom senso. Estreitemos relações; mas é prudente que nos não limitemos ao sonho. Tambem se fala de entrepostos, do Brasil em Portugal e de Portugal no Brasil--aquelle destinado á exportação brasileira para a Europa e este destinado á portuguesa para a America... É uma ideia velha. Velha e tão velha que já não se adapta ás condições presentes do commercio internacional. Não se deu por isso em Portugal. É tudo assim na nossa terra. Andamos tão atrás dos outros povos que, quando as idéas nos chegam, já têm saido da circulação. Chegamos sempre tarde, como os carabineiros da opereta. O entreposto! Ha trinta annos falou-se nisso; ha vinte, voltou-se a lembrar essa maravilha; ha dez, resurgia a idéa novinha em folha. Terá de apparecer, além desta vez de 1909, ainda algumas duzias de vezes e sempre terá--quem sabe?--enthusiasticos applausos... O entreposto! Ficava realmente muito bem, alli, em Cacilhas! Os navios atulhados da borracha da Amazonia; do café de Santos e Rio; do assucar de Pernambuco, Sergipe e Alagôas; do tabaco bahiano; da monazite do Espirito Santo e Bahia; e do mais que fôra longo mencionar--incessantemente a descarregarem tudo isso, alli, em Cacilhas! Outros transatlanticos, dia e noite, alli mesmo, a encherem os porões de productos brasileiros para o Havre e para Hamburgo, Antuerpia, Liverpool, Hull, Amsterdam, Plymouth, Londres, Rotterdam, Genova, Cádiz, Barcelona, Napoles, Marselha, etc! Que lindo movimento maritimo! Que negocio! Só é pena que se não possa fazer... É que as baldeações, descargas, transbordos e armazenagens onerariam os productos, que hoje vão o mais perto possivel dos consumidores, graças a uma navegação collossal sob todas as bandeiras. É que um entreposto que torna mais caros os productos só serve para lhes diminuir o consumo. É que a navegação demanda o Brasil porque, ao voltar, nos paizes por onde passa ou para que se destina existem mercados dos generos brasileiros, e porque milhares de toneladas de carga para o Brasil lhe compensam a viagem até lá. O entreposto! Quando chegámos ao Brasil, em 1893, fallámos delle a um grande jornalista, amigo extremoso de Portugal e dos portugueses. Achou a idéa engraçada e ponderou: «Entreposto ideal é o navio--porque o café precisa sair de bordo e entrar no caminho de ferro para ser torrado no dia seguinte pela manhã, moido das 10 ao meio dia e tomado dessa hora em deante. No dia seguinte chega outro vapor e repete-se a historia.»[17] O entreposto em Lisboa para abastecer a Europa! Como se todas as nações estivessem desprovidas de portos e a marinha mercante fosse exclusivo português... A incuria dos nossos governos é proverbial. A falta de curiosidade basta para explicar essa incuria em pessôas tomadas da mania politicante. Se assim não fôra, saber-se ia em Portugal que, tendo o governo do Brasil organisado um «serviço de propaganda e expansão economica», lhe estabeleceu quatro delegacias; que a 4.^a delegacia, com séde em Barcelona, tem jurisdicção na Hespanha e Portugal; que, portanto, na propria peninsula iberica, o Brasil prevê mais possibilidade de expansão economica na Hespanha do que em Portugal... É o que nos parece logico inferir da escolha da séde da 4.^a delegacia. A proposta do sr. Consiglieri nada offerece ao Brasil, além do serviço de lhe evitar o perigo da desnacionalização. O perigo não existe; logo, o serviço reduz-se a zéro. Dir-se-á: «E a emigração?» A emigração--eis o que realmente damos ao Brasil. A emigração é um _mal necessario_: quem não tem trabalho remunerador no paiz, vae arranjal-o fóra do paiz, e, de lá, acóde ao nosso _deficit_ economico. Sendo assim, nem a propria emigração póde constituir base de um accordo commercial--porquanto ao Brasil, que precisa de trabalhadores, não assusta a idéa de a prohibirmos. Como prohibil-a, se precisamos della? E, se, num plano de reforma economica, cortassemos a corrente emigratoria, os mercados brasileiros talvez tivessem de se fechar aos nossos productos... É esta a triste situação a que o regimen monarchico reduziu Portugal! XI A EVOLUÇÃO BRASILEIRA Estamos deante do Brasil em deploravel ignorancia das suas coisas. Não fôra esta a verdade e teriamos clara noção dos phenomenos ethnicos alli operados ou ainda em elaboração e estariamos certos de que não ha perigo de desnacionalização, mas tão sómente se dá, nesse paiz, uma evolução geral logica, inevitavel e fatal. As instituições politicas e sociaes da nação brasileira seguiram o seu curso, sob influencias peculiares ao meio americano e ás exigencias do concerto internacional, por um lado, e, por outro, em obediencia á educação e ás aspirações do povo que se foi e ainda está constituindo dentro da nossa antiga colonia. A raça, sem perder as suas caracteristicas iniciaes, obedeceu ao determinismo do novo meio e transformou-se, como, com as successivas migrações, succedeu, através da historia, a todas as chamadas raças e nacionalidades. Portugal não deu por isso. A falta de curiosidade vae neste paiz, dos que governam aos que são governados; dos assumptos mais sérios aos mais facêtos, dos factos decisivos aos incidentes subalternos da politica, da economia, das artes--de tudo! Ora, se é verdade que, em 1615, nas instrucções dadas a Fragoso de Albuquerque para o tratado de paz com La Revardière,[18] se dizia que no Brasil «havia mais de tres mil portugueses» e, portanto, «as suas terras não estavam despovoadas», não ha duvida, todavia, de que ao predominio da nossa população se deveu o não ter o Brasil caido em outras mãos, apezar das vicissitudes por que passou Portugal, volvidos poucos annos sobre essa data. Ao fechar o XVII século, o povoamento tinha tomado incremento notavel com o descobrimento das minas de ouro de Caethé e Rio das Velhas. Não sómente a miragem do ouro determinou a immigração: havia, então, um systema colonizador no espirito dos governantes portugueses. E, embora deficiente, o critério que dictou as doações era digno de um governo; e os seus fructos foram valiosos. Em 1680, uma carta régia, reveladora da noção de imminente conflicto entre colonos e gentios, mandava conceder terras a estes «ainda mesmo as já dadas de sesmaria visto que deviam ter preferencia os mesmos indios _naturaes senhores da terra_».[19] Não se repellia o gentio. As ondas de africanos, que, desde os fins do século XVI, foram atiradas sobre a America portuguesa, o indigena e o português foram as componentes ethnicas do typo brasileiro. Os cruzamentos deram-se. Fez-se a selecção lenta, sob a preponderante acção da raça superior, cujos attributos a hereditariedade resalvou da existencia transitoria do mestiço. Estudando este phenomeno, Euclydes da Cunha, alto espirito de artista e pensador, escreveu que «a raça superior se tornára objecto remoto para que tendiam os mestiços deprimidos, e estes, procurando-o, obedeciam ao proprio instincto da conservação e da defeza». Junte-se a este facto, comprovado pela historia de todos os cruzamentos desse genero, o axioma ethnologico da tendencia das raças eugenicas para subordinarem ao seu destino os elementos inferiores com que se encontram e ter-se-á explicada a hegemonia do português na formação do typo novo, a que se refere Sylvio Roméro. Não foram exterminadas as raças inferiores; foram absorvidas lentamente, eliminadas pelos cruzamentos sempre ascendentes. Tanto assim foi que, apezar da enorme superioridade numerica dos africanos, a immigração escassissima dos lusos indo-europeus foi capaz de formar a maioria branca que ha no Brasil e que é uma evolução ainda não bastante differenciada do typo português. A nossa resistencia, como raça colonizadora, apresentou na America uma prova sem par. A sobreposição das heranças psychicas das raças fundidas quasi se não distanciou da parcella lusitana, apesar da nossa falta de cultura nos tres séculos ultimos e apezar do evidente accrescimo physiologico da população ser devido aos cruzamentos. Com absoluta razão, e em contrario do que affirmou o visconde de Ouguella na _Questão social_, sustentou o sabio brasileiro dr. Luiz Pereira Barretto que a raça portuguesa não degenerou. Não é, diz o dr. Barretto, um caso de degeneração, mas sim de inhibição cujas causas, a seu vêr, se encontram na educação clerical e na subserviencia dos poderes publicos ao clericalismo. O Brasil curou-se desse mal, que ainda domina a nossa terra. O que se vê da estratificação dos primeiros elementos constitutivos da população do Brasil é a conservação das linhas geraes do typo português, com os seus defeitos, mas com as suas qualidades de adaptação e de resistencia. Foi com essa massa que, a partir da abertura dos portos da ainda colonia ao commercio universal, se tiveram de encontrar, em escala cada vez maior, os colonos europeus de outras linguas. Não se verificava, apezar do atrazo do português e do brasileiro, a hypothese da collisão de uma raça superior, a exótica, com outra inferior, a nossa commum. Se tal acontecesse, repetir-se-ia a selecção realizada com os indios e africanos, selecção que, desta vez, seria em prejuizo dos luso-brasileiros. Ora, é precisamente o contrario--isto é, a absorpção do elemento exótico--o phenomeno que se tem de reconhecer na fusão de raças operada no Brasil, visto que, apezar da superioridade numerica desses exóticos sobre os immigrantes portugueses, o typo brasileiro não se alterou sensivelmente e as caracteristicas nacionaes permanecem intactas e predominantes nos proprios descendentes de gente de lingua estranha. Daqui tem de se inferir que os dezoito a vinte milhões de brasileiros--a estatistica dirá, em 1910, se são mais ou menos--possuem energias nacionaes capazes de subordinar os adventicios ao seu modo de ser proprio. A civilização varía de clima para clima. O homem, ao expatriar-se, está condemnado, por uma fatalidade invencivel, a aspirar, para si e para a sua descendencia, á civilização adequada ao paiz que escolheu para domicilio. Por isso, o emigrante procura, em regra, as regiões em que a sua adaptação é menos violenta. Por isso, como diz Cesar Zumeta[20], «quaesquer que sejam as raças povoadoras, na zona tórrida não imperará senão uma civilização lentamente progressiva». Por isso, o italiano e o allemão se congregam nos estados do sul do Brasil.[21] Por isso, finalmente, todos os estrangeiros das raças superiores são assimilados no Brasil, cujo meio, antes de se modificar, os modifica a elles, até a sua completa identificação com o typo nacional, que, é claro, por sua vez tambem se transforma, como acontece aos typos de todos os outros paizes. As migrações nunca deixaram de ter este resultado: adaptam-se ao meio, mas influem na sua evolução. XII O BRASIL E O AMERICANISMO Perguntar-se-á se achamos que, apezar de tudo, se conservarão no povo brasileiro, indissoluveis affinidades com o povo português. O caso dos Estados Unidos da America, em que sommam nove milhões de habitantes os cidadãos de origem alleman, inclina-nos a prevêr que assim virá a ser. Esses nove milhões fundiram-se dentro da massa _yankee_; e conservou-se o caracter anglo-saxonio do povo americano. Ha differenças entre o inglês e o _yankee_. Decerto; mas os traços dominantes são communs; cada vez mais se estreitam os laços que prendem os dois povos e maior é a influencia de um sobre o outro. A differenciação lenta do brasileiro do português é um facto, do qual, porém, não é licito tirar illações pessimistas quanto ás futuras relações entre ambos nem agourar phenomenos de desnacionalização. O Brasil de ha muito que está em progresso, sob todos os aspectos. Portugal não está parado: a sua evolução é regressiva; vive á procura de um Messias, com instituições cada vez mais anachronicas, resistindo á democracia triumphante em todo o planeta... São dois povos que seguem rumos divergentes e que, portanto, não se encontrarão nunca mais, salvo se um delles se decidir a tomar o caminho do outro... O Brasil, pela sua integração no corpo democratico americano, pelas exigencias da politica internacional e por tendencias de ordem politica, economica e moral, que demonstrava desde a sua independencia, poude transformar-se por completo. A raça regenerou-se, livrando-se das causas da inhibição, que a combalia. O espirito americano já não póde ser considerado simples phrase de jactanciosa literatura politica para effeitos oratorios. É uma realidade. Toda a America latina evolve segundo normas novas. Donde surgiram essas normas? Da influencia da civilização norte-americana, não ha duvida alguma. Os hispano-americanos estavam realmente feridos pela tempestade, como dizia Castelar. Era a tempestade resultante do conflicto da civilização ancestral com o meio. Verificava-se, mais uma vez, que a cada clima convém uma civilização especial, que não ha, no planeta, uma civilização uniforme e typica. A adaptação lenta do que, da civilização norte-americana, podia coadunar-se com os nucleos diversos do povoamento da America, gerou a corrente de sentimentos e de idéas que, por constituir uma série de evidentes pontos de contacto entre os povos americanos, teve a denominação de _espirito americano_. Este espirito, em que pése aos _snobs_ que achincalham o papel da democracia norte-americana, derivou da attitude dos Estados Unidos deante da ameaça de intervenção da Santa Alliança--tão santa como a Inquisição!--a favor da Hespanha e contra as colonias que se lhe tinham declarado independentes. Bem sabemos que o governo americano hesitou deante da situação. A Santa Alliança era poderosa e os Estados Unidos eram, então, uma nação relativamente fraca. Em 1823, o presidente Monröe, com o auxilio da Inglaterra, ou sem elle--pouco importa--resolvia-se, afinal, a assumir a posição de que havia de decorrer a chamada mais tarde «doutrina de Monröe». Foi na mensagem de 23 de dezembro do referido anno. Dizia o presidente dos Estados Unidos, depois de exprimir o seu respeito pela partilha, então consummada, da America: «Em relação aos governos que declararam e têm mantido a sua independencia, a qual, depois de grande reflexão e obedecendo a principios de justiça, reconhecemos, toda e qualquer interferencia por parte de alguma potencia européa com o fim de os opprimir e de qualquer forma pesar sobre os seus destinos, só poderá ser olhada por nós como demonstração pouco amigavel feita aos Estados Unidos.» Esta é, em resumo, a célebre doutrina com que, á nascença, se viram protegidas as republicas hispano-americanas. É certo que os ingleses secundaram, no proprio interesse, a defeza desses novos estados proclamada por Monröe. Mas, se essas nações estavam, até certo ponto, garantidas contra a antiga metrópole, deviam-no á iniciativa dos Estados Unidos. A sua marcha evolutiva tinha de resentir-se desse facto e a influencia, que o progresso vertiginoso da união do Norte veiu a exercer sobre ellas, accentuou ainda mais profundamente a idéa de que interesses superiores prendiam entre si os povos americanos. O espírito americano, sobre essa base effectiva da protecção reciproca do principio nacional, não podia deixar de se fortalecer e consolidar. Para isso contribuía a differenciação que o meio e os cruzamentos ethnicos impunham a esses estados, apartando-os mais e mais, se bem que lentamente, dos colonizadores. O esforço das sociedades hispano-americanas para se adaptarem ao espirito americano, desvincilhando-se de instituições e costumes do outro lado do Oceano, é a explicação que dão todos os sociólogos, que estudaram o phenomeno, das suas luctas civis e dos seus frequentes eclypses de legalidade. Não assim com o Brasil. A evolução brasileira, até o inicio do derradeiro quartel do século passado, operou-se quasi livremente do espirito americano. _Quasi_, dizemos, porque a sua influencia se encontra em todo o imperio como elemento modificador das tendencias, intrinsecas do povo brasileiro. É facil comprehender a disparidade apontada. Em primeiro logar, a antiga colonia americana de Portugal constituiu um imperio, uma realeza, sob um principe português. Pedro I do Brasil, mais tarde IV de Portugal, já não poude deixar de conceder ao Brasil o systema representativo, despojando-se dos attributos divinos da realeza absoluta. É que a America, _pelo seu espirito_, já não podia tolerar essa instituição politica ainda vigente em Portugal. Não ha barreiras nem muralhas chinesas impermeaveis ás idéas; e o principe português, ao sentar-se no unico throno da America, comprehendeu essa verdade. A Pedro IV deveu Portugal a dadiva de um systema vasado nos mesmos moldes que elegêra o auctor inglês a quem o filho de João VI e Carlota Joaquina encommendára a primeira... Tanto basta para vêr, com nitidez, que a evolução brasileira não estava destinada a seguir, desde a independencia, o espirito americano. O phenomeno politico-social occorrido no Brasil defendeu, durante largo periodo da sua elaboração nacional, as affinidades entre a antiga metrópole e a ex-colonia contra as idéas e os sentimentos de que os Estados Unidos iam impregnando os mais estados do Novo Mundo. Ao passo que os hispano-americanos, sob novas instituições politicas, entravam em violenta differenciação com a Hespanha, os luso-americanos, logo após a separação, tinham convivio intimo e familial com Portugal e dos portugueses recebiam e aos portugueses transmittiam, num commercio ininterrupto, idéas e sentimentos. É, pois, absolutamente diversa a historia dos descendentes dos dois povos da peninsula ibérica. Não foi senão nas duas ultimas décadas do imperio que os brasileiros denotaram o influxo americano. O casamento civil dos acatholicos e a questão da extensão do estado civil, o debate jornalístico ácêrca da liberdade de cultos e da secularização dos cemiterios e a idéa de federar as provincias[22] são provas da acção americana, que, no Brasil, continuava, assim, a obra encetada quando se adoptára o principio da eleição, se bem que restricta, dos membros da segunda camara, o senado. Dahi por deante accentuou-se o contagio e o estatuto politico saido da revolução de 1889 consagra de maneira definitiva a adhesão do Brasil ao americanismo. A lei basica de 24 de fevereiro de 1891 é calcada na americana de 1787, na qual Gladstone via «a creação mais admiravel que a intelligencia humana produziu de um só jacto». Não são, todavia, bem fundadas as criticas que attribuem á adopção desse modelo institucional o caracter de uma quebra de continuidade na historia do Brasil. Se assim fôsse, tambem não teria outro significado o advento do regimen representativo, nos paizes antes sob realezas absolutas, a valer inviolaveis e sagradas. Os povos, por mais que o queiram, não interceptam o curso da sua historia. Quando o arbitrio o tenta, logo surge a reacção invencivel do seu determinismo a repôr tudo no logar adequado e nos necessarios termos. Mudam-se, de uma hora para outra, os systemas politicos, que são obra de interesses colligados e defendidos pela força material do poder detentor das armas, dos sellos do estado e das arcas da nação. Não se mudam, porém, em dias, nem ás vezes em annos, os systemas sociaes, conjunctos de institutos juridicos, de tradições e de costumes, que evolvem, sem saltos, serena e continuamente. O Brasil passou de um imperio centralizado a uma republica federativa. Mudou de regimen politico; mas conservou, melhorando-as, como preceitúa Comte, as suas instituições sociaes. Não o affirma, de modo frisante e de per si, o facto de ter ainda em vigor as _ordenações do reino_, modificadas, natural e logicamente, por leis exigidas, em todos os ramos do direito, pelo progresso humano e pelo progresso nacional? Portugal codificou o seu direito civil. O Brasil ainda não o fez; mas a verdade é que a sua legislação fragmentaria revogou e alterou, de accordo com as necessidades dos tempos, as velhas leis portuguesas, aproveitando, dellas, o que podia em cada momento ser conservado. Este feitio da vida juridica brasileira denota raro apêgo ao passado e constitue eloquente protesto contra a asseveração gratuita de que o Brasil propende voluntariamente para se afastar do espirito das leis portuguesas. Era-lhe, porém, impossivel crystalizar dentro da rigidez de normas legaes correspondentes a um estadío transitorio do seu desenvolvimento. Transformou-se, porque progrediu. E, como, ao progredir, não podia ficar a par da nossa marcha morosa e ás vezes regressiva, distanciou-se de nós e acceitou as idéas que ás suas condições mais quadravam. O meio politico e social do Novo Mundo assimilou, afinal, o espirito juridico brasileiro; comtudo, o povo brasileiro permaneceu, no ponto de vista da lingua, das tradições moraes e da propria constituição da familia, muito chegado e proximo do povo português. Por quê? Pela simples razão de não haver o Brasil assentado a sua ascensão para a radiosa doutrina americana sobre os destroços das conquistas definitivas dos seus maiores e das suas proprias. No Brasil não se violentaram os costumes, crenças e tradições fundamentaes do povo. Eliminou-se o que o desfiar dos annos tornou caduco ou discordante da nova sociedade. Não houve rompimento com o passado e, portanto, no dizer conceituoso de Burke, «não se desorganizou o futuro» porque se aproveitou «a experiencia accumulada de gerações successivas». Esta sequencia do espirito juridico, que caracteriza e distingue a raça anglo-saxonia, revela-se, mais do que em todas as nações ibero-americanas, no Brasil. Assim é que o Brasil, mais do que todas essas nações, mantem radicaes affinidades com o seu povo de origem, com Portugal. É no sul o que no norte do continente é a federação americana: ambas representam typicamente os colonizadores, muito embora as condições politicas, as exigencias do ambiente novo e a fusão de raças estranhas tenham estabelecido, entre os dois ramos de cada uma dessas familias, signaes distinctivos e peculiares. O que se deu em ambos os paizes está compendiado na phrase de Story[23]: «O direito da Inglaterra não deve ser considerado _a todos os respeitos_ como o da America. Os nossos maiores trouxeram os seus _principios geraes_ e defenderam-no como o seu direito patrimonial. Mas trouxeram-no comsigo e adoptaram sómente a _parte applicavel á sua condição_.» Com effeito, como vimos, o Brasil tambem adoptou sómente a «parte applicavel á sua condição». Assim foi que repudiou a camara dos senhores e instituiu a dos senadores, em que a democracia americana enxertára o principio da eleição popular. Isto já no imperio! Na Republica, em consequencia do regimen adoptado e de precendentes influencias intra-continentaes, a doutrina do aproveitamento da _parte_ do direito tradicional _applicavel_ á condição do novo povo tinha de ser posta em pratica mais largamente. Era inevitavel. Ia-se proceder a uma selecção á qual tinham de succumbir muitos dos archaicos e obsolétos principios do direito português, já adaptado ao ser introduzido no Brasil. Apparecia, na reconstrucção republicana do Brasil, o agente differenciador americano, que já lhe não era estranho. Encontrava, porém, no proprio regimen politico, facilidades que antes lhe tinham faltado. A Constituição Brasileira, de 24 de fevereiro de 1891, foi o promotor principal desta reforma, que, a perdurar o alheiamento de Portugal ao progresso contemporaneo, parece destinada a precipitar o divorcio entre as duas civilizações. XIII AS DIVERGENCIAS Agora, volvidos vinte annos sobre a quéda do imperio de D. Pedro II, não é licito a pessôas de são juizo admittir a possibilidade da restauração monarchica. A Republica é definitiva. Com os della estão confundidos os destinos nacionaes. Em vão, em 1896, o visconde de Ouro Preto exprimia, na carta-prefacio dos _Fastos da Dictadura_, de Eduardo Prado, esperanças de restauração e dirigia uma saudação «á phalange dos batalhadores do porvir, investidos da sagrada missão de sanar os males causados á sociedade» brasileira, «reencaminhando-a aos seus luminosos destinos»! Em 1900, o sr. Joaquim Nabuco, num artigo da _Noticia_, confessava que havia muito que a «sua attracção politica» era «para se conciliar com os novos destinos do paiz, _quaesquer que elles fossem_». E quando se realizou o 3.^o Congresso Pan-Americano no Rio de Janeiro, o preclaro diplomata explicou a sua adhesão ao novo regimen pelo reconhecimento de que só com a Republica a sua patria podia realizar a parte que lhe compete na obra continental decorrente da doutrina de Monröe. As novas instituições incorporaram o Brasil ao pan-americanismo.[24] O exito republicano consolidou essa transformação e garantiu a continuidade de acção do espirito americano na vida nacional brasileira. Não ha duvida. Vinte annos de democracia, num paiz em que não havia privilegios de casias, bastam para tornar definitiva a abolição do velho systema politico, com todas as suas consequencias e para dar consistencia indestructivel á actual ordem politica e ás suas logicas illações sociaes.[25] Quem tinha quinze a vinte annos, ao ser proclamada a Republica, conta hoje entre trinta e cinco e quarenta annos: fez-se homem na Republica. E quem tinha menos do que essa edade recebeu educação absolutamente republicana, formou o seu espirito nos principios trazidos pela orientação politica americana. É, portanto, a parte activa da sociedade brasileira que representa as aspirações pan-americanistas. O futuro pertence lhe. Nella abdicam os que conseguiram accommodar-se dentro das instituições novas e os que, por uma incompatibilidade intima, quasi organica, estão condemnados á abstenção para o resto dos seus dias. A essencia do espirito americano é a liberdade, comprehendida como a maxima amplitude deixada e garantida á acção individual. Diz um publicista notavel que, se o principio do _self-government_ é um axioma politico para o norte-americano, o seu complemento, no terreno social, é o _self-help_, base dos direitos individuaes. A soberania do direito, alicerce do direito publico anglo-saxonio, oppõe-se a que as garantias individuaes sejam postergadas pelo povo ou pelos seus mandatarios. É o que Laboulaye exprime, quando diz que os direitos individuaes, na Constituição Americana, são considerados preexistentes e superiores á Constituição. A Constituição Brasileira, no seu artigo 72, em que foi mais completa do que a de 1789 na declaração dos direitos do homem e do cidadão, consagra a doutrina americana. Eis uma divergencia essencial entre o Brasil e Portugal ou qualquer outro estado do continente europeu. Com effeito, pondéra Arthur Orlando, professor de direito no Recife: «Segundo o direito europeu compete ao soberano regular de modo absoluto as relações entre os particulares e os poderes publicos. No direito americano, _vis-à-vis_ das auctoridades publicas, o particular tem direitos imprescriptiveis, inalienaveis, cuja garantia compete aos tribunaes judiciarios.»[26] «Em face dos principios do direito constitucional das nações européas, o soberano, chame-se imperador ou povo, não encontra obstaculos á sua vontade: perante os principios do direito constitucional dos povos americanos, os direitos individuaes estão ao abrigo da acção, mesmo collectiva, dos poderes publicos, e, portanto, isentos de todo ataque.»[26] Mas desta differença deriva outra, por egual importante. O poder judiciario americano véla pelo respeito dos direitos individuaes, cohibindo as exorbitancias dos outros poderes, isto é, tanto do executivo como do legislativo. «As leis--lê-se em Story--sem tribunaes que interpretem e indiquem o seu verdadeiro sentido e applicação, são letra morta.»[27] Foi com o mesmo fim que a Constituição Brasileira, art.^o 59, III, § 1.^o, alinea _a_, deu ao Supremo Tribunal Federal competencia para julgar da validade ou applicação dos tratados e leis federaes e das leis e actos dos governos estadoaes.[28]. No Brasil e na Argentina, como nos Estados-Unidos, não é raro vêr o poder judiciario decretar, por sentença, a inconstitucionalidade de leis votadas pelo Congresso e sanccionadas pelo poder executivo. Aliás, a tendencia do espirito americano é para resolver todas as questões de direito por tribunaes competentes. O julgamento arbitral é a forma de decidir os litigios internacionaes. O Brasil, cuja lei basica, art.^o 88, prohibe as guerras de conquista, tem demonstrado amplamente a sua adhesão ao arbitramento.[29]. E, sem pormenorizar a doutrina Drago, em que o ex-ministro argentino quiz firmar o principio da não intervenção armada para a cobrança de dividas de estados, é evidente que, na America, se caminha para um accôrdo de que ha de resultar uma justiça internacional, continental pelo menos, destinada a dar realidade ao espirito americano nessa esphera juridica. E essa tendencia, como observa Calvo[30], «ha de transformar as relações entre os povos, porque, hoje, não ha meias soberanias e a America cada vez ha de pesar mais nessas relações»,[31] com a entrada dos seus estados na linha das forças com que se terá de contar, como se contou sempre, para que o direito internacional tenha sancção e se torne effectivo. Nesta materia tambem nos vamos inevitavelmente afastando dos nossos irmãos de além-mar: quedámo-nos atidos e atados á enygmatica, mysteriosa e confusa politica, que consiste em ter e não perder o apoio de uma grande potencia, a qual tem sido a Inglaterra, mas que, ahi por 1886 a 1891, esteve para ser a Allemanha... Não nos móve a consciencia do nosso destino; tratamos de alcançar arrimo. Não obedecemos a interesses claros da nacionalidade nem a exigencias da nossa expansão, nem sequer a affinidades de cultura ou imposições da economia portuguesa: requestamos um bom encosto, embora só nos sirva para satisfazer vaidades e pavonear forças alheias. Seria longo enumerar todos os aspectos sociaes em que divergem, já neste momento, os povos brasileiro e português. Não ha, porém, duvida alguma de que a causa primordial desse facto, que a fatalidade do menor esforço ha de estender e ampliar de dia para dia, é o espirito americano, que incorporou, afinal, na consciencia continental, a consciencia brasileira. Os povos de toda a America sentem que têm destinos communs no desenvolvimento da humanidade. O Brasil não podia deixar de commungar nesse sentimento. Em todas as manifestações da sua vida actual é facil reconhecel-o: É o resultado da acção exercida pelos Estados-Unidos, cuja constituição, «sobre a qual são vasadas _todas_ as constituições politicas dos povos americanos», creou um direito novo, _sui generis_. _Sui generis_ é, com effeito. A capacidade juridica da mulher, que na Europa não é completa nem na Gran-Bretanha, é-o nos Estados-Unidos. «Póde praticar qualquer acto juridico ou extra-judicial independente da auctorização do marido», diz Arthur Orlando. A essa corrente obedeceram, no debate recente de um projecto de lei regulador da dissolução do vinculo conjugal, alguns dos mais adeantados legisladores brasileiros. Á liberdade de testar, principio inherente á formação individualista dos povos anglo-saxonios, tem de se attribuir o dispositivo da lei brasileira de 31 de Dezembro de 1907, que confére «ao testador, que tivér descendente ou ascendente successivel, a faculdade de dispôr de metade dos seus bens», em vez da terça parte. É um passo dado para a conquista de mais essa liberdade, á qual, em grande parte, devem ingleses e _yankees_ a sua iniciativa e, portanto, o exito na lucta pela vida. Nós, latinos, avergados ao pavor do principio da auctoridade, veneradores do estado providencia, picados da tarantula romana das conquistas e da partilha das presas, revendo na gloria das armas a fórma ancestral e exclusiva de triumphar--estamos hoje, como ha trezentos annos, naquella these de que a herança é um dever que os paes cumprem para com os filhos. Não é, porém, só isso. Ao mesmo espirito já era devida a instituição: 1.^o Do _habeas-corpus_, no estatuto basico da Republica, art.^o 72 § 22; 2.^o Da responsabilidade do chefe da nação por meio do _impeachment_ ou accusação pela camara, art.^{os} 53 e 54; 3.^o Da competencia privativa do poder legislativo para orçar a receita e fixar a despeza, art.^o 34 § 1.^o, e para resolver definitivamente sobre os tratados e convenções com as nações estrangeiras, art.^o 34 § 12.^o; 4.^o Da indissolubilidade do Congresso[32], da sua reunião de direito proprio, e da faculdade privativa de deliberar sobre a prorogação e adiamento das suas sessões, art.^o 17 e seus §§; 5.^o Da concessão aos estrangeiros de todos os direitos pelo art.^o 72 dados aos nacionaes, entre os quaes a liberdade de cultos e o ensino publico leigo. Em Portugal nada disso existe. Como se ha de querer que caminhem parallelamente povos que divergem tão radicalmente nos seus costumes politicos e nas suas concepções juridicas? Pura utopía! Vêde o que contrapômos a esses cinco pontos enumerados acima: 1.^o Não ha garantias que defendam os cidadãos contra o arbitrio da auctoridade: o juizo de instrucção criminal--por suspeitas e denuncias!--prendeu, por quasi tres mezes, quatro homens, para o inquerito sobre o regicidio; 2.^o A irresponsabilidade do chefe da nação é constitucional; o caso dos adeantamentos estereotypa o nosso estado em materia de responsabilidades dos proprios ministros, _responsaveis_, segundo a ficção legal; 3.^o A dictadura financeira é a regra, a que só se foge «quando os ares andam turvos»: o orçamento, confessaram-no todos os partidos portugueses, é uma mentira; quanto á competencia do parlamento, em materia de tratados, basta citar o caso mais recente, o tratado luso-sul-africano, em que ao poder legislativo... se reservou a nobre funcção de não o discutir sequer; 4.^o A camara electiva em Portugal foi dissolvida quasi systematicamente durante o reinado do rei Carlos, já o foi neste e quanto a prorogações e adiamentos só se não dão os que o governo não quer; as côrtes não se reunem de direito proprio; é o rei que as convoca; 5.^o Dos direitos do estrangeiro em Portugal avalie-se pela expulsão de Souza Carneiro, Salmerón e Francisco Ferrer, entre muitos mais; a liberdade religiosa aquilata-se pelo julgamento recente de um jornalista republicano em Vizeu; o ensino leigo define-se pela obrigação de recitar préces catholicas nos actos da Universidade. É verdade que, antes de jurar defender a Patria, o rei tem de jurar, pela Carta, manter a religião catholica, apostolica, romana!... Isto tudo acontece neste paiz de gloriosas tradições, regido por formulas já esquecidas pela maioria dos povos civilizados. Será, por acaso, a nossa terra uma das _wasted countries_ (paizes desperdiçados, não utilizados) a que alludiu, ha annos, sir John Lubbock? Será um desses estados para que o patricio e nosso tristemente conhecido marquez de Salisbury aconselhava a expropriação por utilidade internacional? Dir-se-ia Portugal transferido para os trópicos, cuja herança, no dizer de Kidd, está sendo agora disputada, depois da conquista da terra habitavel pela raça branca.[33] XIV A APPROXIMAÇÃO Não é facil comprehender como o conjuncto de leis, costumes e pendores, que acabamos de summariar e indicar á attenção dos homens de intelligencia e boa vontade, tivesse, em regra, escapado ao espirito dos conselheiros da nossa terra de doutores. Não ha, todavia, vestigio algum de que se houvessem apercebido da realidade os nossos estadistas de pechisbeque nem tampouco os argutos diplomatas, que sáem do favoritismo cortezão para o desempenho das suas missões com o cérebro vasio de idéas e até das noções elementares das mais comesinhas coisas divulgadas pelas bibliothecas populares com que a limpida intelligencia francesa procura chamar ás cercanias da civilização as gentes retardatarias. Que aos cidadãos portugueses, que formam o grosso dos setenta e tantos por cento que a estatistica declara analphabetos, seja inattingivel o phenomeno, admitte-se, explica-se e justifica-se. Mas que, nas proprias classes tidas por cultas e, de facto, dirigentes, se pense ainda que o Brasil nos fóge das mãos e que o podemos e devemos segurar, bastando para tanto a vontade de o fazermos; que, nessas classes, se attribua a animadversão por parte dos governos brasileiros o que deflue logicamente dos elementos vitaes das sociedades; que, nesses meios venturosos, se procurem soluções a um problema, que se presume conhecer mas realmente se desconhece, e não se lembre ninguem de investigar os seus precisos termos--é symptoma alarmantissimo para todos aquelles que ainda amam esta nossa patria e aspiram a uma vida nacional digna e próspera. Acaso ha quem julgue que perduram no Brasil resentimentos contra a antiga metrópole? Acaso toda essa gente graúda e fútil não tem olhos para vêr e ouvidos para ouvir? Não chegam á sua intelligencia preguiçosa nem á sua alma embotada pelo egoismo as provas constantes de intenso affecto que os brasileiros nos dão? Não se sente em Portugal que as nossas máguas e as nossas alegrias fazem pulsar, para lá do Atlantico, milhões de peitos e tremer milhões de labios em que as primeiras palavras balbuciadas o foram na lingua commum? Triste, tristissimo estado da nossa alma, vergonhosa condição da nossa intelligencia! Mandemos ao Brasil homens intelligentes, que lhe estudem a vida sob todos os aspectos e venham esclarecer-nos. Deixemo-nos de confiar em diplomatas, que sabem elegancias e pragmaticas, mas ignoram as mais singélas noções dos phenomenos sociaes, economicos e juridicos. Os nossos colonos no Brasil, os nossos patricios que lá trabalham em qualquer esphera da actividade, valem muito mais, para a indicação das necessidades das relações luso-brasileiras, do que todos os viajantes que têm saído do Terreiro do Paço, para destinos varios, a curtir saudades da manga de alpaca e do _Deus guarde a V. Ex.^a_ do papelorio nacional. Desta desidia collectiva, em que o menos culpado e o mais sacrificado é o povo laborioso e honesto, resultou a absurda situação em que nos encontramos. Reconhecemos--dir-se-ia que de subito!--que, no fim de contas, o português encontra concorrentes nas outras raças que contribuem para o povoamento do Brasil... Não foi sem tempo; mas, infelizmente, não atinamos com o caminho que nos convém! Serão as leis inflexiveis da historia que hão de nos encarreirar para essa senda. Por nossa vontade ou contra o nosso querer, havemos de lá ir ter. Basta que assim seja para que presintamos, no anceio geral por estreitar os laços que prendem os povos de lingua portuguesa, promessas de que vem perto o dia da redempção desta terra em que os homens livres parecem escravizados, em que tudo transuda o bafio de remoto passado e tudo é bolôr, caruncho e poeira. Com que então queremos approximar-nos do Brasil e mais intimamente conviver com elle? Vamos, pois, procurar «unificar ou pelo menos harmonizar a legislação civil e commercial» dos dois paizes? Ora, ainda bem! Aos republicanos portugueses sorri essa idéa. Já o dissémos na introducção a estas paginas. E sorri porque traria a Republica, se nós a não pudéssemos fazer num impeto dignificante; porque só a Republica póde levar Portugal a entender-se, de qualquer modo, com o Brasil republicano. A legislação commercial e civil! Como conciliar os dois povos, sob esses aspectos do direito, se emquanto lá no Brasil tudo tende a amoldar-se ao regimen politico e ás instituições sociaes e juridicas do continente--como deixámos exposto--cá em Porttugal nada caminha para a democracia, tudo retrocéde para o absolutismo de ha um século? Ide pedir a um cidadão affeito á garantia do _habeas-corpus_ que se despoje della e acceite as delicias do inquisitorial Juizo de Instrucção Criminal, alli á Parreirinha... Chamae os lavradores de um paiz em que existe o credito real e o credito agricola, a mobilisação do valor da terra e do valor da producção, e perguntae-lhes se lhes apraz voltar á condição dos agricultores do nosso Alémtejo... Invertei, porém, os papeis e vereis como o alémtejano corre febril e esperançado a abraçar as instituições que florescem nos paizes da America e como o lisboeta acolhe com enthusiasmo o _habeas-corpus_... Mas os factos affirmam que dependemos economicamente do Brasil, que convém ao Brasil o colono português e que, além da lingua, ha poderosos vinculos, principalmente de ordem affectiva e psychica, entre os dois paizes. Queremos, lá e cá, viver como uma só familia. Não haverá, para isso, razões de conveniencia e de interesse, mas ha razões de sentimento, a que os homens nunca se furtam. O exemplo anglo-americano é caracteristico. Quando foi da famosa nota comminatoria do gabinete de Washington ao de Londres, a proposito de Venezuela e no tempo de Grover Cleveland, pareceu que o resfriamento ia abrir éra nova. Puro engano! Os Estados-Unidos e a Gran-Bretanha cada vez se ligaram mais intimamente e a influencia que, sobre esta, exerce aquella nação é tal que fôra loucura negal-a. A propria crise dos _lords_ que vem a ser senão o surto da opinião democratica _yankee_ dentro da democracia inglesa, socialmente congénere da americana? Que querem os liberaes, os radicaes, os socialistas do _Labour Party_[34] e todos os que acompanham Asquith, senão realizar a idéa americana do senado electivo e fazer prevalecer, no tocante á iniciativa orçamentaria e tributaria, a doutrina que determinou a independencia dos Estados Unidos?[35] E tamanha é a influencia _yankee_ na vida inglesa que homens da estatura de William Stead e de Westlake já falaram na americanização da Gran-Bretanha... Não é, porém, isolado o facto. A rapida democratização italiana que os nossos liberaes das duzias attribuem ao, aliás, unico principe intelligente que reina em nossos dias--não passa, no criterio dos mais eminentes sociólogos italianos, de inevitavel consequencia da emigração para a America republicana, progressiva e trabalhadora. _Fare l'America_ ha de redundar num novo _fare da se_, desta vez proferido pelo povo ao conquistar a posse dos seus destinos! Todos os convivios prolongados e intimos de povos differentes os conduzem ao nivelamento de cultura. É o facto sociologico correspondente ao physico do equilibrio dos liquidos em vasos communicantes. As necessidades do progresso humano e as exigencias da ordem social são os unicos indicadores do sentido que esse nivelamento tem de tomar. Caso typico é o da alliança franco-russa: ella não podia, como os energumenos realistas suppuzeram, levar a França á monarchia, mas tinha de arrastar o imperio de Nicoláo para o systema representativo, que, afinal, reconheceu a existencia do povo e o seu direito a intervir na gestão da sociedade, que o seu trabalho alimenta e enriquece. Deante da nação brasileira, cuja cultura já não podemos pôr em duvida, cuja expansão alenta o nosso organismo economico e cujo consumo é uma das melhores garantias effectivas da nossa producção, estamos nas condições que acabamos de referir. É uma verdadeira dependencia material. O sr. Consiglieri Pedroso com razão a reconhece nos seus considerandos quando diz que «a economia nacional portuguesa só ao contacto intimo da exuberante seiva brasileira pode robustecer-se e tonificar-se». Accresce a esse facto o de uma absoluta interdependencia dos dois paizes, sob o ponto de vista moral e affectivo. Julgamos tel-o deixado claramente deduzido; e se tal não fosse verdade, todo o nosso esforço e todo o esforço brasileiro para realizar a desejada approximação redundariam em pura perda. É, porém, certo que os laços que ligam Portugal ao Brasil assim como a Hespanha ás republicas hispano-americanas não apresentam indicios de enfraquecimento, apezar das divergencias antes apontadas. O erro, por parte dos povos da peninsula iberica é o mesmo: portugueses e hespanhóes persistem, pelo seu ferrenho conservantismo, que a ignorancia tutéla e couraça contra todas as conquistas do progresso, em vêr as coisas de hoje com os olhos com que viam as dos tempos do seu poderío... Ambos esses paizes esquecem que se lhes foram, de longa data, as colonias americanas e que, lá, onde as tinham, existem hoje florescentes estados e povos trabalhados por uma nova civilização... Supino erro de apreciação: porque o facto de terem os povos americanos de origem ibérica evolvido em sentido differente do adoptado até agora pelos ibéricos não implica necessariamente definitivo divorcio ou rompimento. Dil-o o simples bom-senso. Effectivamente, _apezar das divergencias verificadas, e incontestaveis_, tem de se reconhecer, de ambos os lados do Oceano, que perduram as intimas relações e a consciencia de que ellas se hão de estreitar ainda mais entre os dois ramos de cada uma dessas familias. O que é evidente é que os americanos, do sul, do centro e do norte, só podem proseguir no caminho encetado. Nem é admissivel o capricho em materia desta natureza. Os povos têm os seus destinos prescriptos pelas condições do meio em que se desenvolvem. Meio physico, meio psychico, meio politico, meio social, meio internacional--é claro. Esse complexo meio impõe aos povos da America destinos americanos. Dir-se-á que tambem as mesmas causas impõem á peninsula ibérica destinos não americanos. Nada o prova. Antes de tudo, o que se vê é que existe, tanto em Portugal como na Hespanha, a consciencia collectiva de que é indispensável refazer a antiga vitalidade com a _seiva_ das ex-colonias. É a consciencia de um destino... Depois, com que povos, com que culturas da Europa, formam os dois povos e as duas culturas da Ibéria um systema que se contraponha ao da America, ao pan-americanismo? E, finalmente, não se sente, pela Europa inteira, o sopro revivificador do individualismo americano? Não se percebe, nas mais insignificantes coisas, o influxo dessa poderosa alma americana, que revoluciona as sciencias, as industrias e as artes? Não se vêem legiões de homens intelligentes acudindo á America a haurir, nas suas coisas novas, nos seus processos novos e nas suas instituições novas, a energia que falece á Europa e a esperança, que fugiu das suas velhas nações? É o eixo da civilização superior e guiadora que se desloca... É a America que herda a hegemonia do planeta, como, nesse papel, a Europa succedêra á Asia. E, se ha quarenta annos se assistiu ao inicio da prodigiosa «occidentalização» do Japão, que á Europa veiu buscar uma cultura, que nem por ser exótica e antagónica com as suas tradições deixou de ser aproveitada no que era «aproveitavel á condição» do seu povo--por que havemos de reluctar em conceber que Portugal terá de ir, além do Atlantico, procurar, na cultura brasileira, que lhe é affim, elementos de reforma e de regeneração? Acaso pretendemos, desprovidos de tudo, reatar, na modalidade hodierna, a acção directora da phase do nosso esplendor? Porventura aspiramos ao que a Gran-Bretanha sabe imposivel--á anullação da obra do espirito americano? Não nos illudamos. O eixo da civilização--perdõem-nos o chavão em que insistimos pelo expressivo da fórmula--está-se a deslocar, está mesmo a mais de meio caminho da sua deslocação para a America. Ponhamos, frente a frente, os dois paizes de lingua portuguesa: Um, pujante de _seiva_, ávido de progresso, confiante na acção, audaz na iniciativa, próspero e rico! É o Brasil... Outro... Bem o conhecemos: largos tratos incultos, aldeias despovoadas pela miseria, desalento, glorias passadas, deficits, emprestimos em agiotas, povo faminto sob o azorrague de iniqua tributação! É Portugal... Reunamol-os, esquecendo que são dois povos e lembrando apenas que são uma familia unica, vivendo em tamanha amizade que não recusem coisa alguma um ao outro. É a approximação, tudo quanto se possa pedir como estreitamento de relações. Pois bem: no dia em que um conjuncto de circumstancias de pura fantasia tivésse realizado esse amplexo, que vae além da aspiração da hora presente, o que havia de acontecer, em obediencia a todas as leis sociaes, era fatal e irremediavelmente a adaptação portuguesa á civilização brasileira. A monarchia de Portugal estaria nesse dia com a sua sentença de morte lavrada, com as suas horas contadas! A Republica Portuguesa resultaria, irresistivelmente e sem demora, da acção, tornada mais intima e portanto mais efficaz, da democracia brasileira em todas as suas formas de actividade e em todos os seus modos de ser. Não! A monarchia que, para viver, nos reduziu a todos nós á condição de escravos e de selvagens e nos condemnou ao obscurantismo, não se abalançará a esse passo. Seria o suicidio. E a monarchia quer viver visto que se arma todos os dias para se defender... Não! A monarchia é o crime, mas não é a estupidez. E estupidez seria encaminhar-se para a morte. A não ser que se désse, dentro da monarchia, um caso de loucura collectiva... XV CONCLUSÃO A approximação luso-brasileira é fatal, apesar de implicar a queda das instituições politicas que reduziram Portugal ao deploravel estado de ruina em que se debate entre as oligarchias, que o exploram, e o povo, que olha ancioso para o despontar dessa vida nova, que só homens novos, de idéas novas e sentimentos novos, serão capazes de crear. O Brasil e Portugal hão de harmonizar os seus interesses e as suas aspirações. Quando? Quando esse _desideratum_ não exigir o impossivel. Porque é tão impossivel que a monarchia portuguesa se transforme a ponto de poder adoptar os principios e sentimentos da democracia brasileira quanto é impossivel que esta retroceda ao que era o Brasil de ha cincoenta annos, sómente pelo capricho de estreitar as suas relações com o reino do sr. D. Manuel de Orléans e Bragança--o unico representante coroado das duas casas que o acto emancipador de 15 de novembro de 1889 depoz do throno exótico de uma nação da livre America... Diz o professor Arthur Orlando, a cujo fulgurante espirito são familiares as questões americanas, que na America «existe um meio social superior que paira acima da vida nacional». Esse meio social chegaria para contrabalançar todo o problematico esforço que os nossos hypotheticos estadistas monarchicos fizessem no sentido de determinar--se não fosse absurdo--a evolução regressiva do Brasil. O mesmo escriptor explica o atrazo do povo português, de modo implicito, ao explicar o atrazo da raça latina: «Elles (os individuos dessa raça, que não têm iniciativa e não contam senão com a collectividade) não se decidem por si, mas pelo meio familiar, politico e religioso, de que fazem parte.» Falta-nos a iniciativa; appellamos para a collectividade, como se ella fosse mais do que a integração das iniciativas individuaes. É por isso que não comprehendemos ainda aquella doutrina da Declaração da Independencia Americana em que a propria independencia era considerada «um acto de soberania immanente praticado pelo povo e resultante do seu direito de mudar a fórma de governo e instituir governo novo, sempre que o entender necessario á sua felicidade e segurança». Quando o comprehendermos estaremos senhores dos nossos destinos e poderemos ter uma politica nossa, portuguesa, nas relações com outros povos, em vez de uma politica dynastica, que subordina os interesses nacionaes até aos casos mais intimos e pessoaes da vida dos reis e dos seus conselheiros, guias ou inspiradores. Até lá, esperemos, se não soubermos antes cumprir o nosso dever cívico. Reconhecem os proprios monarchicos que temos de conviver com o Brasil, que precisamos do Brasil. Lentamente, o Brasil ha de nos enviar, com os cheques e as libras trazidas pelo retorno da emigração e nas formas multiplas do convivio internacional, as suas idéas e as suas instituições, a lição do seu progresso e o exemplo da sua prosperidade. E, assim, como dissémos na introducção a este trabalho, o Brasil acabaria por levar o povo português á Republica. Mas já este povo dá signaes evidentes de vitalidade nas suas camadas profundas. A democracia transpoz os limites das povoações urbanas e invadiu, impetuosa, as villas, as aldeias, os casaes... A monarchia não resolverá o problema das relações de Portugal com o Brasil. Falhará mais esta tentativa em que o sr. Consiglieri Pedroso--partindo de um falso perigo de desnacionalização do Brasil e de uma supposta possibilidade de Portugal evitar esse perigo, se elle existisse--levou o escrupulo da imparcialidade com que preside á Sociedade de Geographia até pôr de parte as divergencias essenciaes que, sob a monarchia que S. Ex.^a combateu toda a vida, se oppõem á obra pan-portuguesa da qual a sua proposta pareceu, a tantos enthusiastas «por indole e por disposição da lei», preciosissima pedra fundamental. A monarchia não é, todavia, indispensavel a Portugal. Portugal ha de sobreviver a esse regimen. Então os portugueses resolverão os problemas nacionaes. Por agora, é escusado pensar em tal coisa. Assim é que, apezar de todas as adhesões e de todos os applausos, não será, desta vez ainda, realizada a approximação luso-brasileira. Só a Republica, fecunda geradora de patrias, creadora de consciencias livres e de cidadãos, nos armará para todas as victorias. Só a Republica, com a qual em breve ha de resurgir a energia viril da antiga e heroica patria, saberá e poderá reirmanar as duas nacionalidades em que se fala a forte e rude, a dôce e plangente lingua em que, ou fôsse sobre o tumulo da nacionalidade ou no arco triumphal da sua resurreição, se teria de lêr o episodio do Adamastor e o episodio de Ignez. INDICE Pag.^a Introducção 6 I--A proposta Consiglieri Pedroso 11 II--O problema luso-brasileiro 17 III--O supposto perigo 23 IV--Os estrangeiros no Brasil 29 V--O povoamento e a nacionalidade 35 VI--A immigração portuguesa 41 VII--A permuta commercial 47 VIII--A situação real 55 IX--A nossa raça «at work» 61 X--Medidas propostas 69 XI--A evolução brasileira 77 XII--O Brasil e o americanismo 83 XIII--As divergencias 93 XIV--A approximação 103 XV--Conclusão 113 Indice 117 _Acabou de se imprimir aos sete de dezembro de 1909, em Lisboa, na Typographia do Commercio rua da Oliveira, 10, ao Carmo._ Notas: [1] «Lá onde nenhuma outra raça medra o português prospéra...» «A elle pertence a palma dos dotes másculos na tarefa dos cruzamentos...» «É a raça privilegiada, é a única que teve o dom de anullar a seu favor as mais inclementes influencias climatericas...» «O português é o preferido no serviço das baleeiras norte-americanas e nesse posto o vemos arrostar os frios glaciaes...» «Na zona tórrida... encontramol-o sempre a prumo, robusto, inabalavel, jovial e altaneiro.»--_Dr. Luiz Pereira Barretto_.--O Seculo XX sob o ponto de vista brasileiro. [2] Sessão de 10 de Novembro de 1909 da Sociedade de Geographia de Lisboa. [3] A desorganização do trabalho, pela abolição do elemento servil, impunha o fomento da immigração pelos Estados e até pela União. Foram, por isso, subvencionadas emprezas varias que contractaram o serviço de introducção de trabalhadores ruraes. [4] O artigo do _Tempo_ era de Oliveira Martins, ao que diz Eduardo Prado, (_Fastos_, pag. 14). O. Martins previa a absorpção do sul pela Argentina! O artigo, com o ser citado em tanta parte, foi, segundo Prado, um «exito virgem para a imprensa portuguesa.» A prophecia é que desacredita o auctor e não menos os que lhe deram curso. Tal qual no caso Mac-Murdo... (Vide _José Caldas_,--Os Jesuitas--em nota.) [5] _Dunshee de Abranches_--«Actas e actos do governo provisorio». [6] «O seculo XX sob o ponto de vista brasileiro.» [7] Carta ao _Seculo_, publicada, em 14 de janeiro de 1909, sob a epigraphe «Portugueses no Brasil--Quantos são?» [8] A sacca é de 60 kilos. [9] Entraram, em 1906, quinze mil e tantos kilos de chicoria não preparada, dois mil trezentos e dezenove kilos de café torrado, moido e suas imitações... em Portugal! O consumo, por cabeça e por anno, é: na Itália, 970 grammas; na Hespanha, 652 gr; na França, 2,350 k; na Allemanha, 3 k; na Dinamarca, 3,900 k; na Suissa, 3,500 k; na Noruega, 5,536 k; na Belgica, 4,700 k; na Suecia, 6,566 k; na Hollanda, 7,200 k. [10] Vide proposta referida, pag.^a 13 a 15. [11] Relatorio do Ministerio da Fazenda em 1907, pag. 60. [12] Statistica metodologica--Torino, 1906. [13] Elementi di Statistica--Torino, 1904. [14] Castro Carreira--«Historia financeira». [15] _Fastos_, pag. 15, in fine. [16] Liberdade profissional, discurso parlamentar. [17] A phrase é de Ferreira de Araujo, insigne jornalista, cujos meritos não foram excedidos por qualquer homem de imprensa de não importa qual paiz. O conceito parecerá exagerado; não é. Com effeito, tendo a exportação do Brasil chegado a mais de quinze milhões de saccas de café, a exportação diaria, excedente de quarenta mil saccas, ia além da carga habitual de dois dos _cargo-boats_ que faziam esse transporte. [18] _Ayres de Casal_--«Chorographia». [19] Apud _Euclydes da Cunha_--«Os Sertões». [20] «El Continente Enfermo»--Nova-York, 1899. [21] «Deve-se reconhecer que o poder do meio e o esforço dos brasileiros têm conseguido muito na lucta pela adaptação dos immigrantes. O Rio Grande e Santa Catharina fornecem-nos exemplos eloquentissimos desse facto. No ultimo desses estados, principalmente, desde o imperio filhos de allemães têm subido a altas posições politicas e _em todos elles o espirito nacional se encarnou com tanta elevação como nos descendentes mais afastados de europeus_.» _Tobias Monteiro_--«O Fantasma Allemão.» [22] É sabido que o partido liberal, antes da Republica, estava inclinado a essa reforma. Confessou-o, numa entrevista, o visconde de Ouro Preto, chefe desse antigo partido. [23] Commentarios á constituição dos Estados Unidos da America § 157, nota 1 (_a_), edição de 1891. [24] «O pan-americanismo é uma obra de fraternização entre o pan-latinismo e o pan-saxonismo, despertando entre todos os povos da America a idéa e o sentimento de um destino commum.»--_Arthur Orlando_--«Pan-Americanismo», Rio de Janeiro, 1906. Na _nota 25, in fine_, vide transcripção do «Estado de S. Paulo». [25] Depois de lançadas no papel estas linhas, recebeu o auctor os jornaes brasileiros com as noticias das festas solennissimas com que foi celebrado, na Capital Federal, o 20.^o anniversario do advento da Republica. Commentando a obra das nova instituições, diz o _Jornal do Commercio_, órgam das classes conservadoras da sociedade brasileira, sempre de francas opiniões liberaes, mas, em que pése a superficiaes julgadores, incontestavelmente republicano desde que o dirige o dr. José Carlos Rodrigues, espirito formado pela cultura americana e inglesa e que, ao mais intransigente individualismo, allia profundas convicções democraticas: «O regimen democratico é o regimen da opinião e por ella se orienta, e, sendo a Republica a fórma pura desse regimen acreditamos que a opinião brasileira, que a consagrou ha vinte annos, a mantém, a ampara, a defende e a estima. «Neste anniversario todos se congratulam: o Governo com o povo de que saiu, o povo com o Governo, que é feitura sua.» _O Paiz_, que na sua propaganda tomou compromissos com o povo, ufana-se nestes termos da obra republicana: «Se, volvidos os olhos para a construcção feita nestes vinte annos de Republica, collocarmos o julgamento da obra do regimen no terreno concreto dos beneficios feitos á nacionalidade, do conforto dado ao povo, do prestigio trazido ao paiz, é forçoso reconhecer que a fórma de governo estabelecida a 15 de novembro de 1889 não mentiu ás promessas que em seu nome fizeram os propagandistas e tem cumprido dignamente a sua missão. A federação e a autonomia municipal estimularam, pela alforria de actividades acorrentadas, forças inertes e fecundas. Cada provincia, cada municipio, foi centro de vida á parte, forte, cheia de estimulos, progressista tributario da vida nacional; o commando dos proprios destinos, a defesa dos proprios interesses, trouxe a todas essas zonas do territorio patrio uma vigorosa expansão e com ellas desenvolveu-se a collectividade, engrandeceu-se o paiz.» No _Estado de S. Paulo_, tambem órgam da propaganda republicana, entre cujos directores e collaboradores figuram Rangel Pestana, Prudente de Moraes, Campos Salles e Bernardino de Campos, todos de acção capitalissima no actual regimen, diz Paulo Rangel Pestana: «Victoriosos a 15 de novembro de 1889, os republicanos tinham a grandiosa missão de reconstruir a Patria por outros modelos, de accôrdo com as normas da san democracia. Precisavam reformar tudo--as leis e os costumes, as coisas e os homens. Mas, infelizmente, logo desunidos e desorientados, ainda não lograram realizar tão formosa tarefa, sem embargo dos maravilhosos progressos levados a effeito no vintennio que hoje se completa. O Brasil inteiro, cheio de esperanças, festeja e saúda o dia 15 de novembro de 1889 como o principio da sua regeneração. Ella tem de acabar-se com os dedicados esforços dos contemporaneos, tornando-a uma verdadeira republica--livre e pacifica, laboriosa e culta, que seja uma gloria da America e uma admiração do mundo civilizado.» [26] «Pan-Americanismo», pag. 68. [27] «Commentarios» citados, § 266. [28] É doutrina dominante em toda a America. Só as anomalias dictatoriaes, a que todos os povos têm sido, aliás, transitoriamente sacrificados, podem haver postergado a sua pratica em periodos de illegalidade manifesta. [29] Assim foram resolvidas: em 1895, pelo laudo de Cleveland, o litigio das Missões, com a Argentina; em 1901, por sentença do Conselho Federal Suisso, a questão de limites com a Guyana Francesa; em 1904, sendo juiz o rei de Italia, o conflicto de limites com a Guyana Inglesa. [30] «A doutrina Drago»--Paris. (Possuimos a traducção inserta no «Estado de S. Paulo»). [31] A guerra russo-japonesa, a conferencia de Algeziras e o ultimo congresso da paz confirmam por completo o conceito do grande internacionalista argentino. [32] Deodoro da Fonseca teve de resignar o mandato de presidente por ter dissolvido o Congresso. O seu acto é ainda hoje denominado, mui significativamente--_o golpe de estado_... [33] _Kidd_--«The control of the tropics». [34] Aos que se assustam com as divergencias de lingua entre Portugal e Brasil, vem a proposito lembrar que os _yankees_ escrevem _labor_, _honor_, etc., e não _labour_, _honour_, etc. E ha muitas mais... É o caso do argueiro no olho do visinho. [35] A declaração do Congresso das Nove Colonias, reunido em Nova-York, em 1765, já frisára, na sua declaração, que Story julga o melhor summario dos direitos e liberdades reclamados pelas então colonias inglesas, esta doutrina: «Nenhuma taxa lhes poderá jámais ser imposta constitucionalmente a não ser pelas suas respectivas legislaturas.»--_Story_, «Commentarios». § 190. E a declaração de direitos do Congresso Colonial de 1774 repetiu o preceito na sua 4.^a resolução, em que diz, ademais, que a base da liberdade e de todo o governo livre está no direito do povo fazer as suas leis. A mesma declaração, na resolução 10.^a já se insurgia contra conselhos legislativos nomeados á vontade da corôa: taxava-os de inconstitucionaes. Vê-se que o anglo-saxonio, apesar de não haver, hoje na Inglaterra nem, portanto, em 1765 nas suas colonias, constituição escripta, fez sempre questão da constitucionalidade. Os liberaes ingleses dos nossos dias sáem aos seus avós. Lista de erros corrigidos Aqui encontram-se listados todos os erros encontrados e corrigidos: +----------+---------------------+----------------------+ | | Original | Correcção | +----------+---------------------+----------------------+ |#pág. 25| a o dos | a dos | |#pág. 48| o nossa | a nossa | |#pág. 81| resultatado | resultado | +----------+---------------------+----------------------+ Variantes dos nomes próprios foram mantidas de acordo com o original. End of Project Gutenberg's As relações luso-brasileiras, by José Barbosa *** END OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK 30424 ***